Consequência da Guerra

Cientista ucraniano conta os golfinhos mortos pela guerra

"A guerra é uma coisa terrível. Tem impacto em todo o ecossistema, em espécies que terão dificuldade em recuperar e restabelecer o equilíbrio", lamentam cientistas

Agência France-Presse
postado em 29/08/2022 09:34
 (crédito:  Dimitar DILKOFF / AFP)
(crédito: Dimitar DILKOFF / AFP)

Prymorske, Ucrânia- Concentrado, olhando para longe, Ivan Russev caminha por uma praia do Mar Negro em busca de um golfinho encalhado. Este cientista ucraniano acompanha os efeitos da guerra na fauna e na flora locais desde o início da invasão russa.

O saldo é "aterrorizante", diz o diretor científico de 63 anos do Parque Nacional das Lagoas Tuzly, uma área de 280 km2 de litoral protegido em Bessarábia, na região de Odessa, no sudoeste da Ucrânia, perto da fronteira com a Romênia.

Todos os dias, Russev inspeciona o território, controlado pelo exército, à procura de golfinhos encalhados na areia.

Os primeiros mamíferos começaram a encalhar no início de março.

Ações rápidas tiveram que ser tomadas para documentar essas mortes: os chacais são numerosos na área e as carcaças de golfinhos nunca duram mais de uma noite.

Russev, natural da região, começou desde o primeiro dia da ofensiva russa, em 24 de fevereiro, a registrar as consequências do conflito no parque, em um diário amplamente seguido no Facebook.

"Começamos a nos comunicar com nossos colegas turcos, búlgaros e romenos, e todos chegaram às mesmas conclusões: há um grande número de golfinhos mortos desde o início da guerra".

A Fundação Turca para Pesquisa Marinha (TUDAV) já expressou preocupação em março sobre um "aumento incomum" nas mortes de golfinhos encontrados na costa do Mar Negro da Turquia.

Russev avança um número: "5.000 golfinhos mortos de acordo com os dados coletados", ou seja, quase 2% da população total do animal no Mar Negro.

"No ano passado, em nossos 44 km de costa, encontramos um total de três golfinhos", explica à AFP.

"Este ano, apenas nos 5 km em que temos direito de operar, já encontramos 35".

É impossível saber exatamente quantos morreram em outras partes da reserva. Temendo um desembarque russo, o exército ucraniano proíbe o acesso dos funcionários do parque à maior parte da área.

As três espécies de golfinhos encontradas neste mar quase fechado, estimadas em dois milhões em meados do século XX, são vítimas da pesca e da poluição há décadas.

O último registro em 2020 foi de 250.000 animais, diz Russev.

- Sistema acústico -


Para o cientista, não há dúvidas. Os culpados desta catástrofe atual são os poderosos sonares utilizados pelos navios de guerra e submarinos russos que circulam no Mar Negro, que perturbam “o sistema acústico dos golfinhos”.

"Destrói sua audição interna, eles ficam cegos, não conseguem se orientar ou pescar", diz Russev.

Enfraquecidos, os golfinhos adoecem e morrem das infecções. Como prova, ele afirma que nenhum golfinho encontrado este ano apresentava ferimentos aparentes ou os cortes típicos que indicam que foram capturados em uma rede de pesca.

Do lado russo, cientistas que também verificaram o excesso de mortalidade de golfinhos, descartam a tese do sonar e asseguram que eles são vítimas de um morbilivírus, causa de frequentes epidemias mortais em mamíferos marinhos.

Para esclarecer dúvidas, várias amostras dos últimos exemplares encontrados no parque serão analisadas na Alemanha e na Itália.

Perto da cabana de madeira onde dorme, na entrada da reserva, Russev não esconde sua preocupação.

Vários bombardeios atingiram o parque e queimaram 100 hectares de áreas protegidas.

"A guerra é uma coisa terrível. Tem impacto em todo o ecossistema, em espécies que terão dificuldade em se recuperar e restabelecer o equilíbrio da natureza", lamenta.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação