Europa

Presidente da Itália rejeita a renúncia do primeiro-ministro Mario Draghi

Chefe de governo anunciou demissão após o Movimento 5 Estrelas (M5E) se negar a apreciar decreto-lei sobre economia. Premiê buscará nova maioria

Rodrigo Craveiro
postado em 15/07/2022 06:00
 (crédito: Andreas Solaro/AFP)
(crédito: Andreas Solaro/AFP)

Imersa em uma grave crise econômica, a Itália agora precisa lidar com a instabilidade política, depois que o presidente, Sergio Mattarella, rejeitou a demissão do premiê, Mario Draghi. "Não aceito a renúncia e convido o primeiro-ministro a se apresentar, novamente, perante o Parlamento", anunciou Mattarella, por meio de um comunicado oficial. Na próxima quarta-feira, Draghi tentará obter a maioria parlamentar para assegurar a sua sobrevivência política. Não se descarta  que o próprio Mattarella o convide a formar um novo governo.

O premiê apresentou ao Conselho de Ministros sua carta de renúncia após o governo entrar em colapso, com a recusa do Movimento 5 Estrelas (M5E) em votar a moção de confiança sobre um decreto-lei considerado crucial para o país. O texto esboça medidas para socorrer famílias e empresas contra a inflação, além de um projeto de construção de um inciderador de lixo para Roma — considerado pelo M5E como poluente, ultrapassado e caro. 

"A maioria para a unidade nacional que apoiou este governo desde sua criação deixou de existir. O pacto de confiança, em que se baseia a ação deste governo, desapareceu", declarou Draghi, ao justificar sua renúncia, antes da reunião com Mattarella, no Palácio Quirinale. "Desde o meu discurso de posse no Parlamento, sempre disse que este Executivo se mantém no poder apenas se tiver o objetivo claro de implementar o programa de governo que as forças políticas aprovaram com o voto de confiança (...) Estas condições não existem mais hoje", acrescentou. 

Franco Pavoncello, professor de ciência política da Universidade John Cabot (em Roma), admitiu ao Correio que o colapso do governo de Draghi representa um "grande golpe" para a Itália. "Nosso país enfrenta uma situação muito grave, em meio à crise internacional, ao aumento exponancial das taxas sobre o gás e o petróleo, e às grandes dificuldades experimentadas por empresários e pelas famílias italianas, em geral", afirmou. "Draghi desempenha um papel muito importante, no âmbito internacional. O colapso do governo causa problemas sérios, em termos da propagação de títulos. A bolsa de valores da Itália perdeu, somente hoje (ontem), cerca de 18 bilhões de euros (ou R$ 97 bilhões)."

Pavoncello explicou que Mattarella não apenas rejeitou a renúncia de Draghi, mas também o enviou de volta ao Parlamento, onde discursará na quarta-feira. "O problema é que, quando o Movimento 5 Estrelas ameaçou se retirar da Câmara e não participar da moção de confiança ao premiê, Matteo Salvini, líder da Liga do Norte, admitiu que o governo não pode continuar. Não apenas o M5E criou a instabilidade, mas também a reação de Salvini", disse. Ele afirmou que, ainda que a renúncia não tenha sido aceita por Mattarella, Draghi pode não demonstrar interesse em manter o governo, pois ficaria submetido às chantagens e aos pedidos dos demais partidos. 

Eleições

Ainda segundo Pavoncello, um dos motivos do fracasso do governo Draghi é a proximidade das eleições, marcadas para março de 2023. "Os partidos estão certamente interessados em obter espaço político. Desde a formação do gabinete de Draghi, o Movimento 5 Estrelas tem perdido, em média, 1% de votos a cada mês. Seria perigoso que o M5E prosseguisse com o premiê demissionário, em termos de resultados eleitorais. A situação social extremamente difícil e os sacrifícios crescentes que o novo plano econômico demandará convenceram o M5E de que seria melhor ficar fora do que dentro do governo", acrescentou.

Cientista político da Università Degli Studi Di Siena, Maurizio Cotta disse à reportagem que a fraqueza do sistema de governo italiano se justifica pela fragmentação do sistema partidário e pela alta volatilidade da base eleitoral. "Ainda não sabemos o que ocorrerá, mas Draghi está realmente farto de sua coalizão e entende que as coisas somente piorarão nos próximos meses. Ele terá que negociar cada item político estúpido. Por isso, se recusa a continuar", comentou. Cotta vê dois cenários para a crise: a dissolução imediata do Parlamento, com a convocação de eleições no fim do ano ou um governo provisório sob a orientação do chefe de Estado para aprovar o orçamento e as eleições em fevereiro. 

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"A única possibilidade para Mario Draghi seria a imposição, por parte dele, de um prazo de três meses para a aprovação de manobras financeiras. Depois disso, ele entregaria a liderança do Parlamento e permitiria a alguém assumir o sistema político até as eleições de março de 2023. Mas, tanto o Movimento 5 Estrelas quanto a Liga do Norte terão que dar extremas garantias de lealdade a Draghi. Com base no que aconteceu hoje (ontem), isso é algo muito difícil. Não sou otimista de que Draghi ficaria entusiasmado em continuar com o governo, mesmo depois da rejeição do presidente Mattarella."

Franco Pavoncello, professor de ciência política da Universidade John Cabot (em Roma)

"A raiz da atual crise política italiana está na aproximação das eleições, em março de 2023, e na necessidade dos partidos de apoiarem uma grande coalizão do governo para reafirmar sua identidade e ganhar eleitores. A necessidade é particularmente forte entre os partidos Movimento 5 Estrelas (M5E) e Liga do Norte, que têm caído nas pesquisas de opinião. Os problemas do M5E são especialmente fortes: eles tiveram as maiores bancadas parlamentares e a maioria deles não foi reeleita."

Maurizio Cotta, cientista político da Università Degli Studi Di Siena

União Europeia pede racionamento energético

 (crédito: Sergei Supinsky/AFP)
crédito: Sergei Supinsky/AFP

O 140º dia de guerra entre a Rússia e a Ucrânia foi marcado, ontem, por um pedido da Comissão Europeia — órgão executivo da União Europeia (UE) — para que os países-membros do bloco reduzam o consumo de gás, em resposta à crise energética. No front, Kiev acusa a Rússia de usar mísseis de cruzeiro disparados a partir do Mar Negro para matar 23 civis em Vinnytsia, na região centro-oeste do território ucraniano. Dezenas de pessoas estavam desaparecidas, após o bombardeio contra prédios residenciais e um centro cultural. 

O jornal espanhol El País teve acesso ao rascunho do plano de racionamento que deverá ser aprovado na próxima quarta-feira pelos países da UE. O documento determina a proibição de manter o ar-condicionado a temperaturas abaixo de 25 graus Celsius em edifícios públicos e comerciais. As indústrias também são incentivadas a utilizarem outras fontes de energia para aumentar as reservas de gás. 

Ex-embaixador dos Estados Unidos na Polônia, Daniel Fried — especialista do instituto Atlantic Council (em Washington) e ex-subsecretário para Europa e Eurásia do Departamento de Estado norte-americano — classificou o racionamento do combustível como "um passo sensato para lidar com o fato de que a Rússia usa o gás natural como arma política." "Moscou cortou o fornecimento para alguns países-membros da UE, entre eles a Polônia e a Bulgária, e reduziu as entregas de gás para a Alemanha. O presidente Vladimir Putin espera pressionar a Europa a deixá-lo conquistar a Ucrânia", afirmou ao Correio. 

Segundo Fried, muitos países foram lentos demais em reconhecer o perigo que Putin representa para os vizinhos e para toda a Europa. "Agora, nós devemos mostrar solidariedade, ajudar a Ucrânia a se defender e mostrar a Putin que as democracias ocidentais não são tão frágeis como ele supõe", disse.

Vinnytsia

Às 11h (5h em Brasília), Vinnytsia foi atingida por oito mísseis, em um ataque descrito pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, como "ato aberto de terrorismo". Funcionário da ONG Nashe Podillya, Yuriy Stepanets, 40 anos, contou ao Correio que mora a 3km do local dos bombardeios e que perdeu um amigo. "Foi a primeira vez que atingiram o centro da cidade. Estamos realmente assustados. Os alvos foram civis." 

De acordo com ele, os mísseis caíram sobre um local muito frequentado pelos moradores para recarregar o celular e sobre uma sala de concertos. "Tivemos duas apresentações ali de artistas que arrecadam dinheiro para refugiados e para o exército. Meu amigo, Victor, morreu porque esperava um dos artistas. Ele estava na porta do centro cultural. As pessoas estavam na rua e, simplesmente, morreram", lamentou. Durante a entrevista com Yuriy, a reportagem pôde escutar o som das sirenes antiaéreas. 

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