Peru

Congresso do Peru rejeita proposta de antecipar eleições

Legisladores não chegam a votos suficientes para remarcação do pleito. Medida era uma das principais demandas dos manifestantes. Desde a destituição e a prisão do presidente Castillo, 20 pessoas morreram durante choques em várias cidades

Rodrigo Craveiro
postado em 17/12/2022 06:00
 (crédito: Diego Ramos/AFP)
(crédito: Diego Ramos/AFP)

Enquanto os peruanos contavam seus mortos, o Congresso da República tomava uma decisão que pode agravar a crise política deflagrada pelo autogolpe do presidente Pedro Castillo, seguido de sua destituição e prisão. Por 49 votos a favor, 33 contra e 25 abstenções, o Legislativo não conseguiu margem suficiente para aprovar a antecipação das eleições — por tratar-se de reforma constitucional, eram necessários 87 votos nas duas legislaturas ou 66 votos, ratificados por meio de referendo. Membro da Comissão de Constituição do Congresso e autor do requerimento, o deputado Hernando Guerra García pretendia que as eleições ocorressem em dezembro de 2023.

Até o fechamento desta edição, o governo da presidente Dina Boluarte, ex-vice de Castillo, admitia 20 mortes durante as manifestações — seis em Apurimac, uma em Arequipa, três em La Libertad, uma em Cuzco, uma em Junín e oito em Ayacucho. Ao todo, 63 dos mais de 500 feridos seguem hospitalizados. Apesar do estado de emergência em vigor até 14 de janeiro, os atos de vandalismo e os confrontos com militares prosseguem em várias cidades do Peru. Os manifestantes exigem a renúncia de Boluarte, a libertação de Castillo, o fechamento do Congresso e a realização de eleições imediatas. A expectativa era de que a aprovação da antecipação do pleito ajudasse a pacificar o país.

A recusa do Congresso em atender parte do apelo popular dificulta a permanência no poder da ex-vice de Castillo. "O que virá é a renúncia de Dina Boluarte, que dará vez a uma transição democrática", previu a congressista de esquerda Ruth Luque, citada pela agência de notícias France-Presse. "Pela quantidade de peruanos mortos, a senhora Boluarte deveria renunciar", engrossou o coro Susel Paredes, congressista de centro. Em ato de repúdio pelas mortes de manifestantes, os ministros Patrícia Cultura e Jair Pérez, titulares das pastas da Educação e da Cultura, se demitiram onte e aumentaram a pressão sobre Boluarte. Na quinta-feira, a Justiça acatou um pedido do Ministério Público e determinou a prisão preventiva de Castillo por 18 meses.

Tiros

Na madrugada de ontem, horas depois de o Exército do Peru reagir a uma tentativa de ocupação do aeroporto de Ayacucho (sul), que terminou em oito mortos, Boluarte prestou solidariedade aos familiares dos manifestantes. "Lamentamos o choro das mães em Ayacucho e sofremos com a dor das famílias em todo o país. Hoje, em um triste dia de violência, voltamos a lamentar as mortes de peruanos. Minhas profundas condolências aos enlutados. Reitero meu apelo à paz", escreveu a governante, em seu perfil no Twitter. A Defensora do Povo, Eliana Revollar, disse à agência de notícias France-Presse que os manifestantes carregavam estilingues e pedras. "Essas pessoas morreram devido ao impacto de tiros."

Sob condição de não ter o sobrenome divulgado, Melina, 38 anos, moradora de Ayacucho, relatou à reportagem que a situação permanecia tensa bastante na cidade. "As pessoas estão indignadas com o massacre de ontem (quinta-feira). Houve atos de vandalismo. Alguns manifestantes saíram às ruas e incendiaram prédios da Promotoria, revoltados com o silêncio do Ministério Público e do Poder Judiciário", contou. "Houve confrontos com a polícia, que voltou a disparar e a usar bombas de gás lacrimogêneo."

Presidente do instituto de pesquisas Ipsos Perú, o analista político Alfredo Torres afirmou ao Correio que o Congresso da República está muito desprestigiado. "Há mais de 12 partidos, e a percepção é a de que não trabalha e que muitos congressistas estão ali apenas em benefício próprio", criticou. Ele explicou que existe consenso sobre a necessidade de antecipação das eleições. No entanto, as demandas secundárias são diversas. "Há três posições distintas. A esquerda quer a antecipação do pleito e da Assembleia Constituinte. O centro e a direita estão divididos entre os que querem mudanças no sistema eleitoral e eleições em 2024 e os que sentem que a rejeição cidadã é enorme e se veem dispostos a realizar a votação no próximo ano", observou. O problema, segundo ele, é que qualquer uma dessas soluções exige dois terços dos votos do Congresso. "Nenhuma parte os têm."

Turismo

A crise política trouxe transtornos para milhares de estrangeiros que visitam o Peru. Com o fechamento de estradas e de aeroportos, cerca de 5 mil turistas ficaram retidos em Cusco, antiga capital do Império Inca. Muitos deles ficaram em seus hotéis à espera da retomada dos voos. Ontem, o Ministério da Defesa anunciou a reabertura do aeroporto. Em Águas Calientes, porta de acesso às ruínas de Machu Picchu, cerca de 200 turistas, em sua maioria dos Estados Unidos e da Europa, enfrentaram uma caminhada de 30km até a cidade de Ollantaytambo, para buscarem uma conexão até Cusco.

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Alfredo Torres, presidente executivo da Ipsos Perú (empresa de pesquisa de mercado e opinião pública)
Alfredo Torres, presidente executivo da Ipsos Perú (empresa de pesquisa de mercado e opinião pública) (foto: Arquivo pessoal )

"Os protestos têm sido organizados por um partido de extrema esquerda chamado Movadef, integrado por pessoas que faziam parte ou que se simpatizavam com a guerrilha maoísta Sendero Luminoso. Ainda que não sejam mais terroristas, são muito violentos e organizados. Conseguem apoio da população pobre com base em uma 'narrativa' que apresenta o presidente destituído Pedro Castillo como vítima da direita de Lima."

Alfredo Torres, analista político e presidente do instituto de pesquisas Ipsos Perú

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