ENTREVISTA | OLEKSANDRA MATVIICHUK | Nobel da Paz

"Jamais deixaremos que a 'grande fome' se repita", diz ganhadora do Nobel da Paz

Chefe da organização não governamental Centro pelas Liberdades Civis (CCL), repetiu o ritual de milhões de ucranianos.

Rodrigo Craveiro
postado em 27/11/2022 06:00 / atualizado em 27/11/2022 11:23
 (crédito: Divulgação)
(crédito: Divulgação)

Chefe da organização não governamental Centro pelas Liberdades Civis (CCL), uma das ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz em 2022, a ativista ucraniana Oleksandra Matviichuk, 39 anos, repetiu o ritual de milhões de ucranianos. Ontem, em uma noite escura na capital, Kiev, afetada pelos bombardeios russos à infraestrutura energética e civil, ela acendeu uma vela para marcar os 90 anos do Holodomor e homenagear os 3,5 milhões de compatriotas mortos durante a "grande fome" imposta deliberadamente pelo regime de Josef Stálin — entre 1932 e 1933, o líder soviético lançou uma campanha de "coletivização" forçada e apreendeu toneladas de grãos e de outros alimentos.

Em entrevista exclusiva ao Correio, por telefone, Oleksandra afirmou que o povo da Ucrânia luta pela própria liberdade e enviou um recado: "Jamais deixaremos que essa história e essa tragédia se repitam". A advogada e ativista de direitos humanos garantiu que há evidências suficientes para julgar o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e seus altos assessores e comandantes por crimes de guerra. Ela também falou sobre as expectativas da população ante a chegada do rigoroso inverno, na próxima quinta-feira, e assegurou que Putin "perdeu a guerra". Oleksandra e sua equipe documentaram mais de 21 mil crimes de guerra na Ucrânia. 

Como as memórias do Holodomor se refletem nesses tempos de guerra, na Ucrânia?

O Dia do Memorial às Vítimas do Holodomor é sempre especial para nós, ucranianos. O poder soviético organizou uma fome artificial. Milhões de ucranianos morreram, em meio a uma imensa dor. Isso foi possível porque a Ucrânia perdeu sua independência entre 1918 e 1919 e foi anexada à União Soviética. Agora, estamos lutando por nossa liberdade e jamais deixaremos que essa história e essa tragédia se repitam. 

Com base em todas as evidências coletadas por sua ONG, há elementos suficientes para julgar Putin por crimes de guerra?

Nós temos várias evidências de que Putin, outras lideranças políticas de alto escalão e comandantes militares são os responsáveis por crimes de guerra cometidos por soldados na Ucrânia. O último exemplo são os bombardeios aéreos organizados pelos russos para alvejarem, de forma deliberada, a infraestrutura civil crítica em diferentes cidades, a fim de privar milhões de cidadãos de terem acesso à água, ao sistema de aquecimento, à eletricidade, à internet, à telefonia celular e a outras coisas básicas que ajudam as pessoas a sobreviverem durante o inverno. Putin e outros políticos descreveram, de forma pública, os reais objetivos desses ataques a alvos civis. Eles afirmaram que pretendem forçar a Ucrânia a concordar com as demandas de Moscou. Isso é um crime de guerra bastante visível. 

Na próxima quinta-feira, o inverno começará na Ucrânia. Como vocês se preparam para enfrentá-lo?

Nós esperamos tempos muito duros, mas temos certeza de que atravessaremos essa fase com dignidade. Nos últimos três dias, em muitos bairros de Kiev, inclusive em minha casa, não temos eletricidade, calefação ou conexão de celular. Eu vejo como as pessoas ajudam umas às outras. Empresas providas de geradores têm aberto as suas portas para que os moradores carreguem os celulares. Elas também distribuem água quente e chá. Por meio de aplicativos de bate-papo da internet, as pessoas oferecem as próprias casas para quem precisar cozinhar alimentos, caso não tenha acesso à eletricidade. Nós lutamos contra a escuridão. A luz está viva na Ucrânia.

Em encontro na última sexta-feira com mães e esposas de soldados russos, Putin prometeu a vitória na Ucrânia...

Putin já perdeu a guerra. Ele tinha planos de tomar a Ucrânia logo nos primeiros dias da invasão em larga escala, em fevereiro. O problema é que ele subestimou os ucranianos. Agora, ele precisa lidar com as expectativas dos cidadãos russos que desejam ver a Ucrânia ocupada pelas tropas de Moscou. Tenho certeza de que, depois da contraofensiva do Exército russo, que liberou os territórios de Kharkiv, e Kherson, entre setembro e outubro, temos grandes chances de desocupar o território ucraniano. Com o apoio das democracias do mundo, nós suportaremos esses tempos difíceis. (RC).

Cobertura do Correio Braziliense

Quer ficar por dentro sobre as principais notícias do Brasil e do mundo? Siga o Correio Braziliense nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube. Acompanhe!

Newsletter

Assine a newsletter do Correio Braziliense. E fique bem informado sobre as principais notícias do dia, no começo da manhã. Clique aqui.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Oleksandra Matviichuk, chefe da ONG Centro pelas Liberdades Civis, acende vela em memória das vítimas do Holodomor
    Oleksandra Matviichuk, chefe da ONG Centro pelas Liberdades Civis, acende vela em memória das vítimas do Holodomor Foto: Arquivo pessoal
  •  Crédito: Arquivo Pessoal. Oleksandra Matviichuk, ativista de direitos humanos da organização não governamental Centro para Liberdades Civis, em Kiev
    Crédito: Arquivo Pessoal. Oleksandra Matviichuk, ativista de direitos humanos da organização não governamental Centro para Liberdades Civis, em Kiev Foto: Arquivo Pessoal
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação