Na arena diplomática conhecida por arbitrar a paz ao redor do mundo, um imenso telão mostrou as fotos de cadáveres amarrados, abandonados nas casas e nas ruas de várias cidades ucranianas, ou lançados dentro de covas coletivas. "Vocês estão prontos para fechar a ONU?", questionou o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em pronunciamento ao vivo exibido durante reunião do Conselho de Segurança da ONU, a partir de Kiev, a mais de 7.500km de Nova York. Ele denunciou atrocidades cometidas pelas tropas da Rússia contra civis, culpou o governo de Vladimir Putin pelos "piores crimes desde a Segunda Guerra Mundial", exigiu um julgamento internacional e desafiou as Nações Unidas. "Precisamos de decisões do Conselho de Segurança para a paz na Ucrânia", disse Zelensky. "Onde está a segurança que o Conselho de Segurança precisa garantir? Não existe. (...) Se não há alternativa, nem opção, então a próxima escolha seria a sua dissolução por completo."
Hoje, os Estados Unidos, a União Europeia e o G7 — grupo dos sete países mais industrializados — devem anunciar novo pacote de sanções contra a Rússia. Entre as medidas previstas, estão a proibição de todos os novos investimentos em território russo, o reforço das sanções a instituições financeiras de Moscou e a empresas estatais, e sancões contra autoridades do Kremlin e familiares.
Em um tom duro, Zelensky afirmou que se dirigia aos países-membros do Conselho de Segurança em nome das vítimas e detalhou o suposto massacre ocorrido na cidade de Bucha, a 30km do centro de Kiev. "Eles (civis) foram assassinados em seus apartamentos e casas, explodindo granadas. Foram esmagados por tanques, quando estavam dentro dos carros, na rua, só por prazer. Eles (russos) deceparam membros, cortaram gargantas. Mulheres foram estupradas e mortas na frente dos filhos. Suas línguas foram arrancadas porque os agressores não queriam escutar o que ouviram delas", acrescentou. O líder ucraniano apelou pela exclusão da Rússia do Conselho de Segurança — um dos cinco países-membros com poder de veto — para que Moscou "não bloqueie decisões sobre sua própria guerra". Também defendeu a reforma da entidade.
Pelo segundo dia consecutivo, a Rússia rejeitou as acusações de Zelensky. "Não fomos à Ucrânia para conquistar territórios", disse Vasili Nebenzia, embaixador de Moscou na ONU, que tornou a denunciar uma conspiração. "Você viu corpos e escutou depoimentos, mas apenas viu o que lhe foi mostrado. Você não pode ignorar as flagrantes inconsistências nas versões dos fatos divulgados pelos meios de comunicação ucranianos e ocidentais." Por sua vez, o chanceler russo, Serguei Lavrov, divulgou mensagem transmitida pelas televisões de seu país em que apontava uma "provocação aberta e falaciosa" para "atrapalhar" as negociações de paz.
Chefe da Cátedra de Relações Internacionais e diretor da Escola de Análises Políticas da Universidade de Kiev-Mohyla, Maksym Yakovlyev afirmou ao Correio que o discurso de Zelensky na ONU foi "muito poderoso". "Todos agora devemos repensar o papel das Nações Unidas, pois vemos tantos civis serem torturados, estuprados e mortos pelas tropas russas. Ainda assim, a Rússia detém o poder de veto no Conselho de Segurança, enquanto bombardeia a Ucrânia. O que acontece aqui em meu país é puro genocídio. Parece que, no formato atual, a ONU não pode fazer muito. Ela necessita de uma reforma", acrescentou.
Yakovlyev disse que mais lhe impressionou na fala de Zelensly foi o fato de ele ter se referido aos russos como "criminosos de guerra" e solicitado uma Corte similar aos julgamentos de Nuremberg — alusão aos tribunais que condenaram os oficiais nazistas ao fim da Segunda Guerra Mundial. O especialista ucraniano considera primordial a imposição de mais sanções contra a Rússia.
Saiba Mais
Ataques
O Exército da Rússia informou ter derrubado dois helicópteros ucranianos que tentavam retirar os chefes do batalhão nacionalista Azov, que participa da defesa do porto de Mariupol (sudeste). Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa russo, explicou que Moscou ofereceu aos combatentes a deposição de armas e o abandono da cidade. Eles teriam ignorado a proposta.
Jens Stoltenberg, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), anunciou que a Rússia avança para "tomar o controle de todo Donbass" — no leste da Ucrânia — e criar uma ponte terrestre com a Península da Crimeia, anexada por Moscou em 2014. "As tropas russas deixaram a região de Kiev e o norte da Ucrânia. Putin está movendo um grande número de soldados ao leste. Elas vão se rearmar, receber reforços (...) e se reabastecer para lançar nova ofensiva altamente concentrada na região do Donbass."