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Clima de tensão a seis dias das eleições

Muito polarizada, campanha presidencial é marcada por temor quanto a assassinato de candidatos, tentativa de golpe e fraude na contagem de votos. Pesquisas indicam que pleito será decidido em dois turnos

Correio Braziliense
postado em 23/05/2022 00:01
 (crédito:  AFP)
(crédito: AFP)

Marcada por ameaças de morte a candidatos, dúvidas sobre a confiabilidade do sistema eleitoral e suspeita de golpe, a eleição presidencial na Colômbia deve seguir tensa nesta semana decisiva — o primeiro turno está marcado para o próximo domingo. O último fim de semana de campanha em praça pública sinalizou que os ânimos seguirão acirrados até o dia do pleito, cada vez mais polarizado.

O senador opositor Gustavo Petro, ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Bogotá, se mantém na liderança das pesquisas (41%), embora sem apoio suficiente para evitar o segundo turno, previsto para 19 de junho. Se Petro vencer, será a primeira vez que a esquerda chegará ao poder em um país historicamente governado por elites conservadoras e liberais. O candidato de 62 anos, tem como vice a ambientalista Francia Márquez, uma ativista negra de 39 anos conhecida pelo forte discurso de combate às desigualdades sociais e ao racismo.

Na noite de sábado, um laser verde foi apontado para Francia Márquez enquanto ela discursava em Bogotá, o que forçou o cancelamento do comício. O Ministério Público investiga o incidente. Ao longo da campanha, Petro precisou reforçar seu esquema de segurança. Passou a falar em público com colete à prova de balas e protegido por um cerco de escudos blindados. No comício de encerramento, também na capital colombiana, não foi diferente, e Petro reafirmou a promessa de "mudança" sem revanche "para todos os colombianos" e de frear "o ódio político na sociedade".

Em um eventual segundo turno, as pesquisas preveem um duelo entre Petro e o direitista Federico Gutiérrez, ex-prefeito de Medellín, com cerca de 27% das intenções de voto. O político de 47 anos é seguido de perto por um outsider: o empresário independente Rodolfo Hernández, 77 anos, que, na sexta, recebeu o apoio da pré-candidata franco-colombiana Ingrid Betancourt.

Gutiérrez fez o comício, ontem, em Medellín, seu reduto político e segunda cidade do país. Depois de ter feito um chamado contra "os comunistas" que querem "expropriar" e "acabar com as instituições", o líder da coalizão de direita Equipe pela Colômbia convidou à união em meio à polarização para lutar contra a "insegurança". O candidato também denunciou intimidações ao longo da campanha, reforçando o temor de mais um magnicídio no país. No século 20, cinco candidatos à Presidência foram assassinados — três esquerdistas, um deles ex-guerrilheiro, como Petro, e dois liberais.

Também ganharam força na reta final da campanha as dúvidas quanto à confiabilidade do sistema eleitoral, muito alimentadas por problemas nas legislativas de 13 de março. Na ocasião, a apuração final atribuiu quase 400 mil votos para a esquerda que não tinham sido incluídos na pré-contagem divulgada no dia da votação.

Há especulações de que, antes do pleito do próximo domingo, ocorra a suspensão ou a demissão do chefe do Registro Nacional do Estado Civil — encarregado da organização das eleições — ou até mesmo um adiamento, de última hora, do primeiro turno. Na noite de sábado, em um discurso em Barranquilla, Petro alertou para a tentativa de "golpe ao voto popular". O esquerdista convocou, para hoje, uma reunião de "urgência" com outros candidatos para discutir o tema.

Pelo Twitter, o ministro do Interior, Diego Palacios, desmentiu as suspeitas. "Afirmações sobre adiamento ou suspensão das eleições são absolutamente falsas. Solicitamos a candidatos e equipes que não gerem desinformação", escreveu. O oficial de registro, Alexander Vega, afirmou que pode garantir eleições presidenciais "legítimas e transparentes". Segundo ele, os ataques contra a sua instituição correspondem a "uma narrativa de fraude (...) injusta e falsa".

Em entrevista à agência France-Presse de notícias (AFP), uma fonte diplomática disse que as suspeitas sobre o sistema eleitoral "estão no ar há alguns dias, e que é possível que Petro esteja tentando evitar o golpe as tornando públicas". Na avaliação do especialista, "um adiamento das eleições é praticamente inconcebível em um país tão legalista e apegado à democracia quanto a Colômbia". Porém, ele reconhece que os ânimos estão acirrados. "Há muita tensão", advertiu.

Cessar-fogo

O Exército de Libertação Nacional (ELN), por sua vez, prometeu um cessar-fogo a partir de quarta-feira, dia 25, até 3 de junho, para dar "tranquilidade" ao primeiro turno das eleições. Seguindo sua tradição de não interferir em processos eleitorais, a organização comandada por Antonio García assegurou que a decisão responde ao seu interesse em gerar "um ambiente político melhor, antes de saber quem poderá ser o candidato vencedor".

Ainda segundo o boletim divulgado no site do ELN, a trégua abrange as Forças Militares e de Polícia do Governo. "Reservamo-nos o direito de nos defender, em caso de sermos atacados", alerta o texto. O presidente do país, Iván Duque, interrompeu em 2019 as negociações de paz que mantinha com o ELN, após um ataque com explosivos a uma escola militar em Bogotá. Petro é partidário de "reviver o diálogo com o ELN". Gutiérrez, por outro lado, planeja um combate frontal.

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Recuos

A ex-refém das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) retirou sua pretensão presidencial para se unir à campanha de Rodolfo Hernández. "Tomei a decisão de apoiar o único candidato que pode derrotar o sistema. Vamos nos afastar para apoiar Rodolfo", declarou Betancourt. Seqüestrada por guerrilheiros das Farc entre 2002 e 2008, quando foi resgatada em uma operação militar, a ex-concorrente à presidência tinha apenas 0,8% das intenções de voto. Vinte anos após a sua primeira tentativa de governar o país, frustrada pelo sequestro,ela havia voltado aos palanques em janeiro, como uma alternativa de centro. Em menos de três meses, renunciou à coalizão e decidiu concorrer por conta própria, até que se retirou na sexta-feira.

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