Ásia

Atirador acredita que ex-premiê do Japão fazia parte de suposta "organização"

Assassinato do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, durante comício na cidade de Nara (oeste), comove o país e o planeta. Autor do atentado usou arma artesanal para matar e foi preso no local pelos seguranças. Especialistas avaliam legado do ex-chefe de governo

Rodrigo Craveiro
postado em 09/07/2022 06:00 / atualizado em 09/07/2022 09:11
 (crédito: Asahi Shimbun/AFP)
(crédito: Asahi Shimbun/AFP)

Em 20 de fevereiro de 2013, Shinzo Abe afirmou: "É minha convicção que os políticos não deveriam entrar no reino da história; em vez disso, devem adotar uma perspectiva orientada ao futuro". Às 11h30 de ontem (23h30 de quinta-feira em Brasília), dois tiros disparados pelas costas calaram para sempre o ex-premiê do Japão, roubaram-lhe o futuro e o lançaram na história como o primeiro ex-governante assassinado desde a década de 1930. O atentado ocorreu no momento em que Abe discursava, durante campanha eleitoral em Nara, 480km a oeste de Tóquio. Aos 67 anos, Abe — ex-líder do Partido Liberal Democrata (LDP) e o mais longevo, e carismático, chefe de governo do país (2006 e 2007 e 2012-2020) — sofreu uma parada cardíaca quando era levado ao hospital, às 12h20. Menos de cinco horas depois, às 17h03, foi declarado morto. O assassinato provocou uma onda de comoção no Japão e no mundo.

De acordo com a polícia, o assassino confesso é Tetsuya Yamagami, 41, um desempregado que vivia em Nara e alimentava rancor "contra uma determinada organização", da qual ele acreditava que Abe fizesse parte. Câmeras flagraram o atentado. Nas imagens, Abe discursa, no meio da rua, observado por pelo menos dois seguranças, posicionados a alguns metros dele.

Após o primeiro tiro, ele permanece impassível. Depois de alguns segundos, se vira, volta a ser alvejado no pescoço e cai no chão. Um dos seguranças coloca uma pasta à frente do ex-premiê. Imediatamente, outros homens derrubam Yamagami e o imobilizam. "O primeiro tiro soou como uma arma de brinquedo. Ele (Abe) não caiu, mas então aconteceu um estrondo alto. O segundo tiro foi mais visível, dava para ver a explosão e a fumaça", contou uma testemunha, sob condição de anonimato, citada pela agência France-Presse. 

Apenas 14 minutos depois da morte de Abe, agentes realizaram buscas no apartamento de Yamagami, onde apreenderam itens semelhantes a pistolas artesanais — o mesmo tipo de arma usada no crime. A mídia japonesa divulgou que Yamagami havia integrado a Força de Autodefesa Marítima Japonesa, a Marinha do país. O Japão terá eleições para o Senado, amanhã, e Abe se esforçava para ajudar os candidatos do LDP. 

Tão logo soube do atentado, o atual primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, suspendeu a campanha eleitoral e retornou a Tóquio de helicóptero. Emocionado, o líder disse que rezou para que Abe pudesse ser salvo. "Acabo de tomar conhecimento da notícia de sua morte. Não tenho palavras. (...) Que sua alma descanse em paz", declarou. 

Professor de economia política internacional da Universidade de Tóquio, Kazuto Suzuki afirmou ao Correio que Abe deixa um extenso legado para os japoneses. "A mais importante façanha dele foi o 'Abenomics', uma estratégia de governo que revitalizou a economia japonesa em dificuldades. Embora não tenha atingido a meta de inflação, ele criou mais oportunidades de emprego, ao estimular o mercado financeiro e ao encorajar a inovação industrial, por meio do aporte financeiro de agências do governo", explicou. Em relação aos assuntos internacionais, Abe conseguiu resgatar a Parceria Transpacífica (TPP), após Donald Trump deixar o poder. "À sombra da globalização, ele preservou o princípio do livre comércio. No campo da segurança, aprovou controversas 'legislações de paz e de segurança',  as quais permitem a aplicação parcial da defesa coletiva."

Segundo Suzuki, o "Abenomics" constituiu-se de "três setas": um afrouxamento quantitativo sem precedentes, mobilização massiva dos gastos públicos e desregulamentação. "As primeiras duas foram bem-sucedidas para educar a economia e revitalizar o mercado, mas não se associaram ao aumento dos salários. Abe pediu que a comunidade empresarial aumentasse os salários para estimularem o consumo. Ele enfrentou a resistência teimosa dos burocratas para a adoção da reforma regulatória. Então, o 'Abenomics' foi um 'meio sucesso'", disse. 

Por sua vez, Robert Ward — diretor do Departamento Japão do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (em Washington) — destaca o modo como Abe alçou o país como um ator internacional. "O Japão, agora, é indispensável para balancear a influência da China no Indo-Pacífico, tanto em termos de reformas de segurança em evolução quanto de sua política econômica. Abe também realizou mudanças institucionais, ao criar o Conselho de Segurança Nacional e ao reforçar o poder do gabinete do premiê, a fim de que o Japão pudesse lidar melhor com as crescentes ameaças externas", admitiu à reportagem. 

Repercussão

O presidente Jair Bolsonaro decretou luto oficial de três dias e afirmou receber com "extrema indignação e pesar" a notícia da morte de Abe, "líder brilhante" e "grande amigo do Brasil". Ele denunciou a "crueldade injustificável" e defendeu rigorosa punição para o assassino. "Estamos com o Japão", escreveu no Twitter. Em nota enviada ao Correio, a Embaixada do Japão em Brasília lembrou que Abe visitou o Brasil por duas vezes, em 2014 e em 2016, e "contribuiu de forma significativa para o desenvolvimento das relações" entre os dois países. Por sua vez, o Escritório Econômico Cultural de Taipei (Taiwan) em Brasília lamentou o atentado e se solidarizou com o povo japonês. "O senhor Abe sempre foi um amigo de Taiwan e grande símbolo da luta  pela democracia e pela liberdade na Ásia", afirma a nota.  

Joe Biden, presidente dos EUA, classificou o assassinato de Abe de "tragédia para o Japão e para todos os que o conheceram" e se disse "estupefato e chocado". "A violência com armas de fogo sempre marca profundamente as populações que são suas vítimas", disse. O democrata determinou que, até o pôr-do-sol de amanhã, a bandeira dos EUA na Casa Branca e em todos os prédios públicos tremule a meio-mastro. O primeiro-ministro britânico demissionário, Boris Johnson, afirmou estar "incrivelmente triste por Shinzo Abe". "Muitos se lembrarão da liderança mundial que ele demonstrou em tempos difíceis." Emmanuel Macron, presidente da França, assegurou que "o Japão perde um grande premiê, que dedicou sua vida ao seu país e trabalhou para trazer equilíbrio ao mundo". 

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Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"A morte de Shinzo Abe terá certo impacto na política do Japão. Ele era o líder da maior facção do Partido Liberal Democrata (LDP) e adversário do premiê Fumio Kishida. Também foi o rosto dos falcões da política japonesa, além da melhor chance para aqueles que pretendiam mudar a Constituição. O grupo de falcões do LDP precisará encontrar seu sucessor, mas não há um candidato claro."

Kazuto Suzuki, professor de economia política internacional da Universidade de Tóquio

 

Ex-presidente de Angola morre na Espanha

 (crédito: Stephane de Sakutin/AFP)
crédito: Stephane de Sakutin/AFP

O ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos faleceu, ontem, aos 79 anos, em um  hospital de Barcelona (Espanha), onde estava internado desde 23 de junho após uma parada cardíaca. "O governo angolano informa, com grande pesar e consternação, o falecimento de Santos", afirma um comunicado divulgado no Facebook. O Executivo angolano "se curva, com o maior respeito e consideração", diante desta figura "histórica" que "presidiu com clareza e humanismo o destino da nação angolana durante anos muito difíceis." O atual presidente, João Lourenço, decretou cinco dias de luto em sua memória. No início do mês, a família de Dos Santos havia informado que o ex-chefe de Estado sofreu uma "parada cardíaca" em 23 de junho e estava hospitalizado na UTI desde então.

 

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