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Sri Lanka: entenda crise que levou à fuga de presidente, invasão de palácio e protestos em massa

Gotabaya Rajapaksa fugiu do Sri Lanka

BBC
BBC Geral
postado em 13/07/2022 10:04
 (crédito: Getty Images)
(crédito: Getty Images)


O presidente do Sri Lanka, Gotabaya Rajapaksa, fugiu do país em um jato militar, em meio a protestos intensos diante da crise econômica enfrentada na região.

O homem, de 73 anos, viajou em direção à capital das Maldivas, Malé, segundo fontes da BBC. A fuga de Rajapaksa encerra uma dinastia familiar que governa o Sri Lanka há décadas.

Ele estava escondido desde que uma multidão invadiu a sua residência, no sábado (9/7).

Conforme as notícias sobre a fuga do presidente espalhavam nesta terça-feira (12/7), as celebrações entre os manifestantes ficavam cada vez mais barulhentas.

Manifestantes do lado de fora da residência presidencial em Colombo, Sri Lanka.
Reuters

O pequeno país insular do Sri Lanka, ao sul da Índia, ganhou as manchetes de todo o mundo nos últimos dias, depois que um grupo de manifestantes invadiu a residência presidencial e incendiou a casa do primeiro-ministro para exigir uma mudança de governo.

Imagens transmitidas no mundo inteiro mostraram alguns dos manifestantes nadando na piscina presidencial.

Embora nenhum dos dois políticos tenha sido ameaçado pelo ato, já que não estavam em suas residências no momento das invasões, a situação terminou com o presidente Gotabaya Rajapaksa dizendo que iria renunciar.

"Rajapaksa informou oficialmente ao primeiro-ministro Ranil Wickremesinghe que renunciará conforme anunciado anteriormente", disse um comunicado do gabinete do primeiro-ministro divulgado na segunda-feira (11/7).

Rajapaksa enfrentava pressão para renunciar há meses, enquanto o país enfrenta sua pior crise econômica já registrada. No fim de semana passado, ele havia sinalizado sua intenção de renunciar em 13 de julho, mas não se dirigiu ao público nem enviou uma carta de renúncia.

Ele fugiu antes de renunciar. Acredita-se que o líder, que enquanto presidente possui imunidade de acusação, quis fugir para o exterior antes de deixar o cargo para evitar uma possível prisão pelo novo governo.

Piscina do palácio residencial em Colombo, tomada por manifestantes.
Getty Images
Piscina do palácio residencial em Colombo foi tomada por manifestantes

Mas por que esse país do Oceano Índico, habitado principalmente por três grupos étnicos diferentes, chegou a tal ponto de instabilidade? Entenda:

O que aconteceu?

Manifestantes do lado de fora da residência do primeiro-ministro em chamas
Getty Images
Manifestantes do lado de fora da residência do primeiro-ministro em chamas

Milhares de manifestantes de diferentes partes do país se reuniram na capital Colombo no sábado.

O presidente Rajapaksa deixou sua residência oficial na sexta-feira por precaução, enquanto os protestos eram anunciados na cidade, disseram fontes do Ministério da Defesa à agência de notícias Reuters.

Os manifestantes começaram seu avanço em direção à residência presidencial na manhã de sábado, atravessando postos de controle. Então centenas de manifestantes entraram na residência, gritando e balançando a bandeira nacional.

Manifestações acontecem há meses na capital do Sri Lanka
EPA
Manifestações acontecem há meses na capital do Sri Lanka

Algo semelhante aconteceu na residência do primeiro-ministro que, poucas horas depois, anunciou sua demissão para dar origem a um governo de coalizão e garantir a segurança dos cidadãos.

Logo após o anúncio, no entanto, começaram a circular vídeos da residência do ministro em chamas. Acredita-se que o fogo tenha sido causado por manifestantes.

Outros vídeos postados nas redes sociais mostraram pessoas circulando pela residência presidencial e algumas nadando na piscina. Outros esvaziavam gavetas.

Por que eles estão protestando?

Os protestos que foram vistos em todo o mundo neste fim de semana na capital, Colombo, tomam as ruas há meses.

Manifestantes do lado de fora da residência presidencial em Colombo, Sri Lanka.
Reuters

O Sri Lanka está atualmente em uma grave crise financeira e não tem acesso a moedas estrangeiras como o dólar ou o euro para pagar suas importações — o que inclui alimentos, remédios e combustível.

Há menos de uma semana, o governo cingalês anunciou que não tinha reservas de moeda estrangeira em quantidade suficiente para importar combustível e que as reservas de gasolina e diesel durariam poucos dias se os níveis normais de consumo fossem mantidos.

Assim, na tentativa de conter a crise, as autoridades implementaram a proibição da venda de gasolina e diesel a consumidores privados, tornando-se o primeiro país a implementar essa medida desde a década de 1970.

Isso levou escolas do Sri Lanka a fecharem, e as autoridades pediram aos 22 milhões de pessoas do país que trabalhassem de casa.

Por que há uma crise na economia?

As reservas cambiais do Sri Lanka estão praticamente vazias e o país enfrenta as consequências de uma inflação crescente — alguns alimentos, medicamentos e combustível estão em falta.

Em maio, pela primeira vez em sua história, o país deixou de pagar sua cota da dívida externa.

Uma pessoa assiste a um discurso do presidente do Sri Lanka, Gotabaya Rajapaksa
EPA
Presidente do Sri Lanka, Gotabaya Rajapaksa, disse que iria renunciar, mas fugiu antes disso

O governo atribui a crise à pandemia de coronavírus, que atingiu o setor de turismo, uma de suas principais fontes de receita.

Além disso, disse que os turistas têm medo de viajar para o país após uma série de ataques a bomba a igrejas que ocorreram em 2019.

No entanto, alguns especialistas argumentam que o verdadeiro problema é a má gestão fiscal.

Perto do fim de sua guerra civil em 2009, o Sri Lanka procurou se concentrar no fornecimento de mercadorias ao mercado doméstico, em vez de tentar vender seus produtos em mercados estrangeiros.

Assim, enquanto as receitas de exportação permaneceram baixas, a conta de importação continuou a subir e assim o déficit em transações correntes do país se ampliou.

Atualmente, o Sri Lanka importa US$ 3 bilhões a mais por ano em produtos do que exporta. É por isso que, segundo economistas, ficou sem moeda estrangeira.

Além disso, o governo acumulou grandes dívidas com outros países, incluindo a China, para financiar o que seus críticos chamam de "projetos de infraestrutura desnecessários".

Grande parte da raiva popular sobre a crise econômica foi direcionada ao presidente Gotabaya Rajapaksa e seu irmão, Mahinda, que foi primeiro-ministro, mas renunciou em maio.

Manifestantes na residência presidencial
EPA
Manifestantes na residência presidencial

Uma vitória notável para os manifestantes

Por Ethirajan Anbarasan, da BBC News, em Colombo

Uma queda em desgraça para o presidente Gotabaya Rajapaksa - por tanto tempo uma figura tão importante no Sri Lanka.

Poucos esperavam que as coisas acabassem assim.

Como ex-chefe de defesa, ele supervisionou as operações militares na controversa guerra contra os rebeldes Tamil Tiger, que terminou em 2009. Ele é acusado de abusos de direitos humanos durante a guerra e também de atacar os dissidentes, mas sempre negou essas acusações.

A família Rajapaksa dominou a política do Sri Lanka por duas décadas e, com forte apoio da maioria budista cingalesa, ele se tornou presidente em 2019.

A sua saída é uma vitória notável para os manifestantes que vieram às ruas para expressar sua raiva contra a má gestão da economia e o aumento do custo de vida.


Sobre o Sri Lanka:

  • O Sri Lanka se tornou independente do Reino Unido em 1948. Três grupos étnicos (cingaleses, tâmeis e muçulmanos) compõem 99% da população de 22 milhões do país.
  • Uma família de irmãos domina há anos: Mahinda Rajapaksa se tornou um herói entre a maioria cingalesa em 2009, quando seu governo derrotou rebeldes separatistas tâmeis após anos de guerra civil sangrenta. Seu irmão Gotabaya, que era secretário de Defesa na época, é o atual presidente, mas diz que está deixando o cargo.
  • No Sri Lanka, o presidente é o chefe de estado, governo e militar, mas compartilha muitas responsabilidades executivas com o primeiro-ministro, que lidera o partido com maioria no Parlamento.

- O texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62120620


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