Eleições na Colômbia

Esquerda busca fazer história

Ex-guerrilheiro e senador Gustavo Preto tenta, hoje, superar o direitista Federico Gutiérrez para chegar ao poder e ainda eleger a primeira mulher negra como vice. Empresário admirador de Hitler sobe nas pesquisas e tenta ir ao segundo turno

Rodrigo Craveiro
postado em 29/05/2022 00:01
 (crédito: Juan Barreto/AFP)
(crédito: Juan Barreto/AFP)

A Colômbia tem a chance de iniciar, hoje, uma guinada histórica rumo à esquerda. O senador Gustavo Petro, 62 anos, ex-membro da guerrilha urbana M-19, lidera todas as pesquisas de intenção de voto e trava uma disputa direta com o ex-prefeito de Medellín Federico Gutiérrez,47. No entanto, o direitista Gutiérrez é ameaçado pelo polêmico empresário Rofolfo Hernández, 77, que tem reduzido a distância para o segundo colocado nas sondagens. Ex-prefeito de Bucaramanga, Hernández declarou, em 2016, numa entrevista à emissora colombiana RCN Radio: "Sou seguidor de um grande pensador alemão que se chama Adolf Hitler". No ano passado, ele reconheceu que a referência ao líder nazista foi um "lapso". Pela primeira vez, a esquerda pode chegar à Casa de Nariño — sede do Executivo — e ainda eleger como vice-presidente a primeira mulher negra: a advogada e ativista ambiental Francia Márquez, companheira de chapa de Petro. 

Mais de 39 milhões de cidadãos estão aptos ao voto, o qual é facultativo no país. Caso Petro vença, a Colômbia poderá se unir à esquerda que gravita na maioria das nações da América do Sul. No Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode confirmar o retorno ao poder em 2 de outubro, consolidando o declínio da direita na região. 

Professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidade de Externado, de Bogotá, Magda Catalina Jiménez Jiménez admitiu ao Correio que, pela primeira vez, a esquerda  colombiana tem uma "oportunidade eleitoral tão clara" de vencer as eleições e de ascender ao poder. "A esquerda na Colômbia é bastante heterogênea e repleta de diferenças internas. Há expressões de centro, de movimentos sociais e grupos que não seguem uma ideologia evidente, mas pensamentos diversos. Gustavo Petro tem características mais próximas às de Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de seguir um movimento político mais amplo, e não uma legenda, como o Partido dos Trabalhadores."

De acordo com Jiménez, as mais recentes pesquisas apontam uma disputa acirrada entre o direitista Federico Gutiérrez e o esquerdista Gustavo Petro. "Não teremos números de votos avassaladores no primeiro turno. A eleição deverá ser decidida em segundo turno", prevê. Um provável triunfo de Petro é visto com temor pela população colombiana, ante a pouca experiência do país com governos de alternância direita-esquerda. "Sempre tivemos governos de centro-direita, ao longo de nossa história", lembra. A estudiosa acredita que, caso eleito, Petro contará com maioria mínima no Congresso, o que exigirá dele sentar e debater com outras forças poíticas."

Por sua vez, Alejandro Bohorquez-Keeney, especialista em governo pela mesma universidade de Jiménez, ressalta que Petro seria o primeiro candidato de esquerda e não vinculado aos partidos e às elites políticas tradicionais a chegar à Casa de Nariño, em caso de vitória. "Ele seria muito mais um candidato alternativo. Seu triunfo simbolizaria uma espécie de cansaço da sociedade com a política tradicional", disse à reportagem.

Alejandro acha factível esperar que Petro busque solucionar o tema da corrupção e outras questões que angustiam os colombianos, mas adverte que ele encontrará travas pelo caminho. "Petro verá que não será fácil abandonar a política de linha-dura contra os cartéis e o narcotráfico. É possível vermos um recrudescimento de ações armadas por parte de grupos paramilitares e da extrema-direita colombiana", acrescentou. 

Extrema-direita

Para Jiménez, o empresário e outsider Rofolfo Hernández surge de uma insatisfação da sociedade com a classe política. "Ele provém de Bucaramanga, a quinta maior cidade do país, e se firma em um discurso anticorrupção e uma retórica tão ambígua e populista, com um linguajar simples e básico. Ele pretende se conectar a pessoas que almejam uma formação política muito mais sofisticada", explicou a estudiosa. "Vejo uma certa recuperação de Hernández, mas não acredito que ele chegue a um segundo turno."

Por sua vez, Alejandro analisa Hernández como o líder autoritário que alguns eleitores colombianos apreciam pela promessa de linha-dura e pela alusão a figuras temíveis, como Adolf Hitler. "Ele está sendo bem-sucedido em mostrar uma divisão de votos. Parecia que a direita controlada pelo uribismo (simpatizantes do ex-presidente Álvaro Uribe) apoiaria Federico Gutiérrez. Mas, agora, vemos uma partilha de votos. A presença de Hernández pode beneficiar Petro e consolidar sua vitória no primeiro turno", observou, ao lembrar que o empresário retiraria votos de Gutiérrez. O professor destaca, no entanto, que Petro não tem se mostrado hábil na negociação de alianças com partidos tradicionais. 

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  • Rodolfo Hernández, da Liga de Líderes Anticorrupção: polêmico
    Rodolfo Hernández, da Liga de Líderes Anticorrupção: polêmico Foto: Juan Barreto/AFP
  • Gustavo Petro discursa ao lado da colega de chapa, Francia Márquez, 40 anos: ambientalista disse concorrer
    Gustavo Petro discursa ao lado da colega de chapa, Francia Márquez, 40 anos: ambientalista disse concorrer "em nome das ninguéns e dos ninguéns" Foto: Paola Mafla/AFP

Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"Caso Gustavo Petro ganhe as eleições, teremos uma experiência muito diferente, em termos de temáticas abordadas nos últimos anos, como a economia, a segurança, os direitos humanos, os territórios e a implementação da paz. Petro precisará de uma maior governabilidade e de maior esforço para firmar acordos com os partidos de oposição."

Magda Catalina Jiménez Jiménez, professora da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidade Externado de Colombia (Bogotá)

"Se tomarmos como exemplo da gestão de Gustavo Petro na Prefeitura de Bogotá, ele tentará impulsionar sua agenda de governo e vender a imagem de alguém que deseja realizar as coisas imediatamente. Petro é muito impulsivo e tentará satisfazer os eleitores logo. Como ele não tem paciência, é provável que alguns de seus projetos de governo se estagnem."

Alejandro Bohorquez-Keeney, especialista em governo pela Universidad Externado de Colombia (Bogotá)

 

 

Quadro - Cinco fatos sobre uma nação

 (crédito: ZURIMAR CAMPOS)
crédito: ZURIMAR CAMPOS

Veja algumas das curiosidades sobre a Colômbia, que começa a decidir o seu futuro hoje

Violência 
A Colômbia ainda sofre as consequências de um conflito prolongado, que por seis décadas opôs o Estado contra os rebeldes das Farc, o grupo guerrilheiro que se desmobilizou com o acordo de paz de 2016. O Registro Único de Vítimas, feito pelo Estado, estima que a violência deixou mais de 9 milhões de vítimas, a maioria deslocadas, e desse número pelo menos 1 milhão por homicídios, ameaças, crimes sexuais, sequestros e minas antipessoais. Um conflito intensificado pelos cartéis de drogas e paramilitares de extrema-direita, que, junto com outros guerrilheiros, continuam armados. O acordo de paz garantiu penas alternativas de prisão para os combatentes das Farc que confessarem sua culpa.

Iván Duque, o atual presidente de direita e que por lei não pode aspirar à reeleição, chegou ao poder em 2018 com a promessa de modificar o que foi assinado e com o apoio de um amplo setor que se opôs ao acordo, considerando-o uma porta à impunidade.

 

Produção de cocaína

O país de 50 milhões de habitantes continua sendo o maior produtor mundial de cocaína. Em 2020, a Colômbia tinha 143 mil hectares de plantações de folha de coca, segundo a ONU. Desde então, Duque lançou um plano de combate às drogas que visava reduzir pela metade as plantações ilegais até o próximo ano, uma meta apoiada pelos EUA que o governo não conseguiu cumprir.

 

Primeira vice-presidenta negra? 

Embora apenas 9,3% da população colombiana se identifique como negra, as comunidades negras têm sido tradicionalmente marginalizadas da política. Márquez, o fenômeno eleitoral das primárias de março, obteve a terceira maior votação (mais de 700 mil votos), atrás de Petro e do direitista Federico Gutiérrez. A ambientalista tem a possibilidade de se tornar a primeira vice-presidente negra da história do país como vice de Petro.

 

Tensões com Venezuela 

A Colômbia compartilha uma fronteira de 2.200 quilômetros com a Venezuela e é o principal destino dos venezuelanos que fogem da crise econômica em seu país. Ambos os países mantêm uma relação tensa desde que Caracas rompeu relações diplomáticas com Bogotá em 2019, depois que Duque reconheceu o líder da oposição Juan Guaidó como presidente. Segundo o presidente de direita, Nicolás Maduro dá refúgio a grupos armados colombianos. O chavismo nega.

 

García Márquez e Shakira

A história de sangue na Colômbia criou personagens sinistros, como o barão da cocaína, Pablo Escobar, morto em 1993. Do lado cultural, destaca-se uma safra de personagens, como o Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez, criador do realismo mágico com sua obra-prima Cem anos de solidão, ou o pintor e escultor Fernando Botero. Além disso, o país começou o século 21 com diversos cantores mundialmente famosos como Shakira, J Balvin, Maluma e Karol G.

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