Ucrânia

Alemanha pressiona China a deter guerra entre Rússia e Ucrânia

Na primeira viagem a Pequim, o chanceler Olaf Scholz tenta convencer Xi Jinping a forçar o recuo de Putin. Líderes mostram entrosamento no repúdio à ameaça de uso de armas nucleares. Kremlin quer poupar civis de batalha pela cidade de Kherson

Rodrigo Craveiro
postado em 05/11/2022 06:00
 (crédito: Kay Nietfeld/AFP)
(crédito: Kay Nietfeld/AFP)

Olaf Scholz viajou 7.350km de Berlim até Pequim, disposto a enviar um forte sinal ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, contra o uso de armas nucleares na Ucrânia. Mas o chanceler alemão foi além e cobrou do presidente chinês, Xi Jinping, não somente a rejeição à utilização de arsenal atômico, mas também uma pressão maior sobre Moscou — um de seus principais aliados — para forçar o fim da guerra. Com 254 dias, a invasão russa à ex-república soviética chegou a um ponto crucial: a batalha por Kherson, cidade situada no sul da Ucrânia que funciona como porta para a Crimeia, península anexada pela Rússia em 2014, e para o Mar de Azov, importante corredor para o comércio. Em uma rara declaração sobre a situação no front, Putin defendeu a retirada de civis da "zona de guerra de Kherson".

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores da China declarou que a comunidade internacional "deveria se opor à ameaça ou ao uso de armas nucleares, defender que tal arsenal não seja utilizado e que guerras nucleares não devem ser travadas, e prevenir uma crise atômica na Eurásia". De acordo com o jornal The New York Times, Scholz lembrou a Xi sobre a importância de interromper a guerra. "Como ator político global e membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a China tem responsabilidade pela paz no mundo", disse o chanceler a jornalistas. 

O alemão alertou que "a guerra cria uma situação perigosa para o mundo inteiro (...) e na China todos sabem que uma escalada teria consequências para o mundo inteiro". "Esta é a razão pela qual foi muito importante para mim (...) dizer claramente que uma escalada" da guerra "na forma do uso de uma arma nuclear tática deve ser excluída, e estou feliz que, neste assunto, pelo menos, chegou-se a um acordo", completou.

Simbolismo

Peter Zalmayev — diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — admitiu ao Correio que o primeiro encontro entre Scholz e Xi sobre a situação na Ucrânia envia um sinal importante a Moscou e ao mundo. "Foi uma reunião entre os governantes das maiores economias da Europa e da Ásia. A China é o mais importante aliado da Rússia. Se Xi realmente quiser, pode colocar um veto no prosseguimento da guerra ilegal", afirmou.

Para Zalmayev, a simples menção a um ataque nuclear é uma preocupação genuína partilhada por Berlim e por Pequim. "Se haverá ou não um ultimato a Putin, ainda é cedo para dizer. A China costuma agir de forma muito cuidadosa e não pode se distanciar do Kremlin, pois ambos os países firmaram acordos e possuem laços de amizade", acrescentou. 

Especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, Anton Suslov entende que a posição da China em relação à guerra não está clara. "O governo de Xi Jinping não tem condenado a Rússia pela invasão em grande escala. Além disso, o presidente chinês é um dos poucos líderes internacionais que se encontraram com Putin pessoalmente e designaram o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, para se reunir com o homólogo russo, Serguei Lavrov", lembrou à reportagem. "Se Xi realmente quisesse persuadir Putin, já o teria feito."

Suslov explicou que alguns governantes europeus ainda creem ser possível encerrar a invasão à Ucrânia por meio do diálogo. "No entanto, a Rússia não mostra sinais de prontidão em aceitar a realidade e negociar o acordo de paz em potencial que considere os interesses da Ucrânia." Em relação ao risco de Moscou realizar uma explosão nuclear tática na Ucrânia, Suslov destacou que os principais atores internacionais — incluindo EUA, União Europeia e China — percebem o fato de que não há vencedores em um conflito atômico. "Por isso, todos eles alertam Putin sobre a absoluta inaceitabilidade do uso de armas nucleares."

Retirada

Ante a aproximação das forças ucranianas de Kherson, as autoridades da ocupação russa têm retirado diariamente da cidade "mais de 5 mil civis". Fotografias divulgadas por elas mostram soldados organizando a saída de filas de carros. "É claro que aqueles que vivem em Kherson deveriam ser removidos da área onde ocorrem as ações mais perigosas, porque a população civil não deveria sofrer", disse Vladimir Putin, durante um encontro com ativistas pró-Kremlin, em Moscou. 

Segundo Zalmayev, a batalha por Kherson será mais decisiva para os russos. "Se os ucranianos reclamarem a margem direita do Rio Dniepro, em Kherson, Putin ficará com uma imagem de líder enfraquecido. Será algo muito ruim para Moscou", apostou. Ele acredita que os cidadãos de seu país estão cientes do risco de caírem em uma armadilha ao tentarem reconquistar a cidade. "É possível que Kiev consiga recapturar Kherson até o fim do ano, mas os russos ainda são poderosos e podem atacar a partir de Zaporizhzhia e de Kharkiv", disse. Durante breve cerimônia na Praça Vermelha, em Moscou, para celebrar o Dia da Unidade Nacional, Putin anunciou a incorporação de 49 mil recrutas aos combates na Ucrânia. O chefe do Kremlin garantiu que 318 mil homens tinham se inscrito nas Forças Armadas da Rússia desde setembro. 

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Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)
Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) (foto: Aleksandr Indychii)

"As tropas ucranianas pensam em desocupar Kherson e existe a preocupação de que a Rússia disfarce seus soldados de civis. Quando os soldados da Ucrânia entrassem na cidade, seriam recebidos a tiros pelas forças de Moscou, em uma batalha pelas ruas. Os ucranianos estão muito cautelosos para não caírem em uma armadilha."

Peter Zalmayev, diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev)

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