Pouco antes das 9h (4h em Brasília), o então primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, foi até o Parlamento e anunciou a decisão de renunciar ao cargo, depois de perder a maioria para governar. Emocionado, o ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE) afirmou que "até os banqueiros usam o coração" e avisou que, dali, partiria diretamente rumo ao Palácio Quirinela para entregar o posto de premiê ao presidente, Sergio Mattarella. Estava concluído mais um capítulo da história de uma nação marcada por crises políticas. Em 76 anos, a Itália experimentou 68 governos.
Mattarella aceitou a demissão e firmou decreto por meio do qual ordenou a dissolução do parlamento e convocou eleições para 25 de setembro. "Nenhuma pausa é possível no momento que atravessamos", justificou o presidente, ao citar os custos de energia e as dificuldades econômicas. "A dissolução do Parlamento é sempre a última escolha a ser feita. (...) A situação política levou a esta situação."
Enquanto o governo Draghi colapsava, depois de 18 meses à frente do país, nos bastidores do poder começavam as costuras políticas para a formação de um novo governo. Giorgia Meloni, líder do ultradireitista Irmãos de Itália, único partido de oposição a Draghi, tuitou: "Nesta nação, há uma vontade desesperada de recuperar a própria esperança, o próprio orgulho e a própria liberdade". Uma das favoritas ao cargo de premiê, Meloni destacou que "a vontade do povo se expressa apenas de uma maneira: votando". "Vamos devolver a esperança e a força à Itália", prometeu.
Em entrevista à emissora italiana Tg2, o ex-primeiro-ministro e líder do partido Forza Italia, Silvio Berlusconi, saiu em defesa de um governo formado pela centro-direita. "A Itália precisa de um governo que siga adiante na tomada de decisões, na esteira do que a centro-direita sempre teve como perspectiva política. Somos os continuadores e únicas testemunhas da tradição liberal, cristã, pró-europeia e as garantias dos valores e princípios da civilização ocidental", disse. Ele culpou o Movimento 5 Estrelas (M5S), de Giuseppe Conte, pela derrocada do governo.
Enrico Letta — secretário do Partido Democrática (PD, de centro-esquerda) acusou a Liga e a Força Itália de terem traído os eleitores. "Agora, o tema da coalizão mudou por completo", afirmou um dos potenciais candidatos ao posto de premiê. "Com os três partidos que derrubaram Draghi será impossível fazer alianças eleitorais", acrescentou Letta.
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Especialistas
Historiador político da Universidade Luiss Guido Carli (em Roma), Lorenzo Castellani explicou ao Correio que Giuseppe Conte, chefe do Movimento 5 Estrelas (M5E), deflagrou a crise, mas que o "golpe de morte" foi dado pela centro-direita. "A Liga decidiu abandonar o governo por causa do cínico cálculo eleitoral de Draghi, que apostava em uma vitória nas urnas", afirmou. Ele aponta que o comportamento de Draghi teve um papel importante na derrocada do governo. "O ex-premiê mostrou-se muito duro no discurso perante o Parlamento, tanto com a esquerda quanto com a direita. Por não concordarem com a personalidade de Draghi e com o seu programa de governo, o M5E e A Liga dexaram de apoiá-lo."
Castellani cita a ultradireitista Meloni como a principal candidata ao posto de premiê. O seu partido, Irmãos de Itália, ganhou consenso na arena política e, segundo as pesquisas, teria entre 23% e 24% dos votos nas eleições de 25 de setembro. "Aposto que ela possa obter uma performance melhor até lá", disse. No caso de vitória da crentro-esqueda, o historiador político joga as fichas em Letta. Por ora, ele descarta quaisquer articulações que possam reconduzir Draghi ao poder. "O mais provável nome é o de Meloni. Mas não está claro se a coalizão de direita terá uma quantidade suficiente de cadeiras no Parlamento para assegurar a governabilidade."
Franco Pavoncello, professor de ciência política da Universidade John Cabot (em Roma),adotou uma metáfora para avaliar o papel decisivo do M5E no fim do governo. "O partido de Conte não deu voto de confiança para Draghi. Ao fazer isso, ele colocou uma pistola nas mãos da Liga, de Berlusconi, para que 'matasse Draghi e o governo'. Foi exatamente o que ele fez. Berlusconi se disse disposto a manter o apoio a Draghi, desde que ele abandonasse o M5E. Draghi, por sua vez, avisou que não continuaria no cargo se perdesse membros da coalizão do governo e, por consequência, a maioria parlamentar. A Liga deixou claro que o M5E não era mais confiável. Isso tornou inevitável a renúncia de Draghi, pois ele precisa formar um governo com todos os partidos", disse à reportagem.
Pavoncello prevê uma coalizão entre A Liga, o M5E e o partido Irmãos de Itália. "Meloni afirmou muito claramente que ela quer uma coalizão com A Liga e com a Forza Itália. Nesse caso, a Irmãos de Itália indicaria Meloni para premiê. Ao mesmo tempo, Berlusconi estaria interessado em se tornar primeiro-ministro novamente", comentou. O especialista adverte que, ante o fato de Meloni ser o chefe de um partido de extrema-direita, Berlusconi pode se posicionar como o candidato ideal ao cargo. Em 65 dias, a Itália saberá a resposta.
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"Até a invasão da Rússia à Ucrânia, Draghi desempenhava um bom papel no governo. Roma recebia dinheiro da União Europeia, o Produto Interno Bruto (PIB) da Itália crescia 8% ao ano. A guerra fez com os preços do gás e do petróleo disparassem, a inflação se instalou e ficou muito difícil para a indústria italiana produzir. A situação se tornou muito diícil. O M5E e A Liga começaram a se perguntar se valeria a pena apoiar o governo por um ano e sacrificar a Itália. A decisão do M5E de retirar o voto de confiança fortaleceu Silvio Berlusconi."
Franco Pavoncello, professor de ciência política da Universidade John Cabot (em Roma)
Rússia retoma fornecimento de gás
A Europa respirou aliviada, ontem, depois que a Rússia reabriu seu fluxo de gás para o continente por meio do gasoduto Nord Stream, após uma suspensão das operações para manutenção. Segundo os primeiros dados divulgados pelo operador alemão da rede, Gascade, o fluxo equivale ao registrado antes da suspensão, o que corresponde a 40% da sua capacidade. Moscou e Kiev também assinarão um acordo para permitir a exportação de grãos pelo Mar Negro, anunciou a Turquia.
A Rússia responsabilizou os ocidentais por problemas técnicos no fornecimento de gás. "São as restrições que impedem o reparo de equipamentos, especialmente turbinas em estações de compressão", disse o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. A possível falta de gás alarma muitos países europeus. A Rússia irá "estudar" a possibilidade de fornecer gás suplementar neste ano à Hungria, país que importa 65% de seu petróleo da Rússia e 80% do seu gás, declarou o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, após se reunir em Moscou com o colega da Hungria, Peter Szijjarto.
Grãos
Em relação ao acordo para o transporte de grãos, a Presidência da Turquia informou que autoridades da Rússia e da Ucrânia participarão, hoje, da cerimônia de assinatura, na presença do chefe de Estado turco, Recep Tayyip Erdogan, e do secretário-geral da ONU, António Guterres, no Palácio de Dolmabahçe, em Istambul. Os Estados Unidos saudaram o acordo negociado com a mediação da Turquia e atribuíram à Rússia a responsabilidade de cumprir o pacto. "Recebemos com satisfação o anúncio desse acordo, mas nosso foco agora é responsabilizar a Rússia pela implementação do mesmo", disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price.