Guerra no Leste Europeu

Putin facilita cidadania russa aos ucranianos

Decreto assinado pelo presidente da Rússia acelera concessão de nacionalidade aos moradores da ex-república soviética invadida em 24 de fevereiro pelas forças de Moscou. Kiev denuncia medida e teme nova ofensiva no leste

Rodrigo Craveiro
postado em 12/07/2022 06:00
 (crédito: Miguel Medina/AFP)
(crédito: Miguel Medina/AFP)

Um decreto publicado, ontem, pelo presidente russo, Vladimir Putin, foi rejeitado pelo governo de Volodymyr Zelensky e visto por especialistas baseados em Kiev como uma tentativa de Moscou de ampliar o controle indireto sobre a ex-república soviética. "Declaro que os cidadãos da Ucrânia, da República Popular de Donetsk (DPR) ou da República Popular de Luhansk (LPR), e pessoas sem cidadania permanente vivendo na DPR, na LPR ou na Ucrânia (...) têm o direito de apelar pela admissão à cidadania da Federação Russa por meio de procedimento simplificado", afirma o documento. O Ministério das Relações Exteriores ucraniano denunciou "mais uma invasão à soberania e à integridade territorial da Ucrânia, incompatível com as normas e os princípios do direito internacional". Também ontem, o Estado-Maior ucraniano informou ter indícios de que as "unidades inimigas" planejam intensificar as operações  de combate em direção a Kramatorsk e Bakhmut". As duas cidades, situadas no leste, ainda estão sob poder de Kiev. 

Prefeito de Kramatorsk — onde um míssil russo matou 50 civis e feriu 98, na estação ferroviária, em 8 de abril —, Oleksandr Honcharenko considera impensável um cidadão ucraniano se naturalizar russo. "Eles (russos) são assassinos. O que podem os nossos cidadãos esperarem deles? Ser um assassino, como eles o são? Os ucranianos não são assassinos, e jamais o serão!", desabafou ao Correio, por meio do WhatsApp. Sobre a ameaça de ocupação russa contra Kramatorsk, ele confirmou a notícia. "Nós fazemos o nosso trabalho e fazemos o que temos de fazer", disse, ao ser questionado sobre como a cidade se prepara para enfrentar o ataque. 

"Antes de qualquer coisa, isso é uma provocação em larga escala de Moscou. Esse decreto está alinhado às medidas tomadas por Putin antes mesmo da guerra. Ele não considera o direito da Ucrânia de usufruir da soberania, enquanto nação", explicou à reportagem Peter Zalmayev, diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev). "Putin considera a Ucrânia e os ucranianos como parte do mundo russo ou Russkiy mir, como ele chama", acrescentou. O estudioso não acredita que o decreto surtirá em implicações práticas, além da natureza provocativa, apesar de reconhecer que, na cidade de Kherson (sul), 25 ucranianos pediram o passaporte russo. "É uma provocação, um show, sem muito efeito prático."

Ex-assessor do presidente do Parlamento, o cientista político Mykola Volkivskyi lembrou que um decreto similar tinha sido firmado por Putin, em 25 de maio, o qual simplificava a cidadania russa apenas para as regiões de Kherson (sul) e Zaporizhzhia (sudeste). "Isso é a continuação do plano do Kremlin para tomar terras ucranianas e destruir o nosso Estado", desabafou ao Correio. Ele destaca que o passaporte russo a cidadãos da Ucrânia não terá consequências legais no país. "Estou certo de que podemos esperar forte reação de nossos parceiros ocidentais. Também vejo como urgentes o fornecimento de armas mais pesadas e a introdução de novas sanções econômicas contra a Rússia."

Bombardeios

Ontem, Moscou manteve os bombardeios a Kharkiv — a segunda maior cidade do país, situada no nordeste. Segundo Oleg Synyeguov, governador regional da cidade, os mísseis atingiram "edifícios civis — um centro comercial e condomínios residenciais". As autoridades locais informaram 31 feridos, incluindo duas crianças, de 4 e de 16 anos. Seis civis, entre eles um jovem de 17 e seu pai, foram mortos. Na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, o balanço de mortos em um prédio de Chasiv Yar subiu para 31. Bombeiros corriam contra o tempo para encontrar sobreviventes. Pela manhã, eles contaram ter escutado vozes sob os escombros. 

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Vozes da Ucrânia

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Oleksandr Honcharenko, prefeito de Kramatorsk (leste), onde míssil russo matou 50 em estação ferroviária, em 8 de abril

"Desde o início do ataque das forças da Rússia contra a Ucrânia, milhões de cidadãos russos deixaram seu país, muitos deles mudaram sua cidadania, inclusive para a ucraniana. Acho que esse é um exemplo vívido da atitude do povo em relação à cidadadania russa. Acho que não é factível um ucraniano adquirir cidadania russa exatamente depois do que os ocupantes fizeram a nós."  

Glib Mazepa, 35 anos, pós-doutorando em biologia evolucionária, morador de Kharkiv (leste)

"Putin se prepara para uma anexação da Ucrânia. Eu tenho orgulho de ser ucraniano e não me importo com esse decreto de Putin. Ele já perdeu a guerra. Esses planos de facilitar a concessão de cidadania russa aos ucranianos existiam antes mesmo de ele lançar a invasão. Os russos não avançarão mais do que fizeram até agora. Duvido que eles consigam anunciar uma eventual anexação." 

Yevhen Kizilov, 46 anos, jornalista, morador de Bucha (a 15km de Kiev), cujo pai foi executado durante o massacre que deixou cerca de mil mortos, em março

"Putin tem a certeza de que muitos ucranianos estariam ansiosos para se tornarem russos. Mas ele está errado. Não, não estamos ansiosos. Acho que os ucranianos não seriam estúpidos a ponto de obterem passaportes russos. Quem quer ser cidadão de uma país sob sanções tão estritas?"

  • Glib Mazepa, 35 anos, pós-doutorando em biologia evolucionária, morador de Kharkiv (leste)
    Glib Mazepa, 35 anos, pós-doutorando em biologia evolucionária, morador de Kharkiv (leste) Foto: Arquivo pessoal
  • Yevhen Kizilov:
    Yevhen Kizilov: "Minha mãe foi morta pela tristeza e pela dor" Foto: Arquivo pessoal
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