oriente médio

Israel invade terceiro local mais sagrado do Islã e deixa 158 feridos

Forças de segurança de Israel travam confrontos com fiéis palestinos, que oravam na segunda sexta-feira do Ramadã. Incidente termina com 450 presos e eleva risco de mais violência

Rodrigo Craveiro
postado em 16/04/2022 06:00 / atualizado em 16/04/2022 11:49
 (crédito: Ahmad Gharabli/AFP)
(crédito: Ahmad Gharabli/AFP)

Aconteceu de novo, desta vez na segunda sexta-feira do Ramadã — o mês sagrado para o islã em que os muçulmanos observam o jejum absoluto do nascer do sol ao crepúsculo. Policiais israelenses invadiram a Esplanada das Mesquitas, na Cidade Velha de Jerusalém, por volta das 6h30 (0h30 em Brasília). O local abriga a Mesquita de Al-Aqsa, o terceiro lugar mais sagrado para os muçulmanos. De acordo com a polícia de Israel, uma hora e meia antes, "dezenas de jovens desordeiros encapuzados", alguns com a bandeira do movimento islâmico Hamas, "começaram uma procissão" pelo complexo e teriam atirado pedras em direção ao Muro das Lamentações — local de peregrinação dos judeus e muralha remanescente do templo do Rei Salomão.

Os confrontos entre as forças de segurança do Estado judeu e os palestinos deixaram 158 feridos, seis deles em estado grave. Os militares israelenses também detiveram 450 manifestantes. Em 20 de maio de 2011, um incidente semelhante, na Esplanada das Mesquitas, deixou 331 feridos.

Sob condição de não ter a identidade revelada, Mahmud (nome fictício) contou ao Correio que chegou à Esplanada das Mesquitas minutos após a entrada das forças israelenses. "Depois das orações do amanhecer, centenas de fiéis se reuniram na praça da mesquita e começaram a gritar que o local é dos muçulmanos. Foi então que um grande número de policais invadiu o local, usando granadas de efeito moral e balas de borracha. Os israelenses começaram a perseguir as pessoas e a golpeá-las com cassetetes para forçá-las a abandonar o complexo", relatou. "Alguns jovens lançaram pedras e entraram na Mesquita de Al-Aqsa. A polícia trancou o local com correntes de ferro e lançou as granadas de efeito moral pelo telhado, depois de quebrar os vidros das janelas. Os confrontos continuaram por três horas."

Os policiais levaram 450 palestinos presos. Após as detenções e a saída dos israelenses da área, os fiéis limparam a Mesquita de Al-Aqsa. Pelo menos 60 mil palestinos foram ao templo para as orações da sexta-feira, considerada dia sagrado para o islã. A polícia israelense informou que três membros de sua tropa ficaram feridos. Diretor da Mesquita de Al-Aqsa, Omar Al-Kiswani confirmou à agência France-Presse um segundo incidente pela manhã envolvendo uma intervenção da polícia israelense no próprio local de culto. "A ocupação (o nome dado a Israel pelos palestinos) sabe que a Mesquita de Al-Aqsa é uma linha vermelha que não deve ser ultrapassada", declarou.

O Correio também falou com o jornalista freelance palestino Hassan Asleh, que orava na Mesquita de Al-Aqsa quando houve a confusão. Segundo ele, cerca de 30 mil fiéis estavam no templo, atendendo a um chamado do Hamas para proteger o local contra uma suposta profanação planejada pelos colonos judeus, que também celebravam, ontem, a Pessach (Páscoa judaica). "Um grande número de jovens tomou a iniciativa de montar barricadas e preparar para repelir qualquer incursão da polícia ou dos colonos", comentou Asleh.

Jerusalém
Jerusalém (foto: AFP)

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"Os jovens se armaram com rojões para responder às bombas de gás lacrimogêneo e às balas de borracha, disparadas pelas forças israelenses, que estavam de prontidão nas portas da Mesquita de Al-Aqsa", explicou Asleh. Enquanto os distúrbios ocorriam, o primeiro-ministro de Israel, Naftali Bennett, se reunia com o gabinete de segurança de emergência para avaliar a situação em Jerusalém. O jornal Haaretz informou que Kobi Shabtai, chefe da polícia, disse na reunião que seus homens evitaram fazer de tudo para invadir a Esplanada das Mesquitas. "Pedimos aos guardas locais que cuidassem dos baderneiros e os removessem do Monte do Templo, mas de nada adiantou", comentou.

O governo dos Estados Unidos afirmou estar "profundamente preocupado" com os incidentes de ontem na Esplanada das Mesquitas. "Pedimos a todas as partes que exerçam moderação, para evitar provocações e retórica", disse o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, por meio de um comunicado. "Pedimos às autoridades palestinas e israelenses que cooperem para diminuir as tensões e garantir a segurança de todos", acrescentou.

Em entrevista ao Correio, Ibrahim Alzeben, embaixador palestino no Brasil, afirmou que "a continuação da escalada israelense atingiu um nível que ameaça a segurança regional e a paz social no mundo". "Ela transforma o conflito em uma guerra religiosa, da qual ninguém será poupado das consequências devastadoras, tanto no Oriente quanto no Ocidente", advertiu o diplomata. Ele instou uma "ação imadiata, urgente e decisiva" da comunidade internacional para "deter essa deterioração e eliminar suas causas". "Chega de padrões duplos. Na Palestina, a causa principal é a ocupação — fonte de terror e de violência. O conflito dura 74 anos. O mundo vê e ouve, mas vira o rosto para longe da verdade", acrescentou.

Para Alzeben, os recentes incidentes perigosos registrados no Oriente Médio "foram causados pela ocupação da terra da Palestina, pelas práticas agressivas brutais das autoridades de ocupação israelense, pelos assassinatos e prisões contra o povo palestino e pelas incursões massivas e destrutivas nas cidades palestinas, aldeias e acampamentos". "O governo israelense é responsável por todas as vítimas resultantes desta série sangrante que ameaça a vida de palestinos e israelenses", concluiu. A reportagem tentou contato com o embaixador de Israel, mas não obteve resposta.

Os confrontos na Esplanada são os primeiros a serem registrados este ano durante o Ramadã, quando milhares de palestinos visitam Jerusalém para rezar na Mesquita de Al-Aqsa.

A Esplanada das Mesquitas está localizada em Jerusalém Oriental, parte ocupada por Israel desde 1967 e que os palestinos reivindicam como capital de um futuro Estado. Os distúrbios se inserem em uma escalada de violência registrada nas últimas semanas no Oriente Médio, com atentados a tiros e facas, em Tel Aviv, e confrontos sangrentos entre as forças israeleneses e manifestantes palestinos, na Cisjordânia. Na quinta-feira, três palestinos morreram durante uma operação das Forças de Defesa de Israel para cercar os suspeitos ligados a quatro atentados em Tel Aviv, que deixaram 14 mortos desde 22 de março.

Na quinta-feira pela manhã, "dois jovens morreram de ferimentos causados em um ataque israelense no distrito de Jenin", no norte da Cisjordânia, disse o Ministério da Saúde palestino em comunicado. Horas depois, o mesmo ministério anunciou uma terceira morte — um homem de 45 anos, pai de seis filhos, que tinha sido gravemente ferido por balas israelenses, na véspera, em Beita, ao sul de Nablus.

Em nota, a Embaixada de Israel em Brasília informou que Israel está comprometido com a liberdade de culto para pessoas de todas as crenças em Jerusalém, e que sua meta é possibilitar orações pacíficas para os fiéis durante o Ramadã. "Ontem (sexta-feira) pela manhã, dezenas de homens mascarados, com bandeiras do Hamas, começaram a marchar na Mesquita de Al-Aqsa, entoando gritos de incitação e, barricados dentro da mesquita, tumultuaram, vandalizaram propriedades, dispararam fogos de artifício e atiraram pedras", afirma a representação diplomática. "Não há razão para essa violência e para a destruição da mesquita sob o pretexto de protegê-la. Os desordeiros estão minando a santidade da mesquita e o mês de Ramadã. Com a retirada dos desordeiros, o Monte do Templo foi reaberto para os fiéis, para permitir a liberdade de culto. A convergência da Páscoa Judaica, do Ramadã e da Páscoa Cristã é algo simbólico do que temos em comum. Não devemos deixar que ninguém transforme esses dias santos em plataforma de ódio, incitação e violência", acrescenta a embaixada.

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