Imersa em uma grave crise econômica, a Itália agora precisa lidar com a instabilidade política, depois que o presidente, Sergio Mattarella, rejeitou a demissão do premiê, Mario Draghi. "Não aceito a renúncia e convido o primeiro-ministro a se apresentar, novamente, perante o Parlamento", anunciou Mattarella, por meio de um comunicado oficial. Na próxima quarta-feira, Draghi tentará obter a maioria parlamentar para assegurar a sua sobrevivência política. Não se descarta que o próprio Mattarella o convide a formar um novo governo.
O premiê apresentou ao Conselho de Ministros sua carta de renúncia após o governo entrar em colapso, com a recusa do Movimento 5 Estrelas (M5E) em votar a moção de confiança sobre um decreto-lei considerado crucial para o país. O texto esboça medidas para socorrer famílias e empresas contra a inflação, além de um projeto de construção de um inciderador de lixo para Roma — considerado pelo M5E como poluente, ultrapassado e caro.
"A maioria para a unidade nacional que apoiou este governo desde sua criação deixou de existir. O pacto de confiança, em que se baseia a ação deste governo, desapareceu", declarou Draghi, ao justificar sua renúncia, antes da reunião com Mattarella, no Palácio Quirinale. "Desde o meu discurso de posse no Parlamento, sempre disse que este Executivo se mantém no poder apenas se tiver o objetivo claro de implementar o programa de governo que as forças políticas aprovaram com o voto de confiança (...) Estas condições não existem mais hoje", acrescentou.
Franco Pavoncello, professor de ciência política da Universidade John Cabot (em Roma), admitiu ao Correio que o colapso do governo de Draghi representa um "grande golpe" para a Itália. "Nosso país enfrenta uma situação muito grave, em meio à crise internacional, ao aumento exponancial das taxas sobre o gás e o petróleo, e às grandes dificuldades experimentadas por empresários e pelas famílias italianas, em geral", afirmou. "Draghi desempenha um papel muito importante, no âmbito internacional. O colapso do governo causa problemas sérios, em termos da propagação de títulos. A bolsa de valores da Itália perdeu, somente hoje (ontem), cerca de 18 bilhões de euros (ou R$ 97 bilhões)."
Pavoncello explicou que Mattarella não apenas rejeitou a renúncia de Draghi, mas também o enviou de volta ao Parlamento, onde discursará na quarta-feira. "O problema é que, quando o Movimento 5 Estrelas ameaçou se retirar da Câmara e não participar da moção de confiança ao premiê, Matteo Salvini, líder da Liga do Norte, admitiu que o governo não pode continuar. Não apenas o M5E criou a instabilidade, mas também a reação de Salvini", disse. Ele afirmou que, ainda que a renúncia não tenha sido aceita por Mattarella, Draghi pode não demonstrar interesse em manter o governo, pois ficaria submetido às chantagens e aos pedidos dos demais partidos.
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Eleições
Ainda segundo Pavoncello, um dos motivos do fracasso do governo Draghi é a proximidade das eleições, marcadas para março de 2023. "Os partidos estão certamente interessados em obter espaço político. Desde a formação do gabinete de Draghi, o Movimento 5 Estrelas tem perdido, em média, 1% de votos a cada mês. Seria perigoso que o M5E prosseguisse com o premiê demissionário, em termos de resultados eleitorais. A situação social extremamente difícil e os sacrifícios crescentes que o novo plano econômico demandará convenceram o M5E de que seria melhor ficar fora do que dentro do governo", acrescentou.
Cientista político da Università Degli Studi Di Siena, Maurizio Cotta disse à reportagem que a fraqueza do sistema de governo italiano se justifica pela fragmentação do sistema partidário e pela alta volatilidade da base eleitoral. "Ainda não sabemos o que ocorrerá, mas Draghi está realmente farto de sua coalizão e entende que as coisas somente piorarão nos próximos meses. Ele terá que negociar cada item político estúpido. Por isso, se recusa a continuar", comentou. Cotta vê dois cenários para a crise: a dissolução imediata do Parlamento, com a convocação de eleições no fim do ano ou um governo provisório sob a orientação do chefe de Estado para aprovar o orçamento e as eleições em fevereiro.
