Guerra no leste europeu

Diário de menino ucraniano relata sofrimento em meio a cidades destruídas

Diário relata o sofrimento em Mariupol, cidade devastada pelos russos. Zelensky pede ajuda à ONU. No Reino Unido, ativista pinta a casa de amarelo e azul para receber ucraniana

Rodrigo Craveiro
postado em 05/05/2022 06:00 / atualizado em 05/05/2022 10:26
Diário de menino de 8 anos encontrado na cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia  -  (crédito: Evgeny Sosnovsky/Reprodução)
Diário de menino de 8 anos encontrado na cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia - (crédito: Evgeny Sosnovsky/Reprodução)

"Guerra. Dia 3 (abril), domingo. Dormi bem, acordei e sorri. Vovó foi buscar água. A propósito, meu aniversário está chegando. Dia 26. Tenho uma ferida nas costas, minha pele está rasgada. Minha  irmã tem uma lesão na cabeça. Mamãe teve a carne arrancada do braço e um buraco na perna." A tinta azul da caneta traduz para o papel as dores da guerra na visão de uma criança e esbarra em desenhos e emoticons de tristeza. O diário foi fotografafo por Evgeny Sosnovsky, morador de Mariupol, cidade situada no sudeste da Ucrânia devastada pelas forças russas. "Tenho oito anos, minha irmã tem 15 e minha mãe, 38. Está na hora de fazer o curativo. (...) Tenho uma amiga, Vika, ela é alegre e é nossa vizinha. É gente boa", escreveu o menino.  

"Meus dois cães morreram, e minha avó, Galya. Minha cidade amada morreu durante todo esse tempo, desde a quinta-feira, 24 (de fevereiro)", acrescenta. O diário traz desenhos de tanques de guerra, de prédios em chamas, de corpos na rua, mas também de um bolo — alusão ao aniversário do menino — e de pessoas e cães com asas, menção aos mortos. Até o fechamento desta edição, a identidade e o paradeiro do menino e de seus familiares eram desconhecidos.

  • Diário de menino de 8 anos encontrado na cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia Evgeny Sosnovsky/Reprodução
  • Diário de menino de 8 anos encontrado na cidade de Mariupol, no sudeste da Ucrânia Fotos: Evgeny Sosnovsky/Reprodução

Na siderúrgica de Azovstal, foco da resistência imposta pelo comando paramilitar conhecido como Batalhão de Azov, a situação seguia dramática. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, apelou ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, para salvar os feridos em Azovstal. "As pessoas que se encontram no local correm risco de vida. Pedimos que nos ajude a salvá-las", afirmou Zelensky a Guterres por telefone. Ele lembrou ao diplomata português que "as organizações internacionais podem ser eficazes" nesse processo. 

Na terça-feira, uma operação do Escritório Humanitário da ONU (Ocha) e da Cruz Vermelha Internacional retirou 101 civis da siderúrgica. A Rússia anunciou um cessar-fogo unilateral diurno, a partir de hoje, para facilitar o resgate. O Ministério da Defesa declarou que "das 8h às 18h (horário de Moscou) nos dias 5, 6 e 7 de maio um corredor humanitário será aberto no território da usina siderúrgica Azovstal para evacuar civis". "Durante este período, as Forças Armadas russas e as formações da República Popular de Donetsk decretaram um cessar-fogo unilateral de hostilidades", completou. O anúncio coincidiu com "violentos combates" no complexo industrial. 

O brasileiro Saviano Abreu, porta-voz do Ocha, confirmou ao Correio que 344 civis de Mariupol, Manhush, Berdiansk, Tokmak e Vasykivka foram retirados em segurança da região, ontem, e transferidos para Zaporizhzhia. A inteligência ucraniana apurou que a Rússia pretende realizar um desfile militar em Mariupol, na próxima segunda-feira, dia em que Moscou comemora a vitória sobre a Alemanha nazista em 1945.

Lar fora de casa

 Rend Platings e a amiga Kristina Korniiuk, diante da casa da família, em Cambridge
Rend Platings e a amiga Kristina Korniiuk, diante da casa da família, em Cambridge (foto: Mums4Ukraine.com/Divulgação)

Assim que a Rússia invadiu a Ucrânia, em 24 de fevereiro, a ativista britânica Rend Platings ficou profundamente chocada. Ela não pensou duas vezes e viajou de Cambridge, onde mora, até Londres, onde se uniu aos protestos contra a guerra. "Diante da embaixada, gritei a plenos pulmões. Enquanto isso, meu marido estava sentado em casa pensando sobre o que poderia fazer. Ele me enviou uma foto pelo WhatsApp em que aparecia com duas latas de tinta e perguntou-me sobre o que acharia de pintarmos nossa casa", contou ao Correio. No dia seguinte, com a ajuda de um amigo, Michael Platings pintou o imóvel de amarelo e azul, as cores da bandeira da Ucrânia.

Rend e Michael receberam, em casa, a amiga ucraniana Kristina Korniiuk, hospedada com a família desde o último domingo. "Ela ficará aqui pelo tempo que precisar", disse Rend. Por telefone, Kristina relatou ao Correio que viu fotos da casa ainda na Ucrânia, pela internet. "Quando soube que fizeram isso, senti gratidão e fiquei surpresa com o fato de pessoas tão distantes da Ucrânia serem afetadas pela situação em meu país. Valorizo muito essa atitude e esse apoio. Agora é impossível eu me perder aqui. Se isso ocorrer, basta eu perguntar pela casa ucraniana", brincou a professora de espanhol.

Kristina passou as três primeiras noites da guerra abrigada no sótão do prédio onde mora, em Kiev. "Escutava as explosões e tentava tranquilizar minha sobrinha, de cinco anos. Eu disse a ela que nosso país tem seus próprios super heróis, que nos protegem e que tudo ficaria bem. Com o tempo, começamos a nos acostumar com o som dos bombardeios", afirmou. Ante o risco de ficar presa no sótão, caso um míssil atingisse o edifício, ela preferiu se esconder no corredor do apartamento, antes de fugir de Kiev e encontrar um lar de cores azul e amarela no Reino Unido.

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União Europeia articula embargo ao petróleo da Rússia

A União Europeia (UE) deseja aplicar um embargo progressivo sobre o petróleo e derivados comprados da Rússia, em resposta à guerra na Ucrânia, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ao apresentar o sexto pacote de sanções contra Moscou. De acordo com a política alemã, a medida envia uma mensagem aos promotores da guerra: "Nós sabemos quem são e vamos responsabilizá-los". "Vamos renunciar progressivamente ao fornecimento russo de petróleo em um período de seis meses e de produtos derivados do petróleo até o fim do ano", afirmou von der Leyen, em discurso no Parlamento Europeu de Estrasburgo.

Ela reconheceu que a tarefa "não será fácil". "Alguns Estados dependem em grande medida do petróleo russo. Mas temos que trabalhar na questão", disse. A intenção da União Europeia é que a proibição inclua todo o produto "transportado por mar e por oleodutos, bruto e refinado". Fontes diplomáticas em Bruxelas confirmaram à agência France-Presse que a proposta foi distribuída aos países pouco antes da zero hora de ontem.

O pacote precisa ser aprovado por unanimidade pelos Estados-membros para que possa ser implementado. A Ucrânia chamou de "cúmplices" dos crimes cometidos pelas forças russas aqueles países da UE que não aderirem ao embargo. "Se algum país da Europa segue se opondo ao embargo sobre o petróleo russo, haverá boas razões para dizer que  é cúmplice dos crimes perpetrados pela Rússia no território da Ucrânia", afirmou o chanceler ucraniano, Dymitro Kuleba, em vídeo no Twitter, pouco depois de a Hungria ter dito que se opõe a esse embargo "eu sua forma atual".

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, declarou que está "aberto" a impor mais sanções à Rússia. Biden anunciou que discutirá a possibilidade com os aliados do grupo G7 — os países mais industrializados do mundo. "Sempre estamos abertos a sanções extras", disse Biden. "Falarei com os membros do G7 nesta semana sobre o que vamos fazer ou não", afirmou o chefe da Casa Branca.

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