Manifestações contra a convocação de 300 mil reservistas, detenções em massa e a fuga de homens russos do país marcaram o primeiro dia de alistamento dos combatentes que reforçarão as tropas de Vladimir Putin na Ucrânia. No campo diplomático, as ameaças do presidente de usar armas nucleares contra o Ocidente aprofundaram o isolamento da Rússia. O chanceler Serguei Lavrov abandonou uma reunião extraordinária a nível ministerial no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), depois de refutar denúncias de abusos cometidos pelas forças de seu país. “Os Estados Unidos e seus aliados, com o conluio de organizações internacionais de direitos humanos, estão encobrindo os crimes do regime de Kiev”, declarou, ao chamar o governo de Volodymyr Zelensky de “Estado totalitário nazista”.
Durante o encontro do Conselho de Segurança, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, advertiu: “A ordem internacional que tentamos salvar aqui está sendo destruída diante de nossos olhos”. “Não podemos deixar o presidente Putin se safar”, acrescentou. O chefe da diplomacia de Washington disse que Moscou busca “derramar óleo sobre o fogo”, ao anunciar referendos para a anexação de quatro regiões da Ucrânia: Donetsk e Luhansk, no leste; e Zaporizhzhia e Kherson, no sul.
Por sua vez, o próprio presidente Zelensky instou os russos a protestarem contra a mobilização de reservistas ou a se renderem. “Cinquenta e cinco mil soldados russos morreram nesta guerra em seis meses (...) Querem mais? Não? Então, protestem! Lutem! Fujam! Ou se rendam” ao Exército ucraniano, afirmou, em russo, em uma mensagem por vídeo. “São suas opções de sobrevivência”, acrescentou, ao citar que o Kremlin pretende convocar 1 milhão de soldados.
O Estado-Maior Conjunto da Rússia anunciou que cerca de 10 mil pessoas se apresentaram, entre quarta-feira e ontem, de forma voluntária para combaterem na Ucrânia. Em imagens publicadas nas redes sociais, supostamente na cidade de Yakutia (Sibéria), homens com a expressão cerrada abraçavam familiares e alguns choravam, antes de embarcarem em ônibus. Somente anteontem, protestos contra o recrutamento foram registrados em 38 cidades russas, com a prisão de 1.332 pessoas.
Ontem, Ucrânia e Rússia concluíram uma grande troca de prisioneiros com Moscou, a qual envolveu 215 prisioneiros militares ucranianos, incluindo comandantes do Batalhão de Azov, que estavam amotinados na usina siderúgica Azovstal de Mariupol. Do lado russo, 55 militares retornaram ao país, segundo o Ministério da Defesa da Rússia.
Um alto funcionário de Kiev disse que “muitos” prisioneiros ucranianos foram “brutalmente torturados” no cativeiro. “Há pessoas cuja condição física é mais ou menos normal, além da desnutrição crônica devido às más condições de detenção”, relatou Kyrylo Budanov, encarregado do Departamento de Inteligência do Ministério da Defesa ucraniano, que participou da organização da troca de prisioneiros. O ministro do Interior, Denys Monastyrsky, assegurou que “absolutamente todos” os ucranianos trocados “precisam de reabilitação psicológica”.
Ao reforçar as ameaças de uso de armas nucleares feitas por Putin, o ex-presidente russo Dmitry Medvedev, número dois do Conselho de Segurança do país, garantiu que a Rússia está preparada para lançar um ataque atômico contra o Ocidente em caso de necessidade. “Os mísseis hipersônicos russos são capazes de atingir alvos na Europa e nos Estados Unidos muito mais rápido do que as armas ocidentais”, disse.
Saiba Mais
- Mundo Qual o tamanho e o poder de destruição do arsenal nuclear da Rússia?
- Mundo Guerra na Ucrânia: a corrida para sair da Rússia após Putin convocar reservistas para combate
- Mundo Tesla faz recall de quase 1,1 milhão de carros elétricos nos EUA
- Mundo EUA confiam no sistema eleitoral do Brasil, diz porta-voz do Departamento de Estado
Insatisfação
Pesquisador e doutorando da Universidade de São Paulo (USP), Cesar Albuquerque disse ao Correio que o contexto da guerra apresenta um movimento interessante, marcado pelo fortalecimento dos protestos contra o governo russo e de êxodo dos jovens. “São reservistas que não têm treinamento militar e não desejam se envolver no conflito”, explicou. “Isso mostra o crescimento da insatisfação popular dentro da Rússia contra a guerra. É preciso avaliar como esse movimento ganhará corpo, mas ele tem impacto direto na sustentabilidade política do próprio Putin.”
Além da pressão da comunidade internacional, com a aplicação de sanções, o chefe do Kremlin precisa lidar com a oposição interna. “Isso coloca o seu cargo em xeque. A posição do presidente está cada vez mais prejudicada. Zelensky pretende fortalecer esse movimento, não apenas por meio do suporte do Ocidente, mas da busca por apoio contra o governo russo”, disse Albuquerque. Ele admite que a dificuldade em mobilizar os reservistas pode ampliar a fragilidade de Putin internamente.
De acordo com o ucraniano Peter Zalmayev, diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev), Putin não vê um caminho claro para a vitória militar. “Ele precisa deter a contraofensiva da Ucrânia. Perder mais territórios é a grande ameaça para o Kremlin e para o próprio poder do presidente”, afirmou à reportagem.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
"O momento mais sensível"
"Em termos pragmáticos, creio que as armas de destruição em massa seriam usadas como última estratégia, caso os avanços do Exército ucraniano chegassem às fronteiras russas ou a posição de Putin fosse prejudicada ao extremo, com risco de ele perder o poder. O que pode ocorrer, no médio prazo, seria o emprego de armas atômicas de baixo poder de destruição. Elas ainda assim causaria um estrago muito grande.
Em relação ao conflito, considero este momento como o mais sensível para a Rússia. Além das perdas, Moscou enfrenta dificuldades de mobilização de reservistas e o fortalecimento de um movimento crítico à guerra dentro da Rússia. Esse contexto é reforçado pela crise econômica, em consequência das sanções ocidentais, e pela insatisfação da população em enviar jovens destreinados para lutar em um front onde o resultado não tem sido positivo. Este é o momento mais negativo para a Rússia."