Irã

Líder Supremo do Irã parabeniza milícia que tenta impedir manifestações no país

Em discurso a paramilitares, o aiatolá Ali Khamenei saudou a "coragem" na violenta contenção dos protestos causados pela morte de mulher espancada por não usar o véu islâmico de forma adequada

Rodrigo Craveiro
postado em 27/11/2022 06:00
 (crédito: Khamenei.ir/AFP)
(crédito: Khamenei.ir/AFP)

Desordeiros, marginais e inimigos. O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, pronunciou essas três palavras para referir-se aos manifestantes que tomaram as ruas das principais cidades do país após a morte de Mahsa Amini. Em 16 de setembro passado, a mulher iraniana de 22 anos entrou em coma e não resistiu, três dias depois de ser espancada por homens da Gasht-e-Ershad — a "polícia da moral", unidade das forças de segurança que fiscaliza o cumprimento do código de vestimenta islâmico no país. Mahsa foi acusada de não usar, de forma apropriada, o hijab (véu islâmico). As manifestações se espalharam, e várias mulheres chegaram a ser filmadas ou fotografadas retirando o traje da cabeça e queimando-o.  

Durante discurso a uma multidão de voluntários da Basij, em Teerã, Khamenei elogiou a força paramilitar leal ao regime teocrático islâmico. "Ao enfrentar o inimigo no campo de batalha, a Basij sempre mostrou-se corajosa, sem medo", disse. "Vocês viram que, nos mais recentes eventos, nossos inocentes e oprimidos Basijs tornaram-se alvos da opressão para que não permitissem que a nação virasse alvo de desordeiros e marginais. (...) Eles se sacrificaram para libertar os outros", acrescentou.

Até o fechamento desta edição, pelo menos 416 pessoas, incluindo 51 crianças, foram mortas pelas forças de segurança durante os protestos, de acordo com a organização não-governamental Iran Human Rights, sediada em Oslo (Noruega). A indignação ante a reação desproporcional do regime se espalhou por vários países e tomou os estádios de futebol do Catar, durante as partidas da seleção do Irã pela Copa do Mundo. 

Em entrevista ao Correio, Alireza Nader — especialista sobre o Irã em Washington — avaliou como "desprezível" o discurso do aiatolá Khamenei e advertiu: "A República Islâmica declarou guerra ao povo iraniano". De acordo com ele, o regime de Teerã respondeu aos protestos com força bruta. "O aparato repressivo matou e feriu milhares, enquanto prendeu muitos mais. Uma prova de que esse regime nunca mudará e, por isso, precisa ser derrubado pelo povo. Embora brutal, o regime está bastante vulnerável e fraco. Este é o começo do fim do regime. As pessoas no Irã sabem disso", comentou. 

Revolução

Moradora de Teerã, Shima S., 29 anos, disse à reportagem que a retórica de Khamenei "não é nova" para os iranianos. "Durante 43 anos, ele tem chamado a oposição e os representantes de outras nações de inimigos. A repressão é a única ferramenta dele para resolver problemas internos", denunciou. "Por causa desse comportamento, a única coisa que os iranianos querem é uma revolução, para mudarmos o regime. O governo islâmico precisa acabar e ser substituído por uma autoridade democrática, após referendo. O povo se levantou." Segundo Shima, a primeira revolução ocorreu nas mentes e nos corações das pessoas. 

Há nove dias, iranianos atearam fogo à casa onde nasceu o aiatolá Ruhollah Khomeini (1902-1989), fundador da República Islâmica, na cidade de Khomeini, província de Markazi. Em seu discurso, ontem, o imediato sucessor, Khamenei, também advertiu que negociar com os Estados Unidos não encerrará os distúrbios, sob a alegação de que Washington sempre exigirá mais. "O problema não são quatro desordeiros na rua, embora todos os desordeiros, todos os terroristas devam ser punidos... O campo de batalha é muito maior. O principal inimigo é a arrogância global", disse, em referência aos EUA e aliados.

 

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  • Lágrimas de sangue pintadas no rosto de iraniana, na partida entre Irã e País de Gales, no Catar
    Lágrimas de sangue pintadas no rosto de iraniana, na partida entre Irã e País de Gales, no Catar Foto: Giuseppe Cacace/AFP
  • Manifestante protesta contra execuções, durante ato em apoio às mulheres iranianas, em Istambul
    Manifestante protesta contra execuções, durante ato em apoio às mulheres iranianas, em Istambul Foto: Yasin Akgul/AFP
  • Na mesma partida, torcedora aparece com as palavras "Mulher, vida e liberdade" estampadas em camiseta com as cores do país
    Na mesma partida, torcedora aparece com as palavras "Mulher, vida e liberdade" estampadas em camiseta com as cores do país Foto: AFP

"Processo pacífico foi sequestrado"

 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
crédito: Ed Alves/CB/D.A Press

"A atual situação começou com a trágica morte de Mahsa Amini, que foi alvo de atenção não apenas da sociedade, mas também das autoridades de mais alto nível iranianas e de várias orientações políticas. O próprio presidente (Ebrahim Raisi) se envolveu e a discussão central foi sobre como acomodar as demandas das pessoas por melhorias nos procedimentos e reformas reais. Ele enfatizou que o governo está totalmente pronto para escutar as reclamações dos manifestantes. Mas, então, esse processo pacífico e civilizado foi sequestrado por alguns  elementos violentos e por seus partidários estrangeiros para a ilusão da desintegração de nosso sistema político. 

Agora, e depois de dois meses, a maioria da população iraniana pressiona, legitimamente, o governo e as forças de segurança para restaurarem a ordem e a segurança em várias áreas afetadas. Empresas têm sido gravemente impactadas em um país que já está sob sanções unilaterais injustas dos Estados Unidos. Além disso, a segurança de nossas áreas fronteiriças corre o risco de ser prejudicada. Lembremos de que os elementos terroristas do Daesh (Estado Islâmico) estão ativos em ambos os lados de nossas fronteiras orientais e ocidentais, e seu desejo é o de cometerem assassinatos em massa, como fizeram em Shiraz, em 26 de outubro (um atentado contra uma mesquita, que deixou 13 mortos). 

A paz, a segurança, o diálogo, a reforma, o desenvolvimento e a ordem jurídica caminham juntos. Qualquer coisa que seja diferente disso não leva a lugar nenhum, a não ser o saciamento dos arquiinimigos do Irã."

Hossein Gharibi, embaixador do Irã no Brasil

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