A declaração de Loyd Austin, secretário de Defesa norte-americana, deu o tom do encontro entre os Estados Unidos e mais de 40 aliados do recém-formado Grupo Consultivo sobre a Segurança da Ucrânia, na base área de Ramstein, no oeste da Alemanha. "A Ucrânia acredita claramente que pode vencer (a Rússia), assim como todo mundo aqui. Vamos continuar movendo montanhas para poder satisfazer (os anseios de Kiev)", afirmou o chefe do Pentágono. Em uma decisão sem precedentes, os países participantes da reunião começam a articular o envio de armamentos pesados para a Ucrânia. A grande surpresa ficou por conta da Alemanha, que contribuirá com 50 tanques antiaéreos Flakpanzer Gepard.
O grupo pretende fazer uma avaliação mensal sobre as necessidades de defesa da Ucrânia. Na segunda-feira, após visitar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, Austin disse que os EUA desejam ver a Rússia "enfraquecida" e impossibilitada de "fazer coisas como a invasão da Ucrânia". A avaliação de especialistas ucranianos consultados pelo Correio é de que, apesar de atrasada, a ajuda tem grande importância para tentar frear o avanço militar da Rússia, especialmente no sul e no leste da Ucrânia — territórios que Moscou pretende capturar para criar uma ponte até a Península da Crimeia, anexada em 2014.
Washington advertiu, ontem, para tentativas de "escaladas de tensões" após uma série de explosões na região separatista pró-russa moldava da Transnístria, na fronteira com a Ucrânia. Os alvos teriam sido o Ministério de Segurança do Estado, uma torre de rádio e uma unidade militar. Até o fechamento desta edição, não estava claro de quem partiram os ataques. As suspeitas recaem sobre a Rússia, que estaria interessada em forjar atentados para abrir nova frente de batalha. A Transnístria se separou da Moldávia após uma breve guerra civil em 1992.
Em um esforço para costurar uma possível trégua, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, e o chanceler Serguei Lavrov. "Propus a criação de um grupo de contato que reúna Rússia, Ucrânia e Nações Unidas para buscar as possibilidades de abertura de corredores humanitários", declarou Guterres.
Putin assegurou a Guterres que tem esperanças de uma solução diplomática para o conflito. "Apesar de que a operação militar está se desenvolvendo, continuamos tendo esperanças na capacidade de alcançar acordos pela via diplomática. Estamos negociando, não rejeitamos (negociar)", disse o líder russo ao chefe da ONU. Na segunda-feira, Lavrov chegou a falar em "risco real" de uma Terceira Guerra Mundial e advertiu que o mundo não pode subestimar o perigo.
O parlamentar ucraniano Sergiy Taruta, ex-governador de Donetsk, no Donbass, celebrou o anúncio dos 40 países. "É o resultado do consistente trabalho político e diplomático da Ucrânia. O medo da Rússia como se fosse um monstro está diminuindo. Os países entendem que a Ucrânia pode derrotar a Rússia. Chegou o momento da virada. Kiev precisa se mover de uma postura defensiva para uma ofensiva. A Ucrânia precisa de armas pesadas, e outras nações deveriam nos ajudar a obtê-las o mais rápido possível", disse ao Correio.
Ao ser questionado sobre a ameaça de Moscou a Londres, Taruta ironizou: "Existe um provérbio russo segundo o qual um Moska (cão pequeno) late para um elefante". "A Rússia não está conseguindo lidar com a Ucrânia. Ela não representa uma ameaça para o Reino Unido. Nosso país provou que o segundo exército do mundo é um mito. O Reino Unido, além de fazer parte dos tratados sobre defesa conjunta no âmbito da Otan, tem um contingente militar moderno e forte. Quaisquer ameaças apenas acelerarão a derrota da Rússia", avaliou o ex-governador.
Isolamento
Analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), Petro Bukovsky afirmou que EUA e os aliados que prometeram armas dispõem de alta tecnologia e de modernos meios de guerra. "Tudo o que for entregue à Ucrânia terá como objetivo superar os sistemas bélicos russos. Isso significa que a Rússia será completamente cortada dos suprimentos estrangeiros, impossibilitando o reparo de suas armas mais modernas montadas com componentes estrangeiros", explicou à reportagem.
Ele crê que a aliança de nações acompanhará com atenção o comportamento da China e outros países que importam tecnologias ocidentais, proibindo-os de enviarem esse tipo de material para Moscou. "Ao mesmo tempo, esse grupo formado por Washington tende a se aproximar de países da América Latina, da Ásia e da África para trocar armamentos soviéticos, russos e ucranianos por outros mais modernos. A Rússia não poderá manter os territórios ocupados depois do início da invasão, em 24 de fevereiro, nem mesmo aqueles tomados no Donbass, em 2014."
Moldávia
Para Burkovsky, Putin começou uma guerra regional ao invadir a Ucrânia. "O plano do Kremlin era alcançar a Moldávia e forçá-la à rendição. Depois, Putin ameaçará diretamente a Romênia, a Polônia e os Estados bálticos", advertiu. O estudioso considera que os incidentes na região da Transnístria ainda são obscuros. "A Ucrânia não tem interesse em alvejá-la. Para o Kremlin, é tarde demais para tentar utilizar as tropas estacionadas na Transnístria, as quais não estão motivadas a participarem da invasão. Seria suicídio político para Tiráspol (capital da Transnístria) e uma aventura militar muito arriscada, pois Kiev sempre considerou a região um cenário de ações hostis. Putin pode usar armas nucleares? Sim. Ele o fará, se tiver tomado a decisão."
A Rússia mantém os bombardeios à siderúrgica de Azovstal, onde estão entrincheirados os últimos combatentes ucranianos e abrigados mais de mil civis. A ONU estima que 8 milhões de civis fugirão da Ucrânia — o número atual de refugiados é de 5 milhões. Outras 13 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas.