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Artigo: Shireen: O amor de uma nação

Na sexta-feira (13), uma missa foi celebrada em Jerusalém, antes que Shireen fosse sepultada ao lado dos pais.

 

"Normalmente, os escritórios da Al-Jazeera, na Cisjordânia ocupada, estão bem ocupados. Jornalistas, cinegrafistas, editores, convidados… É uma redação movimentada, mas, na última sexta-feira (13), o silêncio foi ensurdecedor.

Meus colegas foram a Jerusalém para se despedirem de sua amada Shireen Abu Akleh.

Apenas dois dias atrás, mal havia um espaço no escritório. Dezenas e dezenas de jornalistas chegaram aos escritórios da Al-Jazeera ao ouvir a notícia de que ela foi morta. Aqueles que a conheceram, e aqueles que cresceram vendo-a dar as notícias, mostraram-se solidários.

Na sexta-feira (13), uma missa foi celebrada em Jerusalém, antes que Shireen fosse sepultada ao lado dos pais. “Trabalhei aqui por 20 anos. Nunca tinha visto esse escritório tão vazio”, contou-me a produtora Rania Zabaneh, ao entrarmos na redação e estúdios. Tínhamos acabado de retornar de Jenin, na parte norte da Cisjordânia ocupada, onde Shireen foi assassinada.

Trabalhamos com ela, nas últimas semanas, cobrindo as operações militares israelenses à cidade e ao seu campo de refugiados.

É uma história que Shireen cobria por décadas. Ela estava entre os poucos jornalistas que cobriram os ataques mortais israelenses ao campo, em 2002.

Vinte anos depois, encontramos pessoas que nos falaram sobre o momento perigoso em que ela as entrevistou.

Quantos jornalistas você conhece que as pessoas se lembram deles por 20 anos? Voltei aos nossos arquivos e assisti às reportagens de Shireen para referência e orientação.

Ela era uma testemunha honesta. Você sabia que, quando Shireen estava falando, você escutava a voz da verdade. Ela mantinha sua calma durante circunstâncias difíceis e sua integridade profissional em um lugar onde é fácil ser percebido como tendencioso por um lado ou outro.

Ela também procurava um ângulo humano para contar a história por trás das notícias. Ela estava sempre perto das pessoas e elas retribuíam esse amor.

O próprio fato de que ela contava suas histórias a fez uma celebridade. Universidades renomadas na Palestina e no Líbano criaram bolsas com o seu nome. Sabiam que essa geração de jornalistas, especialmente as mulheres, a admirava e queria ser uma Shireen.

Um nome familiar, ela era uma pessoa humilde com um sorriso encantador.
Apesar de ser referência em jornalismo, lecionando em tempo parcial na universidade de Birzeit, ela nunca desistiu de aprender. Leitora ávida, ela voltou para essa mesma universidade como estudante e se formou com diploma em novas mídias.

Entrei em seu escritório e olhei suas anotações, encontrei um papel de suas aulas de hebraico. Ela queria melhorar e ter conhecimento em primeira mão da narrativa israelense.

Esta é alguém que tinha uma vida plena pela frente, mas como qualquer pessoa sob a ocupação israelense sabe, sua vida pode ser interrompida a qualquer minuto, a qualquer dia.

Shireen cobriu tantos funerais, especialmente nos últimos dois meses. Em vez de andar atrás do caixão, seu corpo estava em um desta vez. Milhares saíram para prestar homenagem, alguns parando o cortejo para prestar homenagem. “Obrigado, Shireen”, alguns disseram, enquanto jogavam pétalas de rosa no caixão.
As pessoas em Jenin, Nablus, Ramallah e Jerusalém queriam dar a ela a honra que ela merecia.

Um serviço fúnebre de Estado também foi realizado para ela no Complexo Presidencial em Ramallah, onde o presidente palestino lhe concedeu a medalha “ESTRELA DE JERUSALÉM”.
Não conheço mais ninguém na história recente cujo corpo tenha se deslocado do norte da Cisjordânia até Jerusalém. Foi descrito como ondas de amor.

Shireen foi morta tentando manter viva a história palestina. Não se engane. É uma guerra de narrativa, mas, mesmo morta, ela continua sendo a grande contadora de histórias que é.

Como se o tiroteio não bastasse, as forças israelenses atacaram os enlutados que carregavam seu corpo.
O desrespeito às vidas palestinas só foi superado, ao atacarem uma nação em luto.

Este poderia ser seu relato final para o mundo: "Aqui jaz uma nação sob ocupação militar, onde o direito de viver está ameaçado, e a possibilidade de chorar seus mortos não é garantida".

Há tanta raiva e dor entre meus colegas. Continuaremos olhando suas fotos, lembrando dela e tentando manter seu legado vivo.

Mas os sapatos dela são enormes para serem calçados, seu trabalho é difícil de igualar, sua gentileza fará falta.

Ela é insubstituível. Só espero que façamos justiça a ela."

*Jornalista da rede de teve Al-Jazeera en Ramallah (Cisjordânia) e colega de Shireen Abu Akleh, jornalista palestino-americana assassinada na última quarta-feira durante operação do Exército israelense no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia. Artigo enviado com exclusividade ao Correio