Todos os dias, Svitlana Vodolaga — porta-voz dos Serviços de Emergência do Estado da Ucrânia — registra ataques indiscriminados a civis, em Kiev. "Vejo com os meus próprios olhos os incêndios e os prédios destruídos pelo bombardeio inimigo. Vejo os rostos de pessoas que perderam conhecidos e familiares. Gente que perdeu suas casas e ficou sem nada", afirmou ao Correio a bombeira de 47 anos. Desde o início da guerra, ela fotografa e filma os corpos e a devastação. "Espero que esses documentos ajudem a punir os culpados." Pela primeira vez, os Estados Unidos acusaram a Rússia de crimes de guerra. "Posso anunciar que, com a informação atualmente disponível, o governo dos EUA determina que membros das forças russas cometeram crimes de guerra", disse o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.
Com os civis na linha de fogo e o confronto cada vez mais distante de uma solução diplomática, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou o envio de forças de combate extras no flanco leste da Europa — grupos táticos serão enviados para Bulgária, Hungria, Romênia e Eslováquia.
No marco do primeiro mês da guerra, a Otan realiza, hoje, em Bruxelas, uma cúpula de líderes que terá a presença do presidente dos EUA, Joe Biden. Durante a reunião, o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, fará um pronunciamento por videoconferência. "O presidente (Vladimir) Putin e sua brutal invasão à Ucrânia provocam mortes e destruição todos os dias. Nossos aliados estão unidos em apoio ao corajoso povo da Ucrânia. Putin deve pôr fim à guerra, permitir a entrada de ajuda e a saída de civis, e se engajar com a diplomacia verdadeira", declarou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, ao afirmar que 100 mil soldados norte-americanos estão posicionados na Europa e outros 40 mil militares da aliança mantêm prontidão no leste do continente europeu.
"Na cúpula, espero que os líderes concordem com o reforço da Otan em todas as frentes. (...) O primeiro passo será o deslocamento de quatro grupos de combate para Bulgária, Hungria, Romênia e Eslováquia. (...) Teremos oito grupos de combate ao longo do flanco leste, do Mar Báltico ao Mar Negro", comentou Stoltenberg. Segundo ele, a Otan precisa atuar com responsabilidade para impedir que a guerra se espalhe para além da Ucrânia.
Para Artem Oliinyk, diretor do Instituto para Relações de Governo (em Kiev), a Otan se vê em uma situação delicada. "Os russos atraíram Belarus para o conflito e ameaçam envolver outros países-membros da CSTO (Organização do Tratado de Segurança Coletiva, formada também por Armênia, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão, Uzbequistão, Azerbaijão e Geórgia). As exigências de Putin para que a Otan volte às fronteiras de 1997 são um ato de agressão contra a aliança", explicou ao Correio.
"Moscou declarou que reagirá duramente aos comboios de armas enviados pelo Ocidente e a uma eventual missão de forças de paz da Otan. Devemos nos preparar para provocações nas fronteiras da Otan, com o aumento atípico de atividade militar e ataques à cadeia de suprimentos", advertiu Oliinyk.
Ele acredita que, em caso de agressão bélica, os primeiros alvos da Rússia seriam bases militares, QGs de comando e pistas de pouso, no centro e no leste da Europa. Ele disse que Moscou possui dados sobre a localização das tropas dos EUA e da Otan. "A situação é desfavorável, mas os europeus devem estar preparados para contra-atacar. Trata-se da segurança de todo o continente." Ao reconhecer que a Rússia não dispõe de meios para uma guerra contra a Otan, Oliinyk não descarta que Putin lance mão de armas nucleares táticas.
Saiba Mais
Execuções
Ontem, bombardeios russos atingiram casas no bairro de Shevchenkivskyi, em Kiev. Svitlana documentou a devastação. "Ninguém morreu. Uma pessoa ficou ferida", relatou. "O crime de guerra mais chocante ocorreu em 1º de março. Mulheres e crianças foram queimadas vivas, no ataque a uma torre de TV, em Kiev. Uma família inteira foi incendiada — um casal e os dois filhos.
"Vejo crimes russos não por meio dos EUA, mas com os meus olhos", desabafou à reportagem Oleksandra Matviichuk, ativista do Centro para Liberdades Civis, em Kiev. Ela cita um caso de 17 de março. "Ruslan Necepurenko, 47 anos, e o filho Yuri, 14, pedalavam pelo centro da cidade de Bucha, perto de Kiev. Buscavam remédios, quando foram parados pelos russos. Ambos mostraram que não portavam armas. Os militares deliberadamente mataram Ruslan e atiraram em Yuri. Minha colega entrevistou Alla, mãe de Yuri e esposa de Ruslan, e documentou tudo. Foi um crime de guerra."