Uma lista alentada de temas frequentará, a partir de segunda-feira, a agenda da IX Cúpula das Américas, em Los Angeles. Já na distribuição dos convites, o governo de Joe Biden indicou claramente um viés: democracia versus autoritarismo — naturalmente, pelo ponto de vista de Washington. Em nome desse mote, Cuba, Venezuela e Nicarágua foram excluídas, com repercussões anunciadas e previsíveis: até ontem, era dada por certa a ausência dos presidentes da Bolívia e, mais importante, do México, segunda maior economia da América Latina, depois do Brasil.
A escolha do parâmetro de regime político, porém, traz embutido um propósito de alcance mais longo. Pela ótica da Casa Branca e do Departamento de Estado, o abraço ao continente, chamado de Hemisfério Ocidental pela diplomacia oficial, representa antes de tudo uma demarcação de terreno. Ainda que envolvidos até o pescoço na guerra da Ucrânia, sem falar em outros focos de conflito pelo mundo, os EUA levantam a guarda contra a "infiltração" de terceiros naquela que considera a sua área de influência natural.
Em particular, Biden olha com atenção redobrada os avanços feitos na região, nos últimos anos, pela China. E destorce o nariz para parceiros algo incômodos, na expectativa de neutralizar a tempo movimentos com potencial acentuado de dano para a posição do Tio Sam.
Nem tanto
É, precisamente, o sentido do aceno feito a Jair Bolsonaro, ao fim de mais de dois anos de "geladeira". Biden evitou ostensivamente o presidente brasileiro em situações como a reunião do G7 em 2001, na Itália. Deixou para o corpo profissional da diplomacia tratar das relações regulares com um aliado estratégico na região, além de destino de investimentos e parceiro econômico, como quem congela, no nível estritamente governamental, a evolução dos contatos.
Na preparação da Cúpula de Los Angeles, outros fatores entraram em pauta. Desde logo, o peso que poderia ter a ausência do presidente brasileiro, somada à do colega mexicano. Como contrapartida a contar com a presença — algo incômoda — de um apoiador explícito de Donald Trump na eleição de de 2020, o veterano político democrata aceitou pagar o preço: confirmou um encontro bilateral com Bolsonaro — "de mais de meia hora", como foi pleiteado pelo lado de cá.
Como se diz na linguagem musical, a política de Biden para o Brasil é manter distância, ma non troppo.
Los hermanos
Uma medida do tratamento dispensado ao país pelos parceiros de "primeira divisão" pode ser tomada pela lista de convidados para a reunião do G7, marcada para o fim do mês, na Alemanha. O anfitrião, o chanceler (chefe de governo) Olaf Scholz, escolheu um único presidente latino-americano. E, para mal das rivalidades na vizinhança, é o presidente da Argentina, Alberto Fernández.
Scholz, como outros governantes europeus, vê Bolsonaro com múltiplas camadas de desconfiança e divergência. Antes de tudo, pela atitude do Planalto em relação ao desmatamento da Amazônia, tema mais do que caro à opinião pública europeia. Também pelas afinidades do Partido Social Democrata (SPD) alemão com Lula e o PT, adversários frontais do presidente brasileiro, em outubro, na disputa pelo segundo mandato.
Economia de guerra
Na Europa, a entrada do segundo semestre significa contingências para o enfrentamento do inverno, no fim do ano. Em 2022, a estação da neve e do Papai Noel se anuncia desde já como desafio para o abastecimento de um item crítico: energia. O gás, em especial, mas também o petróleo, fornece o calor indispensável para os cidadãos. E, até o fim de fevereiro, quando Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia, o fornecimento era garantido pela Rússia.
É esse desafio que explica as discordância e o impasse entre os governos do Velho Mundo para incluir as commodities de energia nos sucessivos pacotes de sanções impostos pela União Europeia a Moscou.
Quem pode...
Na Alemanha, locomotiva da economia europeia e o país do continente que mais conta com o fornecimento de gás russo, o governo de Scholz acusou o golpe e abriu o cofre. Vai oferecer aos cidadãos, até o fim de agosto, transporte público por 9 euros mensais (R$ 46) em ônibus, trens e balsas.
...e quem se sacode
Já a Ucrânia vem de mais do que dobrar a taxa de juros, de 10% para 25% — a primeira (e devastadora) correção desde o início da invasão, que ontem completou 100 dias. O patamar é o mais elevado desde 2015 — coincidência ou não, quando o país estava às voltas com o impacto da anexação pela Rússia da península da Crimeia, no ano anterior.
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