França

Eleição do Legislativo é a nova batalha decisiva de Macron na França

Presidente reeleito pode perder a maioria absoluta na Assembleia Nacional após a renovação do Legislativo, cujo primeiro turno ocorre hoje. Uma coalizão histórica da esquerda é a principal ameaça

Correio Braziliense
postado em 12/06/2022 06:00
 (crédito: Fotos: AFP)
(crédito: Fotos: AFP)

Menos de dois meses depois de derrotar a extrema-direita nas urnas e garantir um novo mandato na Presidência da França, Emmanuel Macron se vê diante de uma nova ameaça a seus planos de governo. Começam hoje as votações para a renovação do Legislativo, e, diante do avanço de uma frente de esquerda, há a expectativa de que o centrista perca a maioria absoluta na Assembleia Nacional, o que poderia comprometer a sua gestão liberal.

São 577 vagas em disputa, e, para conseguir a maioria absoluta, uma coligação precisa conquistar 289 cadeiras. Pesquisas divulgadas na semana passada indicam um empate entre a coalizão Juntos!, de Macron, e a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes) — ambas com 27% das intenções de voto — no primeiro turno da disputa. Não havendo um vitorioso no pleito de hoje — o que é esperado por especialistas —, os franceses voltarão às urnas no próximo domingo, em um cenário em que os estudos indicam uma vantagem para os centristas, mas sem chegar ao controle da Assembleia.

A coalizão da esquerda é encabeçada por Jean-Luc Mélenchon, o terceiro colocado nas eleições de abril. Desde a reeleição de Macron, o político de 70 anos apresenta as legislativas como um "terceiro turno" da disputa presidencial, usando o argumento que os eleitores votaram no centrista para evitar a chegada da extrema-direita ao poder, não por convicção.

O objetivo de Mélenchon é se tornar "primeiro-ministro" francês e forçar uma coabitação que impeça o presidente de aplicar as medidas de seu programa, como o impopular adiamento da idade de aposentadoria de 62 para 65 anos. A estratégia resultou no apoio de ambientalistas, comunistas e socialistas, que formaram uma frente única para as legislativas — a primeira aliança de forças de esquerda em 25 anos.

Como na campanha presidencial contra Marine Le Pen, Macron levantou o espectro do "perigo" para a França e o mundo caso Mélenchon ganhe forças políticas. "A eleição dos deputados é decisiva. O equilíbrio (de forças) definirá o destino da França e o dia a dia de cada um", alertou na quinta-feira, pedindo aos franceses uma "maioria forte e clara" contra os "extremos".

Estratégias

O presidente de 44 anos entrou em campanha já na reta final, quando as pesquisas começaram a apontar uma possível perda de sua maioria absoluta na Assembleia Nacional. Na tentativa de se distanciar da imagem de líder autoritário, Macron anunciou a criação de um Conselho Nacional de Refundação, composto por forças políticas, econômicas e sociais, para tratar, entre outros temas, da reforma previdenciária, cuja entrada em vigor está prevista para 2023.

Mélenchon, por outro lado, se dedicou desde a derrota, em abril, à campanha, fortalecendo a sua imagem como o "voto útil" e as críticas direcionadas a Macron. "Nada foi decidido na presidencial", disse o líder da Nupes, em um comício, na terça-feira, em Sainte-Geneviève-des-Bois, a 80 quilômetros de Paris. No mesmo dia, pautou a violência policial na campanha ao escrever, em sua página do Twitter, "A polícia mata", em referência a uma sucessão de ações policiais polêmicas.

A declaração resultou em uma onda de indignação política, incluindo uma resposta de Macron. "Não posso aceitar que aqueles que arriscam suas vidas para proteger as nossas sejam insultados", respondeu o presidente, durante uma visita, quinta-feira, ao sul da França.

O centrista também tem mirado na imagem explosiva de Mélenchon. Apesar de na última campanha presidencial ele ter passado uma postura mais controlada, o esquerdista é conhecido pelas reações raivosas. Na mais famosa, em 2018, durante uma busca policial na sede de seu partido em Paris, gritou para as forças de segurança: "Eu sou a República!".

 

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Operações polêmicas

O fim da Liga dos Campeões, disputado, em 28 de maio, por Real Madrid e Liverpool se transformou em um verdadeiro caos dentro e nos arredores do Stade de France, com torcedores pressionados, assaltos, uso de gás lacrimogêneo e violência policial. Operações protagonizadas por homens da segurança nos dias seguintes levaram, novamente, as forças às manchetes, como a morte de uma jovem de 21 anos atingida na cabeça em um posto de controle em Paris e o uso de gás lacrimogêneo para dispersar uma multidão que tentava embarcar em ônibus substitutos em uma estação de trem também na capital.

Abstenção pode ajudar centrista

As eleições legislativas francesas acontecem em dois turnos, algumas semanas depois de encerrado o pleito presidencial. Na votação de 2017, o grupo centrista de Macron, República em Marcha, junto com aliados, conquistou 350 dos 577 assentos. Desta vez, os indícios são de que o cenário será diferente. Uma pesquisa Ipsos/SopraSteria divulgada na quinta-feira deu à coalizão de Macron de 260 a 300 postos, seguida pela frente de esquerda, com 175 a 215.

Conquistando de 30 a 60 deputados, de acordo com as pesquisas, o partido Os Republicanos (direita) é visto como um "bloco decisivo" caso Macron precise deles para chegar à maioria absoluta na Assembleia Nacional. A extrema-direita de Marine Le Pen deve alcançar um resultado semelhante.

Os analistas estimam uma abstenção entre 52% e 56%, o que tende a afetar mais a Nova União Popular Ecológica e Social (Nupes), coalizão que faz oposição ao atual grupo de Macron, o Juntos!. "Isso (a abstenção) afeta os eleitores intermitentes, os menos ricos, os menos diplomados, as classes populares, os mais jovens e, portanto, mais o eleitorado do Reagrupamento Nacional (extrema-direita) e da Nupes", disse, em entrevista à agência France-Presse de notícias (AFP), o cientista político Vincent Tiberj, do instituto Sciences Po Burdeaux.

Por outro lado, analistas avaliam que uma abstenção muito alta, talvez, recorde, também é um indicativo de enfraquecimento do presidente centrista. "A despolitização pode favorecer uma maioria presidencial, mas é uma lembrança brutal do fraco apoio que o presidente tem na opinião pública", alertou Brice Teinturier, vice-diretor da Ipsos France.

Para o especialista, "a maioria absoluta não está garantida" ao governo, "mas a maioria presidencial tem uma certa margem". Mesmo vencendo, Macron deve mexer em sua equipe. Ele deixou claro que, caso percam, os ministros que estão concorrendo à eleição legislativa terão que renunciar.

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