O polêmico Ilyushin Il-80 — o avião de comando que Vladimir Putin poderia usar para lançar um bombardeio nuclear — e os caças supersônicos não rasgaram o céu de Moscou, ao contrário do que se esperava. O presidente russo também não declarou oficialmente guerra à Ucrânia, nem anunciou a intensificação da ofensiva na ex-república soviética vizinha. Antes do aguardado desfile militar em comemoração ao 77º aniversário da vitória sobre a Alemanha nazista, Putin justificou e defendeu a invasão à Ucrânia. Garantiu que Kiev planejava um ataque aos separatistas pró-Kremlin no Donbass (leste do país), tinha a intenção de construir a bomba atômica e contava com o apoio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Em discurso na Praça Vermelha, diante de autoridades, oficiais e soldados, Putin culpou o Ocidente pela guerra e buscou demonstrar otimismo em relação ao desempenho das tropas no front. A exibição do poderio aéreo foi cancelada pelas autoridades, por causa do "mau tempo".
"Parabéns pela grande vitória. A defesa de nossa Pátria, quando seu destino esteve em jogo, tem sido sagrado. Esses sentimentos de patriotismo foram importantes. (...) Agora, durante esses dias, vocês estão lutando pelo nosso povo em Donbass e pela segurança de nosso país. (...) O Dia da Vitória é intimamente apreciado por todos nós. Não há família na Rússia que não tenha sido queimada pela Grande Guerra Patriótica", declarou o presidente. "Outra operação punitiva no Donbass, uma invasão de nossas terras históricas, incluindo a Crimeia, estava abertamente em andamento. Kiev declarou que poderia obter armas nucleares. O bloco da Otan lançou um acúmulo militar ativo sobre territórios adjacentes a nós. Uma ameaça absolutamente inaceitável para nós estava sendo constantemente criada em nossas fronteiras", acrescentou.
Ainda segundo Putin, o ataque russo à Ucrânia foi "preventivo". "Foi uma decisão forçada, oportuna e a única correta. Uma decisão tomada por um país soberano, forte e independente", sublinhou. Ao se dirigir às Forças Armadas da Rússia, o presidente voltou a apelar ao patriotismo. "Vocês estão lutando pela nossa Pátria, pelo seu futuro. Que ninguém se esqueça das lições da Segunda Guerra Mundial. Não há lugar no mundo para torturadores, esquadrões da morte e nazistas", advertiu, enquanto as tropas russas lançavam mísseis contra cidades no leste da Ucrânia.
Também ontem, os Estados Unidos revelaram ter indícios de que os russos estão expulsando os ucranianos de seu país à força e os enviando à Rússia. O governo do presidente Volodymyr Zelensky denunciou que 1,2 milhão de pessoas foram deportadas para "campos" instalados em território russo. "Não posso dizer quantos campos há nem como são", disse John Kirby, porta-voz do Pentágono. "Mas temos indícios de que os ucranianos estão sendo levados à Rússia contra sua vontade."
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"Pleno apoio"
Em Berlim, o chanceler alemão, Olaf Scholz, recebeu o presidente francês, Emmanuel Macron. Ambos caminharam até o Portão de Brandemburgo, símbolo da Guerra Fria, iluminado com as cores da Ucrânia. "Pleno apoio à Ucrânia", declarou Macron, em um ambiente de forte simbolismo. Situado no centro da capital da Alemanha, o Portão de Brandemburgo fazia parte, até 1989, do muro que separou por décadas os setores comunista e ocidental da cidade, convertendo-se em símbolo da Cortina de Ferro.
Especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, Anton Suslov explicou ao Correio que a narrativa da "Grande Guerra Patriótica" é um dos pilares da identidade neo-imperial da Rússia moderna. "O principal lema da Rússia é 'Podemos repetir'. Não me surpreende que Putin tenha usado o desfile militar como tribuna para disseminar propaganda. O discurso repetiu narrativas russas típicas sobre o 'perigo da Otan' e a 'defesa da Pátria'. Ele nada acrescentou a esses clichês de propaganda", observou.
Para Suslov, a comunidade internacional e a Rússia superestimaram as capacidades militares de Moscou antes da invasão à Ucrânia. "A corrupção corroeu o Exército russo, enquanto oficiais tentavam persuadir Putin da grandeza militar de Moscou. Ao mesmo tempo, os soldados russos estão fortemente desmotivados, não entendem pelo que lutam. Percebem que são invasores, não defensores. Isso ficou comprovado nas ligações telefônicas para familiares, que foram interceptadas", disse.
Por outro lado, ele vê as forças ucranianas bastante motivadas, além de terem ganho experiência durante as batalhas no Donbass, desde 2014. "Por último, e não menos importante, o Exército ucraniano foi reformado em 2014 para atender aos requisiros da Otan, enquanto o russo mantém tradições e táticas soviéticas", concluiu Suslov.
Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, acusou os russos de se comportarem como os nazistas alemães, ao atacarem uma nação democrática. "Ao afirmar que os seus soldados 'lutam pela mesma coisa que seus pais e avós', Putin demonstra cinismo", atacou. Ele aposta que Putin tentará obter ganhos militares no leste e no sul da Ucrânia. "Esta batalha está sendo muito dura e sangrenta", admitiu.
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