NORTE DO PAQUISTÃO

No Paquistão, o derretimento das geleiras soa como 'o fim dos tempos'

O Paquistão tem mais de 7.000 geleiras, mais do que qualquer outro país do mundo, com exceção das áreas polares

Agence France-Presse
postado em 07/07/2022 18:22 / atualizado em 07/07/2022 18:33
 (crédito:  Abdul MAJEED/AFP)
(crédito: Abdul MAJEED/AFP)

Em uma cidade no norte do Paquistão, um estrondo repentino quebrou o silêncio da manhã logo após o amanhecer. Da geleira vizinha, uma torrente de água desceu as encostas, cobrindo a área com uma espessa nuvem de poeira.

No dia em que as inundações atingiram a cidade de Hassanabad, no norte do Paquistão, Javed Rahi, um professor de matemática aposentado, tinha que comparecer ao casamento de um sobrinho.

"Esperava que as mulheres e as crianças dançassem (...). Mas em vez disso, os ouvi gritar de medo", conta o homem, de quase 70 anos. "Foi como o fim dos tempos", descreve ele.

A catástrofe ocorreu em maio, em meio a uma onda de calor, e destruiu nove casas. Outras seis foram danificadas. A água também arrastou duas micro-hidrelétricas e a ponte que ligava essa remota cidade ao resto do país.

O Paquistão tem mais de 7.000 geleiras, mais do que qualquer outro país do mundo, com exceção das áreas polares. Mas as mudanças climáticas aceleram seu derretimento, criando milhares de lagos glaciais.

Trinta e três desses lagos, formados na cordilheira do Himalaia, na cordilheira de Karakoram ou no maciço de Hindu Kush, ameaçam desencadear inundações repentinas e devastadoras, segundo as autoridades.

Este ano, houve pelo menos 16 casos de inundações violentas em lagos glaciais (conhecidas em inglês como "Glacier lake outburst flood", Glof) devido ao aumento das temperaturas, disse o governo nesta semana. No ano passado foram apenas cinco ou seis.

Os danos são muitas vezes tão extensos que as comunidades locais têm dificuldade em recuperar destas catástrofes.

 

Falta de informação 


Em Hassanabad, Rahi e outros moradores que perderam suas casas foram transferidos para um acampamento perto da cidade. "Nunca pensamos que iríamos de ricos a pobres", suspira Rahi.

O Paquistão é especialmente vulnerável às mudanças climáticas, apesar de ser responsável por menos de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa, segundo o governo.

O país de 220 milhões de habitantes ocupa o oitavo lugar entre as nações mais ameaçadas por eventos climáticos extremos, segundo um estudo da ONG Germanwatch.

O Paquistão enfrenta ondas de calor cada vez mais frequentes e de pré-temporada. Este ano, as temperaturas ultrapassaram os 50 ºC em algumas zonas. Inundações e secas mataram e deslocaram milhares de pessoas nos últimos anos, danificando infraestruturas e destruindo meios de subsistência.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a falta de informações sobre as mudanças nas regiões glaciais do Paquistão significa que não é possível prever exatamente onde uma catástrofe pode ocorrer.

Embora Hassanabad tivesse um sistema de alerta, com câmeras para monitorar o nível dos lagos glaciais, os moradores estavam confiantes de que viviam alto o suficiente para estarem seguros, segundo as autoridades locais.

As comunidades que vivem nessas áreas montanhosas dependem da pecuária e da agricultura para sobreviver. Mas as mudanças climáticas ameaçam destruir tudo.

Segundo Siddique Ullah Baig, especialista em gestão de riscos ambientais, cerca de sete milhões de pessoas estão ameaçadas por explosões violentas de lagos glaciais no norte do Paquistão. No entanto, a maioria não está ciente da ameaça.

"As pessoas continuam construindo casas em áreas propensas a inundações. Elas não estão informadas ou preparadas para lidar com um desastre natural", disse à AFP.

 

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