guerra no leste europeu

Rússia pretende anexar regiões da Ucrânia

Serguei Lavrov, chanceler russo, afirma que negociações de paz com o governo de Volodymyr Zelensky "não fazem sentido" e sinaliza com ocupação permanente de outras áreas além de Donbass. Kiev pede reforço de sanções e mais armas

Rodrigo Craveiro
postado em 21/07/2022 06:00 / atualizado em 25/07/2022 18:20
 (crédito: Sergey Bobok/AFP)
(crédito: Sergey Bobok/AFP)

Se havia alguma esperança de paz próxima para o conflito na Ucrânia, ela se esvaneceu após as últimas declarações de Serguei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia. "Eles (diálogois de paz) simplesmente não serão capazes de articular nada que mereceria a atenção séria de pessoas sérias", afirmou à agência France-Presse. "Não fazem nenhum sentido na atual situação." Mas foi outra declaração de Lavrov que tem o potencial de preocupar a comunidade internacional. Em discurso televisionado, Lavrov anunciou que Moscou planeja ocupar permanentemente amplas áreas do sul da Ucrânia, em um aceno de novas anexações do território ucraniano por parte da Rússia — em 2014, as forças do presidente Vladimir Putin haviam anexado a Península da Crimeia. 

"Agora, a geografia é diferente. Não se trata apenas de Donetsk e e Luhansk. É Kherson, Zaporizhzhia e um número de outros territórios. Isso é um processo em andamento, consistente e insistente", anunciou Lavrov. John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos, disse acreditar que as primeiras anexações possam ocorrar em setembro, quando a Ucrânia realizará eleições regionais. "A Rússia começa a lançar uma versão do que poderia chamar um 'manual de anexação', muito similar ao que vimos em 2014", advertiu. "O governo russo revisa planos detalhados para supostamente anexar um número de regiões na Ucrânia, incluindo Kherson, Zaporizhzhia, toda a região de Donetsk e Luhansk."

Para Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, as declarações de Lavrov são "uma clara demonstração de que a Rússia é o poder agressor". "Ela quer conquistar partes de um Estado vizinho e deveria ser totalmente denunciada pela comunidade internacional por isso. Lavrov está revisando os planos da guerra", afirmou ao Correio. "Vale lembrar que, no início da guerra, o Kremlin havia anunciado o que chamou de 'operação militar especial' para liberar Donbass (leste) e para derrubar o presidente Volodymyr Zelensky. Isso fracassou. Foi então que decidiram continuar a 'liberar' o Donbass. Agora, Lavrov está expandindo a agressão russa."

Ainda segundo Haran, as autoridades russas estão apontando "governos" nas partes ocupadas de  Kherson e de Zaporizhzhia. "Esses governos são liderados por cidadãos russos vindos da Rússia. Em vez de ocultar seus planos, a Rússia divulga suas intenções", ironizou. "É como Adolf Hitler fez. Primeiro, ele disse que defenderia os direitos dos alemães sobre a Tchecoslováquia; depois, capturou e dividiu aquele país. Então, mirou a Polônia e a França."

Ao Correio, o encarregado de negócios da Embaixada da Ucrânia em Brasília, Anatoly Tkach, lembrou que seu país sempre tratou a ofensiva russa como uma "guerra de expansão". "As confissões do ministro das Relações Exteriores da Federação Russa sobre os sonhos de conquistar mais terras ucranianas provam que a Rússia segue focada na guerra e no terror. A Ucrânia precisa continuar a se defender", declarou.

Pedido

"Os russos querem sangue, não negociações. Peço aos parceiros que endureçam as sanções contra a Rússia e acelerem as entregas de armas à Ucrânia", desabafou Dmytro Kuleba, ministro ucraniano das Relações Exteriores. O pedido foi em resposta à desqualificação do processo de paz, por parte de Lavrov, e ao anúncio do chanceler russo de que a guerra não se concentraria "apenas" no leste. "A confissão do ministro russo das Relações Exteriores de seu sonho de se apoderar de mais terras ucranianas mostra que a Rússia rejeita a diplomacia e se concentra na guerra e no terror."

A Rússia manteve os bombardeios no leste e no sul da Ucrânia. Mísseis caíram sobre o Donbass. Em Kramatorsk, cidade de 157 mil habitantes que está na mira da ocupação russa, uma pessoa morreu. Em Kharkiv, no leste, um garoto de 13 anos morreu depois que um míssil destruiu uma mesquita e estilhaços atingiram o ponto de ônibus em que ele estava. 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

 

"A solidariedade energética da União Europeia pode signficar coisas como permitir que gasodutos tragam gás natural da Espanha por meio da França. Paris bloqueou essa possibilidade, creio que para proteger a indústria nuclear, mas a solidariedade da União Europeia signfica encontrar maneiras de proteger as economias mais vulneráveis, como a da Alemanha."

Daniel Fried, ex-embaixador dos Estados Unidos na Polônia e especialista do think tank Atlantic Council (em Washington)

Racionamento como resposta

 (crédito: John Thys/AFP)
crédito: John Thys/AFP

A União Europeia defendeu, ontem, um racionamento do uso de gás, ao denunciar que a Rússia utiliza o combustível como instrumento para chantagem. Ao anunciar um plano para assegurar o fornecimento de gás durante o inverno no continente, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, admitiu que, pela primeira vez, os 27 países-membros do bloco se veem obrigados a tratar da segurança energética. Sem meias palavras, afirmou: "A Rússia está nos chantageando, a Rússia está usando a energia como arma". De acordo com ela, 12 Estados do bloco foram atingidos por um corte parcial ou total no suprimento de gás russo. "Pedimos aos países-membros que reduzam em 15% o consumo de gás. Quanto mais rápido agirmos, mais economizaremos e mais seguros estaremos", advertiu.

Ex-embaixador dos EUA na Polônia e especialista do Atlantic Council (em Washington), Daniel Fried afirmou ao Correio que os europeus tentam lidar com a realidade de que Moscou utiliza o gás como arma política. "A União Europeia precisa desenvolver uma política e uma prática de solidariedade energética. As consequências do erro de julgamento da Alemanha sobre a política energética recaem sobre todos os países." Fried concorda com a acusação de chantagem feita por Von der Leyen e cita que a UE está paralisada no momento. "As alternativas ao gás natural russo existem, mas são inadequadas. Será preciso reforçar as atuais sanções e encontrar meios de limitar os lucros obtidas pela Rússia com as vendas de petróleo."

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação