Bombardeios na área da usina nuclear de Zaporizhzhia, próximo à cidade de Energodar (centro-sul da Ucrânia), deixaram o planeta em alerta ante o risco de uma repetição do desastre de Chernobyl. A Rússia, que ocupa a região, e a Ucrânia se acusam mutuamente por pelo menos cinco ataques com foguetes perto de um local de armazenamento de material radioativo da central atômica, a maior da Europa. "Os invasores voltaram a alvejar o território da usina, atingindo não muito longe da principal unidade de energia. Eles danificam a estação de bombeamento de esgoto doméstico, o que causou grande fumaça", denunciou a Energoatom, a agência nuclear da Ucrânia. Segundo a instituição, "vários sensores de radiação foram danificados ontem".
Em discurso durante reunião emergencial do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), Rafael Mariano Grossi — diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) — declarou que a situação em Zaporizhzhia "piora rapidamente" e pode ser classificada como "alarmante". "Houve bombardeios perto da estação de oxigênio e de nitrogênio dentro da instalação. Os bombeiros apagaram rapidamente o incêndio, mas é preciso aliviar os danos", disse, por meio de videoconferência, de Istambul.
Ele advertiu sobre o perigo de um vazamento de radiação em potencial e destacou que isso seria "inaceitável". "Qualquer ação militar que coloque em risco a segurança nuclear deve parar imediatamente. Essas ações militares perto de uma grande instalação nuclear podem levar a consequências muito graves", avisou Grossi. "Este é um grave momento, e a AIEA deve receber permissão para realizar sua missão em Zaporizhzhia o mais rápida possível", acrescentou.
"Séria preocupação"
O secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou "séria preocupação". "Apelo que todas as atividades militares nas imediações da usina cessem imediatamente", declarou, ao pedir "o bom senso e a razão". "Lamentavelmente, em vez da desescalada, ao longo dos últimos dias temos visto relatos de mais incidentes profundamente preocupantes que poderiam, se continuarem, levar a um desastre", afirmou Guterres. Ele defendeu um acordo urgente, em nível técnico, sobre um perímetro seguro de desmilitarização da área.
O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA destacou que "travar combates perto de uma usina é perigoso e irresponsável". "Apoiamos os apelos ucranianos por uma zona desmilitarizada (em Zaporizhzhia)", declarou. "O mundo deve reagir imediatamente para expulsar os ocupantes da usina", disse o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
A menos de 100km da central nuclear, Oleg Buryak — chefe da Administração Estatal do Distrito de Zaporizhzhia — não sente medo. "Existe uma guerra em curso, e a ameaça nuclear faz parte dela", disse ao Correio. Ele reconhece, no entanto, que o problema diz respeito não apenas à Ucrânia, mas ao planeta. Em caso de vazamento de radiação, Buryak explica que os moradores precisam seguir as instruções de um "imenso documento", o qual especifica vários estágios da retirada da população. "Cerca de 1,1 milhão de pessoas vivem aqui. Não irei a lugar nenhum até que todo mundo saia."
Também em Zaporizhzhia, o advogado Hryhorii Nemchenko afirmou que informações não confirmadas indicam que as tropas de ocupação russas minaram o território da usina nuclear.
Diretor de Política do Centro para Controle de Armas e Não-Proliferação (em Washington), John Erath explicou ao Correio que não existirá risco alto de catástrofe nuclear porque o material usado na construção da usina seria forte para resistir a danos. "A história militar russa celebra os líderes que atearam fogo a cidades, como Moscou (em 1812), para impedir os inimigos de controlá-las. Se isso ocorrer, as consequências para o meio ambiente serão extremas."
Segundo Erath, a informação de que os sensores de radiação deixaram de funcionar é motivo de preocupação. "Nesse caso, não seria possível detectar vazamentos. A questão é que os combates ocorrem perto de um usina atômica. Além de ilegal, a agressão russa acena com consequências generalizadas. As ameaças de Putin de usar armas nucleares estabelecem um presidente perigoso, caso sejam percebidas como bem-sucedidas."
O especialista afirmou que nem a Rússia nem a Ucrânia demonstraram interesse em uma zona desmilitarizada. "A presença dos Estados Unidos e de tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) seria vista como uma provocação por Moscou e ter resultado contraproducente", disse Erath.
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"Ainda não está exatamente claro o que acontece ao redor da instalação de Zaporizhzhia. Ainda que haja alguma propaganda envolvida, deve ficar claro que é extremamente perigoso travar uma guerra perto de uma usina nuclear. O primeiro risco é que a ocupação russa cortou o fornecimento de peças e equipamentos e impediu os monitores de segurança internacionais de visitarem o local. Isso aumenta a possibilidade de malfuncionamento ou de outros incidentes. O segundo é que quaisquer combates perto da usina poderiam causar danos que resultariam na liberação de radioatividade."
John Erath, diretor de Política Sênior do Centro para Controle de Armas e Não Proliferação, em Washington
O maior acidente da história
Em 26 de abril de 1986, a explosão do reator de número 4 da usina nuclear de Chernobyl, na cidade de Pripyat (antiga União Soviética e atual Ucrânia), liberou 5% da radiação do núcleo e espalhou o material radiativo para muitas partes da Europa. O acidente foi resultado de um reator construído com falhas e de técnicos com treinamento inadequado. Nos três primeiros meses, 30 funcionários e bombeiros morreram por causa da exposição ao material radioativo. No total, mais de 100 mortes tiveram ligação com o desastre. Ao todo, 350 mil moradores de Pripyat e imediações foram retirados às pressas e jamais puderam retornar para suas casas. Em outubro de 1986, operários concluíram um sarcófago de concreto que envolveu todo o reator de número 4.