Taiwan

Em resposta à visita de Pelosi, China inicia testes militares sem precedentes

Em resposta à visita de Nancy Pelosi à ilha, China inicia testes militares sem precedentes, com disparos reais. Presidente da Câmara dos Estados Unidos deixa Taipei e cita "amizade duradoura". Especialistas veem tentativa de bloqueio sociopolítico

Rodrigo Craveiro
postado em 04/08/2022 06:00
 (crédito: Ministério da Defesa da China)
(crédito: Ministério da Defesa da China)

Após deixar Taiwan, na noite de ontem, e encerrar uma visita que durou menos de 24 horas, a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos afirmou que a China "não pode impedir líderes mundiais ou qualquer pessoa de viajarem a Taiwan para homenagear sua democracia viçosa, para destacar seus muitos sucessos e para reafirmar nossos compromissos com a colaboração contínua". Horas depois da partida de Pelosi, o governo do presidente chinês, Xi Jinping, ordenou que se inicie hoje uma série sem precedentes de testes militares com disparos reais ao longo da costa taiwanesa. Desde a terça-feira, 27 caças e bombardeiros da China invadiram a zona de defesa aérea de Taiwan.

O teatro bélico parece não intimidar os taiwaneses. "Ante as crescentes e deliberadas ameaças militares, Taiwan não recuará. (...) Vamos manter a linha de defesa da democracia", anunciou a presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, que se reuniu com Pelosi, pela manhã. Durante o encontro com a anfitriã, Pelosi reafirmou a aliança entre Washington e Taipei. "Nossa delegação chegou a Taiwan para deixar claro, de forma inequívoca, que não abandonaremos nosso compromisso com Taiwan e que estamos orgulhosos de nossa amizade duradoura", declarou a congressista de 82 anos.  

Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, defendeu os testes militares como "uma medida necessária e legítima para responder às graves provocações de alguns políticos americanos e dos independentistas taiwaneses". Jin Hongjun (leia Duas perguntas para), encarregado de negócios da Embaixada da China no Brasil, admitiu ao Correio que as simulações de guerra são "um direito devido de qualquer país soberano do mundo". "As ações militares tomadas pela China mostram a seriedade com a qual tratamos do assunto, e evidenciam a nossa firme determinação e plena capacidade de combater, de forma resoluta, as forças separatistas de Taiwan. Como disse Confúcio há mais de 2.500 anos, as palavras devem ser honradas e as ações devem ser resolutas. A China já deixou claro que tomará uma série de contramedidas, e faremos o que dissemos."

Diretor do Programa de Estudos sobre Segurança do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), M. Taylor Fravel explicou ao Correio que as manobras militares chinesas visam simular como a China pode impor um bloqueio a Taiwan. "As áreas de realização de testes bélicos visam os principais portos de Taiwan. O que a China aprender durante as simulações poderia ajudá-la a melhor se preparar para uma invasão, mas não vejo esse cenário como provável a curto prazo", comentou. Na opinião dele, Pequim preferiria obter a unificação de Taiwan por meio da negociação — a chamada "unificação pacífica"."Impedir a independência taiwanesa e limitar o apoio dos EUA à ilha, assim como apostar em exibições militares, são elementos vistos como um avanço na unificação pacífica", observou. 

Provocação

Bonnie Glaser, diretora do Programa Ásia do think tank German Marshall Fund of the United States (em Washington), concorda com Fravel. "Os exercícios militares, especialmente as zonas de fechamento próximas ao aeroporto internacional de Taiwan e aos seus dois portos, parecem ter a intenção de alertar que o Exército de Libertação Popular tem a capacidade de impor um bloqueio", disse à reportagem. Ela lembra que os chineses têm preparado uma invasão a Taiwan há muito tempo. "Vejo as manobras bélicas como provocativas e escaladoras. Não acho que Xi Jinping tenha tomado a decisão de invadir a ilha. Mas, caso se convença de que Taiwan declarará independência, com o apoio dos EUA, acredito que ele o faria. Ainda não chegamos a esse ponto."

Para o taiwanês Kuo Yujen, professor do Instituto de Estudos da China e da Ásia-Pacífico pela Universidade Nacional Suan Yat-sen (em Taipei), a China busca criar um caos político-econômico em Taiwan, e não uma invasão militar direta, como retaliação à visita de Pelosi. "O semibloqueio afeta o porto de Kaohsiung e o Estreito de Bashi, importante via de comunicação marítima. A China deverá anunciar mais três dias de testes militares e prolongar o prazo por todo o mês", afirmou ao Correio. 

Por sua vez, a húngara Zsuzsa Anna Ferenczy — professora da Universidade Nacional Dong Hwa, em Hualien (Taiwan) — aposta que Xi Jinping dobrará todas as atividades coercitivas sobre Taiwan, mas evitará um conflito militar. Ela entende que um conflito cinético não interessa à China. "Pequim precisa de estabilidade na região, algo indispensável na busca de sua trajetória de desenvolvimento, a fim de afirmar seu poder domesticamente e projetar sua influência lá fora", avaliou, por e-mail. Segundo a estudiosa, um ambiente estável é particularmente importante para o líder chinês, que enfrentará o Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC) e deverá ser reconduzido a um terceiro mandato. "Nesse sentido, proteger a legitimidade do PCC é prioridade para Xi."

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  • Caminhões com equipamentos militares 
se movem perto do Estreito de Taiwan
    Caminhões com equipamentos militares se movem perto do Estreito de Taiwan Foto: Fotos: Ministério da Defesa da China
  • Pequim também acionou a força naval 
para patrulhar o Mar do Sul da China
    Pequim também acionou a força naval para patrulhar o Mar do Sul da China Foto: Ministério da Defesa da China
  • Nancy Pelosi (E) com a presidente taiwanesa, 
Tsai Ing-wen: demonstração de apoio e de amizade dos Estados Unidos
    Nancy Pelosi (E) com a presidente taiwanesa, Tsai Ing-wen: demonstração de apoio e de amizade dos Estados Unidos Foto: Gabinete Presidencial de Taiwan/AFP
  • Manifestantes rasgam bandeira americana 
diante do Consulado dos EUA, em Hong Kong
    Manifestantes rasgam bandeira americana diante do Consulado dos EUA, em Hong Kong Foto: Peter Parks/AFP

Jin Hongjun, encarregado de negócios da Embaixada da China em Brasília

 (crédito: Embaixada da China)
crédito: Embaixada da China

Por que a visita de Pelosi representou uma ameaça à China?

Existe uma só China no mundo. Taiwan faz parte inalienável do território chinês, e o governo da República Popular da China é o único governo legítimo que representa toda a China. Isso é explicitamente reconhecido pela Resolução 2758 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Ao todo, 181 países, inclusive os EUA, se comprometem a reconhecer e a respeitar rigorosamente o princípio de "Uma Só China". Tal princípio é o núcleo dos interesses fundamentais da China e uma linha vermelha que jamais permitiremos ser cruzada. A visita de Pelosi a Taiwan constitui grave provocação política e viola severamente o princípio de "Uma Só China", infringe seriamente a nossa soberania e a integridade territorial, além de dar um sinal totalmente equivocado às forças separatistas de Taiwan para que busquem a chamada "independência".

Pelosi disse que a visita a Taiwan mostrou o forte compromisso com a autodeterminação da ilha. Como o senhor vê isso?

Trata-se de uma mentira escancarada, que evidencia o egoísmo e a hipocrisia de alguns políticos dos EUA. Em que momento os EUA realmente se importaram com a democracia em outros países? O que temos visto é que os EUA vêm interferindo sem cessar nos assuntos internos de outros países.

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