Estados Unidos

Trump ignorou alerta de assessores e insistiu na alegação de fraude eleitoral

Ex-procurador-geral William Barr e integrantes do governo tentaram, sem sucesso, demover o presidente republicano de alegar manipulação nas eleições de 2020, revela comissão de investigação sobre a invasão ao Capitólio, no segundo dia de audiências

Rodrigo Craveiro
postado em 14/06/2022 06:00
 (crédito: Win McNamee/AFP - 01/04/2020)
(crédito: Win McNamee/AFP - 01/04/2020)

Altos assessores aconselharam Donald Trump a abandonar as alegações de que o Partido Democrata teria fraudado a eleição de 2020, depois de o magnata republicano perder no Colégio Eleitoral para Joe Biden. No entanto, o então presidente desprezou as recomendações e tentou reverter o resultado da votação. No segundo dia de audiência do comitê da Câmara dos Representantes (Deputados) que investiga a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, os depoimentos do ex-procurador-geral William Barr e de integrantes do governo do republicano apontaram que Trump abraçou a defesa de manipulação nas eleições, apesar da inexistência de provas. 

"Mesmo antes da eleição, Trump decidiu que, independentemente dos fatos e da verdade, se perdesse a eleição, diria que foi fraudada", disse Zoe Lofgren, deputada democrata e membro da comissão. Poucas horas depois de Biden ser declarado o vitorioso nas eleições de 6 de novembro de 2020, Bill Stepien, então chefe da campanha de Trump, participou de uma reunião com o chefe. "Dissemos a ele quais eram suas chances de ganhar naquele momento, que tinha talvez 5 ou 10% de chances." Segundo Stepien, Trump não só ignorou as informações, como trocou a equipe jurídica, que se esforçou para acusar Cuba, Venezuela e os democratas de tramarem um complô eleitoral. Na noite das eleições, Stepien tentou convencer Trump a reconhecer a derrota. Sem sucesso. 

Em 11 de novembro, Barr foi à Casa Branca e se reuniu com Trump. Em depoimento gravado por vídeo à comissão de inquérito, o ex-procurador-geral denunciou que o presidente republicano não estava interessado em se convencer da lisura das eleições.  "Pensei: 'Cara, se ele (Trump) realmente acredita nessas coisas, ele perdeu o contato com a realidade. Ele se descolou da realidade, se realmente acredita nessas coisas'", contou Barr.

A Câmara reproduziu, em um enorme monitor, as minutas do depoimento do ex-procurador-geral, o mais alto funcionário do Executivo a desqualificar a tese de fraude eleitoral e a repudiar a estratégia de Trump em não aceitar a derrota. Barr renunciou ao cargo em 14 de dezembro, em meio às relações estremecidas com o magnata republicano. Ele classificou as teorias de Trump sobre as eleições como "idiotas" e "amadoras", e desqualificou supostas manipulações, por parte dos democratas, em Detroit e na Filadélfia. 

"Não está claro se Trump estava desconectado da realidade ou se tentava desafiar o modo como os norte-americanos compreendiam a realidade", afirmou ao Correio o historiador político Julian E. Zelitzer, professor da Universidade de Princeton. "De qualquer forma, tudo isso aponta para uma campanha sistemática para reverter o resultado das eleições de 2020."

De acordo com Zelitzer, ao oferecer as informações sobre os incidentes de 6 de janeiro de 2021, a comissão que investiga o ataque ao Capitólio tem ajudado a fortalecer os registros históricos. "Se houver repercussão política para o Partido Republicano, com base no que a legenda fez, isso demonstraria a eficácia da comissão. Se houver algum processo de alto nível no Departamento de Justiça, isso também mostraria eficiência", disse o estudioso. 

Depoimentos de assessores de Trump sugerem que o republicano foi alertado várias vezes contra declarar vitória e alegar fraude. "Minha recomendação foi dizer que os votos ainda estavam sendo contados. E que era muito cedo para 'cantar vitória'", revelou Stepien. "Não me lembro das palavras específicas. Ele achou que eu estivesse errado. Vocês sabem, ele iria na direção errada." Em janeiro, dias antes de Biden tomar posse, Trump e colaboradores se apegaram a "estas mentiras" sobre a fraude para arrecadar dinheiro, concluiu a comissão.

"Todo mundo, incluindo o procurador-geral Barr, disse a Trump que ele tinha perdido a eleição, mas o então presidente insistiu na promoção da mentira de que havia vencido. Mesmo Ivanka Trump sabia que o pai tinha perdido", afirmou ao Correio o historiador político James Naylor Green, brasilianista da Universidade Brown (Rhode Island). Ele lembra que, enquanto o vice-presidente Mike Pence tentava mobilizar o Departamento de Segurança Interna, a polícia e a Guarda Nacional para protegerem o Capitólio, Trump nada fez. "A comissão parece ter evidências de conspiração direta entre a Casa Branca e os insurrecionistas. Em outras palavras, não foi simplesmente uma multidão fora de controle. Além disso, congressistas desesperadamente tentaram obter indultos de Trump por terem apoiado a invasão ao Capitólio", concluiu Green.

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Novas revelações

O que foi divulgado, na segunda-feira (13/6), na Câmara dos Representantes 

Despejo de votos

Trump afirmou que houve um "grande despejo de votos" em Detroit, algo negado por William Barr. O ex-procurador-geral garantiu ao republicano que não havia sinais de fraude no estado. 

Fraude na Filadélfia

Barr desqualificou como "lixo absoluto" a denúncia de fraude na Filadélfia. Trump disse, reiteradas vezes, que houve algum tipo de enxurrada inesperada de votos na cidade. O ex-presidente afirmou que "mais pessoas votaram na Filadélfia do que o número de eleitores registrados".

Denúncia precoce

De acordo com Barr, Trump denunciou uma "grande fraude" antes que houvesse "potencial para examinar quaisquer evidências". 

Declaração de derrota

Bill Stepien, ex-gerente de campanha do Partido Republicano, disse que Trump discordou, na noite da eleição, que era cedo demais para admitir a derrota nas eleições de 2020. 

Foco na mentira

Trump foi repetidamente informado pelos próprios assessores, incluindo Barr e Stepien, que o conjunto de alegações de fraude promovidas pelo ex-presidente eram infundadas e que não existia nenhuma evidência clara de que a eleição tenha sido roubada. 

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