ELEIÇÕES NA COLÔMBIA

Empate técnico causa suspense nas eleições presidenciais da Colômbia

Ex-guerrilheiro Gustavo Petro tem a chance de fazer história e de se tornar o primeiro presidente de esquerda do país. Rodolfo Hernández, milionário polêmico e estranho na política, também busca a façanha. Pesquisas apontam empate técnico

Rodrigo Craveiro
postado em 19/06/2022 07:01
 (crédito: Daniel Munoz/AFP)
(crédito: Daniel Munoz/AFP)

Assim que as urnas forem fechadas, às 16h de hoje (18h em Brasília), os olhares dos 49 milhões de colombianos, mas também de toda a América Latina, estarão voltados para o anúncio sobre quem ocupará o Palácio de Nariño pelos próximos quatro anos. De um lado, o senador Gustavo Petro, 62 anos, ex-prefeito de Bogotá e integrante da guerrilha M-19 na década de 1980, tenta levar a esquerda pela primeira vez ao governo. Do outro lado, Rodolfo Hernández — um engenheiro de 77 anos, cuja fortuna chega a US$ 100 milhões, e um outsider na política que apostou no TikTok — também busca a façanha de alcançar o topo do poder.

Tanto Petro quanto Hernández propõem uma guinada radical, uma ruptura com a política tradicional colombiana. Os dois chegam ao segundo turno empatados nas intenções de voto, após uma campanha marcada pela forte polarização e pelos temores de magnicídio.

No primeiro turno, em 29 de maio, Petro venceu com 40% contra 28% dos votos. Hernández foi a grande surpresa, ao desbancar o direitista Federico "Fico" Gutiérrez, após uma ascensão meteórica nas pesquisas. O segundo país mais desigual do continente decide o seu futuro, hoje, entre programas de  governo diametralmente opostos.

Com formação em economia, Petro se define como um "rebelde moderado" e atrai desconfiança entre os setores conservadores, os pecuaristas e uma ala do empresariado e do militarismo. Além de descartar a estatização da propriedade privada, ele propõe interromper a exploração de petróleo, transitar a economia para uma energia mais limpa, ampliar a produção de alimentos e reformar as regras de promoção dentro das forças militares. 

Por sua vez, Hernández ganhou a pecha de excêntrico. Causou polêmica ao se confessar "seguidor de um grande pensador alemão, que se chama Adolf Hitler". Depois, disse ter se enganado e que se referia ao físico Albert Einstein. Para se tornar presidente, aposta em um programa de combate à corrupção e se coloca como antissistema, defensor do capitalismo e da austeridade. Entre suas propostas, estão o fechamento de embaixadas, a deportação de milhões de migrantes venezuelanos e possibilitar que todos os colombianos conheçam o mar. Também defendeu distribuir drogas aos viciados como forma de eliminar o narcotráfico e prometeu expor ao ridículo os parlamentares que não apoiarem suas medidas. 

Polarização

Em entrevista ao Correio, Ernesto Samper — presidente da Colômbia entre 1994 e 1998 e secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), de 2014 a 2017 — admitiu que a polarização tomou conta da campanha. "Nas eleições de hoje não estarão em jogo razões, mas emoções. As pessoas votarão contra o inimigo, e não a favor do amigo. A votação é histórica porque, depois de muitos anos de conflito armado e graças aos Acordos de Paz de Havana, metade da sociedade, que se encontrava mergulhada na estigmatização de sua participação política, confundindo-a com luta armada, sairá para votar. Creio que o fará em massa, a fim de escolher o primeiro governo de esquerda da Colômbia", declarou. 

Samper advertiu que, caso o establishment político tradicional trate de impedir, por meio de fraude, do magnicídio ou de manobras sujas, a "legítima expressão de mudança", o povo buscará nas ruas o que pensa estarem lhe negando na democracia. O ex-presidente não poupou críticas a Hernández, que chegou a se exilar em Miami, ante supostas ameaças de assassinato. "Sua campanha apostou numa polarização demagógica e em ofertas incumpridas ou simplesmente inócuas a respeito dos grandes problemas da Colômbia", disse.  

Cientista político da Faculdade de Finanças, Governo e Relações Internacionais da Universidade Externado de Colombia (em Bogotá), Alejandro Bohorquez-Keeney explicou que as pesquisas mais recentes estão muito apertadas, o que impede uma projeção mais clara quanto ao vencedor. "Tanto Hernández quanto Petro apresentam posturas de outsiders, são distintos da classe política tradicional. E os eleitores colombianos claramente vão punir o voto tradicional. Eu me inclino a afirmar que Rodolfo Hernández será o ganhador, pois ele atacou o passado e a soberba de Petro. Na verdade, a Colômbia segue como uma sociedade tradicionalista e conservadora. O medo da esquerda prejudica Petro", afirmou à reportagem, por telefone. 

Alejandro não vê o projeto de Hernández como de extrema-direita. "Eu diria que é uma direita radical, no estilo do ex-presidente Álvaro Uribe ou de Jair Bolsonaro. Ele não faz parte de um movimento nacionalista-populista, como vemos na Europa de Marine Le Pen (França) ou de Gert Wilders (Holanda)", observou. O especialista classifica a ideologia de Hernández como um "populismo exacerbado".

Colega de Alejandro na faculdade, Magda Catalina Jiménez Jiménez disse ao Correio que as sondagens mostram uma oscilação muito pequena entre os candidatos. "No primeiro turno, as pesquisas não conseguiram prever a vitória de Hernández. Portanto, é complicado usá-las como indicadores de decisão. O mais importante é que se respeite o resultado das urnas." De acordo com ela, uma diferença relativamente maior entre o eleito e o segundo colocado seria fator positivo, em termos de contribuir com a legitimidade do próximo presidente. 

Magda pontua que tanto Petro quanto Hernández são figuras populistas. "O candidato de direita mostra um país tradicional, agrícola, territorial e mais conservador. Os valores de Petro, por sua vez, são mais urbanos e progressistas no que diz respeito a direitos. As tendências envolvem uma esquerda e uma direita mais amplas. Para mim, o populismo apresentado por Hernández é muito similar ao de Abdalá Buracaram, que governou o Equador entre 1996 e 1997. Trata-se de uma figura antissistema e empresarial, que não tem experiência em governo", acrescentou. 

 


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Duas perguntas para...

 (crédito: Micaela Ayala V./Andes/Wikipedia)
crédito: Micaela Ayala V./Andes/Wikipedia

Ernesto Samper Pizano, presidente da Colômbia (1994-1998) e secretário-geral da Unasul (2014-2017)

 

Com base nas pesquisas eleitorais, quem o senhor acredita que será o novo presidente colombiano?

Se as pesquisas não mentirem, e o governo do presidente Iván  Duque não intervir, alterando as garantias eleitorais, tenho certeza de que o vencedor será Gustavo Petro. 

 

De que modo o senhor vê a figura de Rodolfo Fernández, um candidato que chegou a elogiar Adolf Hitler?

O engenheiro Rodolfo Hernández é um acidente nessas eleições. Mesmo que tenha indicado sua oposição à classe política, o certo é que hoje votarão por ele todos os que não querem que Petro seja presidente. O confronto de hoje será entre o petrismo, que representa uma mudança real para a Colômbia, e o antipetrismo, que encarna o status quo de 20 anos de uribismo na Colômbia. (RC)

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