Em meio ao uso de artefatos de guerra considerados invencíveis pelo governo russo, também têm parecido insuperáveis os obstáculos para salvar a população civil do conflito. Organizações de ajuda humanitária criticam que não conseguem chegar às cidades ucranianas sitiadas, onde milhares de pessoas esperam alguma forma de assistência. Aqueles que conseguem sair do país, por sua vez, estão em condição de muita vulnerabilidade, o que pode favorecer "o tráfico de pessoas e uma crise aguda de proteção infantil", alertou, também ontem, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
"A guerra na Ucrânia está levando a deslocamentos em massa e fluxos de refugiados (…) As crianças deslocadas são extremamente vulneráveis ao serem separadas de suas famílias, exploradas e traficadas. Elas precisam que os governos da região intensifiquem e implementem medidas para mantê-las seguras", disse Afshan Khan, diretor-regional do Unicef para a Europa e Ásia Central. A agência das Nações Unidas estima que cerca de 1,5 milhão de crianças fugiram da Ucrânia e "inúmeras outras" estão deslocadas dentro do país desde o início da invasão russa.
A quantidade de meninos e meninas que tentam fugir do país desacompanhados também preocupa. De 24 de fevereiro a 7 de março, o Unicef identificou mais de 500 crianças nessas condições tentando cruzar a fronteira da Ucrânia para a Romênia. A agência pediu aos governos que reforcem, entre as autoridades de controle de fronteira, a importância de aplicação de leis de proteção infantil e da identificação rápida de crianças separadas.
O Unicef considera que as crianças enfrentam "uma ameaça imediata e crescente". Ao menos 103 morreram desde o início do conflito, incluindo quatro na capital, Kiev. Autoridades do país também calculam que pelo menos 10 escolas foram destruídas e alertam que a situação é mais crítica nas cidades sitiadas de Kharkiv, no nordeste, e Mariupol, no sudeste.
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Tática de cerco
Na avaliação de Jakob Kern, coordenador de emergências do Programa Mundial de Alimentos (PMA) para a crise na Ucrânia, essas áreas mais pressionadas pelos soldados russos estão em situação "catastrófica", submetidas a "uma tática de cerco que é inaceitável no século 21", criticou, em entrevista à agência France-Presse de notícias (AFP). A inteligência britânica alertou que os fracassos em atingir objetivos traçados para a invasão ao país vizinho têm levado Moscou a investir em uma estratégia de desgaste que pode intensificar a crise humanitária (Leia mais ao lado).
O PMA, também das Nações Unidas, espera alcançar 3,1 milhões de pessoas na Ucrânia, mas os esforços para levar produtos como macarrão, arroz e carne enlatada são prejudicados pelas dificuldades em encontrar voluntários para o transporte. "Quanto mais nos aproximamos dessas cidades, mais eles se preocupam com a segurança. E isso significa que não temos a capacidade de alcançar as pessoas em Mariupol, Sumy e Kharkiv, cidades que estão quase ou completamente cercadas", afirma Kern.
Segundo o diretor, que trabalhou para o PAM, durante três anos, na guerra da Síria, a tática de cerco usada pelos russos na Ucrânia é semelhante, mas com consequências mais grave devido ao tamanho das cidades atingidas. "Seria necessário quase um comboio diário para fornecer alimentos básicos a uma população de meio milhão ou 1 milhão de pessoas. Isso implica estabelecer um corredor humanitário permanente com essas cidades", explica.
Cerca de 190 mil civis foram removidos de áreas sob ataque russo desde o início da invasão, segundo a vice-primeira-ministra da Ucrânia, Iryna Vereshchuk. Ontem, autoridades dos dois países concordaram com a abertura de 10 corredores humanitários para a retirada de pessoas e a prestação de serviços humanitários. O Conselho de Direitos Humanos da ONU estima que, em 25 dias de guerra, morreram, na Ucrânia, 847 civis — sendo 64 crianças.
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Papa visita refugiados
O papa Francisco fez, ontem, uma visita surpresa a um grupo de 19 crianças ucranianas que chegaram à Itália fugindo da invasão russa. O pontífice passou a tarde no Hospital Pediátrico Bambino Gesù, administrado pelo Vaticano. "Ele parou nos corredores e visitou todas as crianças presentes antes de retornar ao Vaticano", relatou, em comunicado, a Santa Sé. O centro de tratamento, conhecido popularmente como o hospital do papa, se ofereceu para acolher crianças ucranianas com patologias variadas, como cânceres e doenças neurológicas, além de feridas gravemente por artefatos explosivos. Segundo o Vaticano, 50 crianças refugiadas passaram pelo hospital desde o início do conflito.