De um assassinato que estarreceu os japoneses e o mundo para uma vitória esmagadora nas urnas e a possibilidade de tirar do papel uma das principais bandeiras levantadas pela vítima. Eis o roteiro vivido pela coalizão que governa o Japão nos últimos dias. O assassinato do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, na última sexta-feira, pode ter levado a um comparecimento maior às urnas nas eleições para o Senado, realizadas ontem, avaliam analistas. As projeções indicam que a sigla de Abe, o Partido Liberal Democrático (LDP), e o aliado Komeito ganharam ao menos 61% das cadeiras em disputa na Câmara Alta, o que abre portas para a revisão da Constituição pacifista, um dos desejos do líder morto a tiros em um comício. O resultado do pleito está previsto para hoje, quando também ocorrerá o velório público do ex-premiê.
A vitória da coalizão era esperada antes mesmo do crime, mas a tragédia pode ter influenciado no resultado do pleito principalmente em regiões mais disputadas. Na eleição anterior — metade da Casa, que, agora, tem 248 integrantes, é renovada a cada triênio —, o governo ficou com 69 postos. Nesta última, as projeções no meio da tarde (já madrugada no Japão) indicavam 76, o que resultará em uma supermaioria de dois terços da Casa. Um aumento na participação dos eleitores, por sua vez, é certo: ao menos 52%, contra 48,8%.
O atual premiê, Fumio Kishida, comemorou os resultados do pleito. "Acho importante que as eleições tenham sido realizadas normalmente", afirmou. Admitindo a derrota, Kenta Izumi, líder do opositor Partido Democrático Constitucional, que deve perder vários assentos, disse que estava claro que "os eleitores não queriam mudar", segundo a Kyodo News.
Questionado sobre a mudança na Constituição pacifista, Kishida disse que vai se concentrar em elaborar um projeto de lei para ser discutido no Parlamento. O texto, redigido em 1947, após a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial, do qual o Japão fez parte, estabelece, entre outros pontos, que o país asiático "nunca manterá" as Forças Armadas. A expressiva maioria legislativa pode abrir caminhos para mudanças na Constituição e possíveis investimentos para fortalecer o papel militar do país a nível global.
Uma pesquisa da rede NHK realizada pouco antes da eleição mostra que 37% dos entrevistados são favoráveis à revisão do texto e 23%, contrários. Também não há uma definição sobre quais pontos seriam alterados. Kishida indicou, ontem, outras prioridades. "Neste momento, enquanto enfrentamos problemas como o coronavírus, a Ucrânia e a inflação, a solidariedade dentro do governo e dos partidos de coalizão é vital."
Despedida
Abe estava em um comício atuando pela vitória da coalizão nas urnas quando foi assassinado a tiros. A polícia segue sem divulgar detalhes sobre a investigação.
De acordo com vários relatos colhidos pela imprensa japonesa, o homem acusado pelo assassinato, Tetsuya Yamagami, 41 anos, visitou a região de Okayama, um dia antes do crime, com a intenção de assassinar Abe em outro comício. Ele teria desistido porque os participantes eram obrigados a registrar a presença com nomes e endereços.
Segundo o gabinete do ex-premiê, um velório aberto ao público será feito hoje à noite. Amanhã, apenas a família e os amigos próximos participarão de um funeral simples. A imprensa japonesa informou que os dois eventos devem acontecer no Templo Zojoji, em Tóquio. O chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, que está na Ásia, visitará o Japão hoje para expressar pêsames.