Guerra na Europa

Zelensky diz que ataque da Rússia a Kiev foi tentativa de humilhar a ONU

Rússia dispara cinco mísseis contra Kiev, durante visita de António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas. Presidente Zelensky acusa Moscou de tentar humilhar a organização. Biden anuncia ajuda de US$ 33 bi à Ucrânia e mira oligarcas russos

Rodrigo Craveiro
postado em 29/04/2022 06:00
Fumaça vista em Kiev depois de bombardeio, no 64º dia da invasão -  (crédito: Sergey Volskiy/AFP)
Fumaça vista em Kiev depois de bombardeio, no 64º dia da invasão - (crédito: Sergey Volskiy/AFP)

As sirenes antiaéreas soaram, em Kiev, por volta das 19h (13h em Brasília), seguidas de explosões. Cinco mísseis rasgaram o céu da capital ucraniana e pelo menos um deles atingiu um prédio residencial, no bairro central de Shevchenkivskyi, ferindo seis pessoas. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, estava na cidade e tinha acabado de se reunir com o presidente Volodymyr Zelensky. O líder da Ucrânia acusou o homólogo russo, Vladimir Putin, de tentar humilhar a ONU e defendeu uma resposta "apropriada e poderosa". Um dos mísseis caiu perto do hotel onde estavam hospedados Guterres e assessores.

Em entrevista à emissora portuguesa RTP, o chefe da ONU admitiu que ficou "em choque" com os bombardeios, não por terem ocorrido em sua presença, mas pelo fato de Kiev ser uma "cidade sagrada" para ucranianos e russos. Mais cedo, ao visitar Bucha — localidade a 15km de Kiev e cenário de um massacre de civis —, o secretário-geral lamentou o "fracasso" do Conselho de Segurança em evitar o conflito. "Quando vemos esse local horrendo, isso me faz sentir como é importante termos uma investigação completa e uma punição", desabafou Guterres, que também esteve em Borodianka, a 25km a noroeste de Bucha, e em Irpin.

Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, solicitou ao Congresso a liberação de US$ 33 bilhões em ajuda adicional à Ucrânia, dos quais, mais de US$ 20 bilhões para assistência militar. "Não estamos atacando a Rússia. Estamos ajudando a Ucrânia a se defender contra a agressão russa", justificou o democrata. Ele detalhou propostas de novas leis para permitir o uso de bens de luxo confiscados de oligarcas russos — uma forma de indenizar a Ucrânia.

Zelensky (D) recebe Guterres: comitiva "abalada" pelos ataques
Zelensky (D) recebe Guterres: comitiva "abalada" pelos ataques (foto: Sergei Supinsky/AFP)

Desafio

Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran contou que as explosões ocorreram em uma área não muito distante das casas de sua mãe e da filha mais velha. "Como os ataques ocorreram durante a visita de Guterres, a estratégia do Kremlin parece ter sido desafiar a comunidade internacional e ameaçar a Ucrânia. Os bombardeios levantam dúvidas sobre a sinceridade do 'acordo' anunciado por Putin sobre corredores humanitários em Mariupol (sudeste)", disse à reportagem.

Oleksandr Pogrebyskyi, sargento do batalhão de voluntários "Irmãos em Armas" e deputado do Conselho Municipal de Kiev, criticou o timing do bombardeio russo. "Vejo isso como uma demonstração da Rússia de desprezo pelo direito internacional e pelas instituições internacionais", disse ao Correio. "A resposta a esse ataque deveria vir com a imposição de novas sanções, até o completo isolamento da Rússia", acrescentou.

Cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mauricio Santoro afirmou ao Correio que os bombardeios a Kiev são uma "mensagem muito poderosa" de Moscou sobre a falta de interesse em encontrar uma solução pacífica para o conflito. "O ataque pode ter colocado em risco a vida do secretário-geral. É uma manifestação muito forte também do poderio militar russo e da capacidade de atacar Kiev a qualquer momento. Embora a guerra não esteja indo bem para os russos, eles gostam de reafirmar essa capacidade de ação internacional", avaliou.

Santoro lembrou que, apesar de ter se tornado local de visita para dignatários, Kiev é a capital de um país em guerra. "O risco de um bombardeio está sempre presente. Dada a importância diplomática do secretário-geral e o fato de ele ser alguém sempre empenhado em buscar soluções pacíficas, acho que caberia um protesto forte das grandes potências, ainda que o impacto político disso seja muito pequeno."

Destruição em prédio residencial atingido durante o bombardeio russo, no centro de Kiev
Destruição em prédio residencial atingido durante o bombardeio russo, no centro de Kiev (foto: Anton Gerashchenko/Twitter)

Crimes de guerra

A procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, identificou mais de 8 mil supostos crimes de guerra. "Na verdade, são 8.600 casos relacionados apenas a crimes de guerra e mais de 4.000 casos associados a crimes de guerra", disse. Iryna abriu investigação contra dez soldados russos da 64ª brigada de fuzileiros por "tratamento cruel de civis e violações da lei e dos costumes de guerra". "É uma notícia muito boa. Mas houve mais do que 10 criminosos. Queremos punir todos, inclusive o comandante-em-chefe (Putin) e a alta administração, que permitiram o massacre", declarou ao Correio Anatoliy Fedoruk (leia Duas perguntas para), prefeito de Bucha. Ele confirmou que os russos tinham listas de alvos a serem executados.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Zelensky (D) recebe Guterres: comitiva
    Zelensky (D) recebe Guterres: comitiva "abalada" pelos ataques Foto: Sergei Supinsky/AFP
  • Destruição em prédio residencial atingido durante o bombardeio russo, no centro de Kiev
    Destruição em prédio residencial atingido durante o bombardeio russo, no centro de Kiev Foto: Anton Gerashchenko/Twitter

Três perguntas para

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Anatoliy Fedoruk,

prefeito da cidade de Bucha, a noroeste de Kiev 

 

Qual foi a estratégia dos soldados russos acusados de matar cidadãos de Bucha?

Nós coletamos e exumamos 416 corpos na comunidade de Bucha. Em sua maioria, foram alvos de tiros disparados de perto, com metralhadoras e armas de grosso calibre. Também houve a ação de franco-atiradores. Não vejo uma estratégica militar em especial aqui. Os russos claramente tinham a permissão da alta liderança para matarem quem quisessem. 

 

A informação de que eles tinham listas de alvos a serem eliminados é real?

Eu estava em Bucha, em março. Eu mesmo vi as listas. Eles vieram à minha casa — é óbvio, para caçar o prefeito. Os russos me perguntaram: "Essa é sua casa?". Eu respondi: "Eu gostaria de ter tal casa, mas esta é a casa do prefeito". Eles olharam as listas e perguntaram se o prefeito de Bucha era Anatoliy Petrovich Fedorchuk. O último nome estava errado, mas confirmei que sim. Vi na lista outros nomes — de deputados, ativistas, familiares de combatentes mortos no Donbass. As listas estavam impressas. Eles me soltaram com a ordem "Traga o passaporte". Isso me salvou. Dias depois, lançaram granadas contra minha casa. Foi uma vingança por não terem me levado. Os russos tinham listas e sabiam quem vivia em Bucha.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação