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Biden lança batalha contra risco da Suprema Corte derrubar o direito ao aborto

Presidente reage ao vazamento do rascunho de opinião da Suprema Corte que defende o fim da legalização de interrupção da gravidez e conclama os eleitores a responderem nas urnas. Chefe do Judiciário ordena investigação

Rodrigo Craveiro
postado em 04/05/2022 06:00
 (crédito: Brendan Smialowski/AFP)
(crédito: Brendan Smialowski/AFP)

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, classificou como "muito radical" a eventual derrubada da histórica decisão de 1973 da Suprema Corte no caso "Roe vs. Wade", que legalizou o direito à interrupção da gravidez no país. Ao comentar o vazamento de um rascunho de opinião da máxima instância do Judiciário, o qual prevê a proibição do aborto nos EUA, Joe Biden exortou os norte-americanos a defenderem, nas eleições legislativas de 8 de novembro, o "direito fundamental" ao procedimento. Ele teme que "uma série de direitos" dos cidadãos seja ameaçada com a anulação da jurisprudência. 

O juiz John Roberts, chefe da Suprema Corte, confirmou a autenticidade do rascunho do documento — divulgado pelo site Politico —, reiterou que a decisão final não foi tomada e determinou uma investigação para apurar as responsabilidades pelo vazamento, o qual considerou uma "traição". 

O site Politico informou que o rascunho foi escrito pelo juiz Samuel Alito e circulava na Suprema Corte desde fevereiro. Com 98 páginas, intitulado "Opínião do Tribunal" e datado de 10 de fevereiro, o documento taxava o Roe vs. Wade como "extremamente errado desde do início". "Consideramos que Roe e Casey devem ser anulados", recomendou Alito. "É hora de atender à Constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos do povo", diz ele.

Na tarde de ontem, por meio de comunicado, Biden lembrou que "o direito de escolha da mulher é fundamental". "A justiça básica e a estabilidade de nossa lei exigem que ela não seja revogada." Ele ordenou ao Conselho de Política de Genero e ao Gabinete do Conselho da Casa Branca que preparem opções para uma resposta ao "ataque contínuo ao aborto e aos direitos reprodutivos". "Caberá aos funcionários eleitos da nossa nação, em todos os níveis de governo, proteger o direito de escolha da mulher. E caberá aos eleitores eleger os funcionários a favor do direito de decidir em novembro", avisou o democrata, ao antecipar a necessidade de eleger mais senadores pró-aborto e uma maioria na Câmara de Deputados em prol da escolha da mulher. 

Interferência

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, afirmou que "é hora de lutar pelas mulheres e pelo nosso país com tudo o que temos". Na mesma linha de Biden, Kamala explicou que, em sua raiz, o (caso) Roe protege o direito fundamental à privacidade. "O que está claro aqui é que oponentes (da lei) querem punir as mulheres e roubar-lhes os direitos de tomarem decisões sobre os próprios corpos", admitiu. Kamala alertou que, "se o direito à privacidade for enfraquecido, todas as pessoas poderão enfrentar um futuro no qual o governo possa potencialmente interferir nas decisões que tomarem sobre a própria vida".

Presidente do Centro de Direitos Reprodutivos dos EUA, Nancy Northup enviou nota à reportagem, em que diz não saber se o documento vazado pelo site Politico reflete a decisão final da Suprema Corte. "Se a Suprema Corte derrubar o caso Roe vs. Wade, será uma retirada injustificável e sem precedentes de um direito garantido, em vigor há quase cinco décadas. Isso representaria o retrocesso mais danoso aos direitos das mulheres", advertiu. 

Em visita a São Paulo, o historiador político James Naylor Green, professor da Universidade Brown (em Rhode Island) e discípulo do falecido brasilianista Thomas Skidmore, disse ao Correio que, caso confirmada, a decisão da Suprema Corte será "um golpe enorme contra os direitos democráticos das mulheres e da sociedade". "Há 49 anos, a mulher pode realizar aborto nos EUA quando quiser. A medida, que deverá ser decretada em até dois meses, removerá esse direito em todo o país. Na Câmara dos Representantes, um projeto de lei aprovado respalda o acesso ao aborto. No Senado, há obstrução, por parte da minoria republicana, à legislação."

De acordo com Green, não se sabe quem vazou o rascunho da opinião da Suprema Corte. "Pode ter sido a direita, interessada em consolidar a votação na máxima instância judicial, ou a esquerda, ávida por mobilizar os americanos para as eleições de novembro. De qualquer forma, foi um fato muito grave. Isso vai virar questão eleitoral e é preciso levar em conta que a maioria da população apoia o direito de a mulher decidir sobre o seu próprio corpo e abortar", admitiu. O estudioso alerta que a provável decisão da Suprema Corte terá impacto no Brasil. "A direita brasileira usará isso para impedir qualquer iniciativa de debater o aborto no Brasil. É um grande retrocesso."

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Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

"Apesar de ser católico, Biden sabe separar sua crença com uma questão de princípios, a defesa do direito da mulher de controle sobre o próprio corpo. Ele entende que isso pode ser algo que mobilize o Partido Democrata, especialmente as mulheres brancas e de classe média, as quais foram decisivas para a derrota de Donald Trump. Biden mobilizará setores que achavam que o direito ao aborto jamais seria derrubado."

James Naylor Green, historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island) 

Precedente nacional

Em 22 de janeiro de 1973, a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu, em sua histórica decisão "Roe vs Wade", que o direito ao respeito à vida privada garantido pela Constituição se aplicava ao aborto. Em uma ação movida três anos antes em um tribunal do Texas, Jane Roe, pseudônimo de Norma McCorvey, uma mãe solteira grávida pela terceira vez, atacou a constitucionalidade da lei do Texas que tornava o aborto um crime.

A mais alta jurisdição do país assumiu a questão meses depois, por um recurso de Jane Roe contra o promotor de Dallas, Henry Wade, mas também por outro de um médico e de um casal sem filhos que queria poder praticar, ou se submeter, a uma interrupção voluntária da gravidez legalmente. Depois de ouvir as partes duas vezes, a Suprema Corte esperou a eleição presidencial de novembro de 1972 e a reeleição do republicano Richard Nixon para emitir sua decisão, por sete votos a dois.

Ao reconhecer a "natureza sensível e emocional do debate sobre o aborto, os pontos de vista rigorosamente opostos, inclusive entre os médicos, e as convicções profundas e absolutas que a questão inspira", a alta Corte acabou derrubando as leis do Texas sobre aborto. A decisão, que marcou jurisprudência em uma maioria dos estados do país onde havia leis similares em vigor, estipula que "o direito ao respeito da vida privada, presente na 14ª Emenda da Constituição (...), é suficientemente amplo para ser aplicado à decisão de uma mulher de interromper, ou não, sua gravidez".

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