Depois de admitir que Moscou pretende anexar outras regiões da Ucrânia, além do Donbass (leste), o chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou que o Kremlin tem um objetivo: derrubar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. "Nós definitivamente ajudaremos o povo ucraniano a se libertar do regime, que é absolutamente anti-povo e anti-história", declarou o ministro das Relações Exteriores. Em viagem ao Cairo, Lavrov disse que russos e ucranianos "viverão juntos no futuro".
Alheio à ameaça de deposição, Zelensky pediu à Europa que "responda" à "guerra do gás" da Rússia com mais sanções econômicas. "Hoje ouvimos novas ameaças de gás contra a Europa. Trata-se de uma guerra aberta de gás que a Rússia está travando contra uma Europa unida. (...) Não se deve pensar em como recuperar uma turbina, mas em reforçar as sanções", disse.
Mais cedo, a petrolífera russa Gazprom anunciou que, a partir de amanhã, diminuirá as entregas diárias de gás para a Europa por meio do gasoduto Nord Stream — que conecta Rússia e Alemanha — para 33 milhões de metros cúbicos. A justificativa de Moscou envolve a necessidade de reparos em uma turbina.
Professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, Olexiy Haran disse ao Correio que, ao invadir a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou uma "operação militar especial para depor o regime". "Putin afirmou que deseja 'liberar' e 'desnazificar' a Ucrânia. Ele fracassou, e as ações da Rússia tiveram que ser recalibradas. Os russos começaram a falar sobre a 'libertação' do Donbass (leste). Primeiro, Lavrov declarou que desejava reiniciar as negociações com a Ucrânia. Depois, avisou que mudará o regime ucraniano."
Haran crê que a ameaça de depor Zelensky esteja associada ao desejo de anexação de outros territórios da Ucrânia. "Isso confirma que a meta da Rússia permanece a mesma: conquistar a Ucrânia. Ao bombardear áreas civis, os russos tentam intimidar os ucranianos e forçar os cidadãos a pressionarem Zelensky a aceitar as concessões de Moscou. Não vejo chance de o Kremlin derrubar o governo", comentou. "Apesar da lei marcial, a Ucrânia é uma democracia, que permite críticas a Zelensky. Os partidos da oposição estão unidos para defender o país."
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Cautela
Mykola Volkivskyi, ex-assessor do presidente do Parlamento, adverte que as declarações de Lavrov devem ser interpretadas com cuidado. De acordo com ele, há algumas semanas, o ex-presidente russo Dmitry Medvedev alertou que ataques ucranianos à Crimeira seriam respondidos com um "dia do juízo final".
"Antes, propagandistas do Kremlin ameaçaram a Ucrânia e os EUA com um ataque nuclear. Quando a Lituânia baniu o trânsito de mercadorias russas, Moscou citou 'consequências imprevisíveis'. Nós observamos uma linguagem da chantagem, quando as nações se veem forçadas a escolher entre 'a declaração de um país autoritário imprevisível' e 'um Estado pacífico que pode ser destruído a qualquer momento'. A fala de Lavrov se aplica a importadores de produtos da Ucrânia", lembrou Volkivskyi.
Para Kateryna Shtepa, 17 anos, estudante de história da Universidade Nacional Kiev Taras Shevchenko, as palavras de Lavrov são bravata. "Estou surpresa com o fato de que a Rússia não compreendeu que o meu povo não pode ser derrotado. Nós elegemos o presidente, e estaremos com ele até a vitória."