A voz denotava cansaço. "Você se importa se eu enviar mensagens de áudio para você? Meu celular foi queimado", afirmou ao Correio a pintora ucraniana Oleksandra Makoviy, 33 anos. No último sábado, ela publicou uma foto de Vira, de 2 anos, com as costas repletas de inscrições a caneta. No corpo da única filha, Alexandra escreveu o nome completo da filha, a data de nascimento e dois números de telefones de familiares. "Eu decidi colocar essas informações no corpo de Vira no primeiro dia da guerra, quando despertamos com o som das bombas. Eu comecei a tremer muito. Estava muito nervosa e chorava. Escrevi esses dados nas costas da minha filha para o caso de eu e meu marido morrermos nos bombardeios", relatou, por mensagem de áudio no Instagram.
De acordo com Oleksandra, assim que os ataques aéreos russos começaram, em 24 de fevereiro, ela não sabia se conseguiriam fugir de Kiev. A família morava no distrito de Rusanivka, uma ilha artificial construída no meio do Rio Dineper, desprovida de abrigos antiaéreos. "Havia pouca informação. Nós recebíamos notícias apenas do Facebook e de outros canais não oficiais. Tínhamos medo de nosso carro ser atingido pelos mísseis ou de não conseguirmos chegar até o carro. Então, coloquei os dados no corpo de Vira, para o caso de nos separarmos ou morrermos. Isso foi para o futuro dela", acrescentou a mãe, emocionada.
Oleksandra, o marido e Vira conseguiram chegar ao centro de Kiev, onde ficariam no apartamento de familiares. "Não havia segurança. Caças sobrevoavam a capital a todo o momento. Eu não podia mais comer, nem dormir. Apenas vomitava, tremia e chorava", lembra. Depois que colocou a foto da filha no Instagram, Oleksandra foi contatada por outras mães ucranianas. "Percebi que não era a única a utilizar aquele método. É uma situação muito assustadora. Em pleno século 21, temos de enfrentar este mal em que os russos se transformaram e tudo o que fazem", desabafou. Os três estão a salvo, no sul da França, sob cuidados de voluntários. Eles têm permissão para ficar no país até setembro.
A artista acredita que não poderá retornar a Kiev pelos próximos meses. "Os russos não chegaram a Kiev, mas ainda podem nos atacar pelo céu. Todas as florestas e campos nos arredores da capital estão minados. Não é um local seguro para cuidar de minha filha", lamentou Oleksandra. Segundo ela, todos os dias têm sido de espera pelo fim da guerra. "Sinto muita falta de minha vida pacífica antes de a guerra começar. Sinto saudades de meu apartamento e de tudo", disse. Os horrores vividos em Kiev deixaram marcas profundas em Oleksandra. "Sei que estou em paz, aqui na França, mas não sinto mais a paz em lugar algum. Estou com transtorno do estresse pós-traumático."
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