Na véspera da comemoração, em Moscou, da vitória contra a Alemanha nazista, evento aguardado com grande expectativa pela comunidade internacional, um ataque a uma escola na região de Lugansk, no leste da Ucrânia, deixou 63 mortos. "Uma bomba russa matou (mais de) 60 civis na cidade de Bilogorivka", disse o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em participação, por videoconferência, na cúpula do G7 (leia mais nesta página). "Eles estavam tentando se abrigar em um prédio de uma escola que foi alvo de um bombardeio aéreo", acrescentou. Segundo o governador regional, Sergey Gayday, 90 civis estavam refugiados no local. "Vinte e sete se salvaram e os demais morreram sob os escombros", disse, informando que os bombardeios continuavam "pesados".
Voltando a comparar a Segunda Guerra Mundial ao conflito na Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, garantiu que, assim "como em 1945, a vitória será nossa". As autoridades ucranianas alertam há dias para uma possível intensificação dos ataques de Moscou, com a chegada da comemoração do 9 de maio.
Assim como o rival, Zelensky fez referência ao evento de quase 80 anos atrás em um discurso divulgado nas redes sociais. "Décadas após a Segunda Guerra Mundial, a escuridão voltou à Ucrânia", disse o presidente, em um vídeo em preto e branco. "O mal voltou, com um uniforme diferente, com lemas diferentes, mas com o mesmo objetivo", advertiu, tentando transformar a retórica "antinazista" do presidente russo, Vladimir Putin, contra ele.
A 77ª comemoração do Dia da Vitória contará com o avião de comando Il-80, apelidado de "apocaliptico" e de "avião do juízo final". Trata-se de um cento de comando aéreo para oficiais do alto escalão, incluindo o presidente, no caso de uma guerra nuclear. A exibição tem sido interpretada como uma mensagem à comunidade internacional. Não há, no entanto, evidências concretas de que a Rússia se prepara para uso potencial de armas nucleares táticas, segundo a agência norte-americana CIA.
"O inimigo não cessa as operações ofensivas na zona operacional do leste para estabelecer o controle total sobre o território das regiões de Donetsk, Lugansk e Kherson", informou o Estado-Maior ucraniano na manhã de ontem. Por sua vez, o Ministério da Defesa russo reivindicou hoje a destruição do posto de comando de uma brigada na região de Kharkiv e do centro de comunicação do aeródromo militar de Chervonoglinskoy, também no leste.
Entrincheirados
Na devastada Mariupol, combatentes e civis resistem na gigantesca siderúrgica de Azovstal. Com poucas provisões e munições, amputações realizadas em uma clínica improvisada e cadáveres se acumulando, os entrincheirados não pensam, contudo, em se entregar. "Render-se não é uma opção porque a Rússia não está interessada em nossas vidas", disse Ilya Somoilenko, oficial de inteligência do batalhão Azov, durante uma entrevista coletiva transmitida ontem, por vídeo. "Nós, todos os militares da guarnição de Mariupol, testemunhamos os crimes de guerra perpetrados pela Rússia, pelo exército russo", acrescentou.
Na quarta-feira, Moscou anunciou um cessar-fogo unilateral de três dias, a partir da quinta, para permitir a saída dos civis em Azovstal. Mas as autoridades ucranianas denunciaram que os russos continuaram atacando a siderúrgica durante o período. Ainda assim, a vice-primeira-ministra ucraniana, Iryna Vereshchuk, disse que todas as mulheres, crianças e idosos foram retirados da usina. Segundo Kiev, operações mediadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha permitiram que um total de quase 500 pessoas fugissem de Mariupol em sete dias.
Há semanas, as forças russas atacam a siderúrgica por terra, ar e mar, na tentativa de romper suas defesas. A situação dos militares em Azovstal foi detalhada pela médica militar Yevgenia Tytarenko, cujo marido e colegas permanecem presos na usina. "Muitos soldados estão em estado grave. Estão feridos e sem remédios. Comida e água estão acabando", disse, em uma coletiva de imprensa.
Segundo a médica, os comandantes se despediram dos familiares enquanto as forças russas intensificam o cerco. Tytarenko narrou uma operação complexa e caótica dentro de Azovstal, onde soldados lutam em meio a cadáveres. Sem refrigeração, os corpos foram embrulhados em sacos plásticos e se decompõem, relatou.
Apesar do horror dentro da siderúrgica, alguns acham insuportável estar do lado de fora. Entrevistada pela agência de notícias France Presse, a militar Rolana Bondarenko, 54 anos, disse que muitos de seus amigos próximos e combatentes estão entre as centenas de pessoas confinadas em Azovstal. Ela contou que um dos muitos corpos dentro de Azovstal é o de seu filho, que morreu em abril. A mulher mora na Alemanha, onde faz um tratamento de saúde. "Eu gostaria de estar com eles agora", disse, entre soluços. "Se eu morresse lá, estaria com minha família."
Visita
Em mais uma demonstração do apoio norte-americano, a primeira-dama dos Estados Unidos, Jill Biden, fez uma visita surpresa à Ucrânia, onde se reuniu com a sua colega Olena Zelenska numa escola utilizada como abrigo para civis deslocados. "Quis vir no Dia das Mães. Pensei que era importante mostrar ao povo ucraniano que essa guerra tem que acabar e que essa guerra tem sido brutal e que o povo dos Estados Unidos está com o povo da Ucrânia", declarou aos jornalistas.
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Boicote gradativo ao petróleo russo
Na terceira reunião deste ano, que mais uma vez teve a invasão da Ucrânia como tema central, o G7, grupo que agrega os principais países industrializados, comprometeu-se, ontem, a proibir ou eliminar gradualmente as importações de petróleo russo. "Isso será um duro golpe para a principal artéria da economia do (presidente russo, Vladimir) Putin e lhe negará a renda necessária para financiar sua guerra", assinalou um comunicado divulgado pela Casa Branca.
A nota não especificou quais compromissos foram assumidos pelos membros do G7 (França, Alemanha, Canadá, Itália, Japão, Reino Unido e EUA) durante o encontro, por videoconferência. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, participou da cúpula, desde Kiev, onde recebeu o premiê canadense, Justin Trudeau.
A escolha da data da reunião é altamente simbólica, pois os europeus comemoram o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa em 8 de maio. Sem contar que hoje haverá o aguardado desfile militar em Moscou, marcando a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista.
O Ocidente, até agora, mostrou uma coordenação muito próxima em seus anúncios de sanções contra o governo Putin. No entanto, não avança no mesmo ritmo quando se trata de petróleo e gás russos. Os Estados Unidos, que não eram grandes consumidores do petróleo do país, já proibiram sua importação.
Os membros da União Europeia, pressionados a aplicar essa medida, são muito mais dependentes da Rússia. Neste sentido, o bloco prosseguia, ontem, as intensas negociações para estabelecer um embargo ao petróleo russo.
Enquanto isso, Washington anunciou novas sanções contra Moscou, que afetam a mídia e o acesso de empresas e grandes fortunas russas a serviços de consultoria e contabilidade, tanto americanos quanto britânicos, que são os grandes especialistas mundiais.
Os Estados Unidos estabeleceram ainda novas proibições à exportação de produtos dos EUA para a Rússia, de todos os bens de capital, desde escavadeiras até sistemas de ventilação e caldeiras. Finalmente, impôs restrições de visto a 2,6 mil personalidades russas e bielorrussas, bem como sanções contra funcionários dos bancos Sberbank e Gazprombank.
Bono e The Edge no metrô de Kiev
Ao lado do guitarrista The Edge, o cantor Bono, do grupo U2, deu um show, ontem, na plataforma de uma estação de metrô de Kiev, durante o qual elogiou a luta da Ucrânia pela liberdade e pediu que a paz chegue em breve. Os músicos apresentaram vários clássicos da banda irlandesa, como Sunday Bloody Sunday e Desire. "O povo da Ucrânia não está apenas lutando por sua própria liberdade, está lutando por todos nós que amamos a liberdade", disse o cantor, que fez referência aos conflitos que devastaram seu país, a Irlanda, e os problemas desencadeados com seu poderoso vizinho britânico. O vocalista convidou um soldado ucraniano a cantar uma versão de Stand by me (foto).