MANIFESTAÇÃO

Milhares de professores saem às ruas e pressionam governo português

Desde 16 de janeiro, docentes vêm fazendo greves, cada dia em um estado. A previsão é de que pelo menos 100 mil compareçam à manifestação em 11 de fevereiro, num desgaste enorme para o primeiro-ministro António Costa

Vicente Nunes - Correspondente em Portugal
postado em 26/01/2023 15:14 / atualizado em 26/01/2023 15:18
Francisco Gonçalves, secretário-adjunto, e Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores de Portugal -  (crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press)
Francisco Gonçalves, secretário-adjunto, e Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores de Portugal - (crédito: Vicente Nunes/CB/D.A Press)

Lisboa — Portugal se prepara para a maior manifestação de professores da história. A previsão é de que pelo menos 100 mil docentes tomem as ruas de Lisboa em dia 11 de fevereiro, numa demonstração clara da enorme insatisfação com o governo, que se recusa a aceitar os pleitos da categoria. Além da realização de concursos para a reposição de vagas, abertas por causa do grande número de aposentadorias, os profissionais cobram a reposição do tempo de serviço para promoções, que foi congelado em vários períodos por conta de programas econômicos — são seis anos, seis meses e 23 dias. Sem essa recomposição desse tempo, a maioria dos docentes não chegará ao topo da carreira. “Esses são dois pontos sagrados das nossas proposições”, afirma Mário Nogueira, secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), que reúne sete sindicatos.

A pressão sobre o governo só tende a aumentar, desgastando a imagem do primeiro-ministro Antônio Costa — cuja popularidade está em queda. Desde 16 de janeiro, os professores vêm cruzando os braços diariamente. A estratégia, que persistirá até 8 de fevereiro, consiste em parar um estado por dia. Nesta quinta-feira (26/01), foi a vez dos docentes de Faro, ao sul do país europeu. A adesão chegou a 95%, ou seja, 6 mi profissionais. Dentro do Ministério da Educação, se reconhece que os professores nunca estiveram tão mobilizados como agora e, nas ruas, têm recebido amplo apoio popular.
A realidade da educação em Portugal é preocupante.

“A percepção é de que os professores não existem para o governo. Não estamos exigindo nada do que manda a lei. Nossa carreira tem 34 anos de serviços para chegar ao topo, é a mais longa da União Europeia. Relatório do Conselho Nacional de Educação do ano passado mostra que, aqueles que lá chegaram, tinham 39 anos de serviço”, diz Nogueira. O que acontece, acrescenta, é que o governo está “roubando tempo de serviço dos docentes, porque todos trabalharam”. Segundo ele, diante desse contexto, 73% nunca chegarão ao topo da carreira. “Isso tem consequências imediatas, as pessoas ganham menos do que deveriam”, destaca.

As distorções são muitas, frisa Nogueira. No caso dos concursos, o Ministério da Educação anuncia vagas para preenchimento em áreas distantes das moradias dos professores, sem lhes dar qualquer tipo de assistência. Com isso, muitos desistem de lecionar. “O resultado é que milhares de estudantes estão ficando sem aulas por um longo período”, diz. Mais: “No ano passado, as disciplinas de Física e Química perderam 400 profissionais, que se aposentaram, e entraram apenas dois para substituí-los”. Ele chama a atenção ainda para os salários que, líquidos, variam entre 1.050 (R$ 5.775) e 1.900 (R$ 10.450) euros por mês, insuficiente para a sobrevivência de várias famílias, que sofrem com a disparada da inflação.

Desestruturação

No total, Portugal tem 120 mil professores ativos, dos quais 55% têm mais de 50 anos, caminhando para a reta final da profissão. O problema, segundo representantes dos docentes, é que não estão sendo formados jovens para lecionar, por falta de estímulos.

“Aqueles que decidirem ser professores aos 20, 21 anos, só entrarão para o quadro definitivo, com estabilidade, aos 46 anos. Até esse período, não podem ganhar como se fossem efetivos. Por isso, ninguém quer”, explica o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira.

Em 2021, das 840 vagas em universidades para Educação Básica, foram preenchidas 788, isto é, houve sobras. Não é só. “Um professor hoje com 20 anos de serviço, quando se aposentar, terá uma pensão em torno de 700 euros (R$ 3.850), o que não dá nem para pagar um aluguel”, emenda.

Diante das dificuldades nas negociações com o Ministério da Educação, representantes dos professores pediram ajuda ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, que ouviu todos os relatos, mas afirma que, por enquanto, não vai interferir no assunto. "Vamos ver a reação do ministério, isso é muito importante. A posição do governo e, sobretudo, a do senhor ministro da Educação é muito importante para se perceber se há, como eu espero, esperança de aproximação de pontos de vista ou se é mais difícil essa aproximação por razões administrativas, políticas ou financeiras", diz.

Entre os docentes, a pressa é grande. Nogueira e o secretário-adjunto da Fenprof, Francisco Gonçalves, reconhecem que, nos últimos anos, por conta das várias mudanças no sistema de aposentadoria, o governo conseguiu reter muita gente no magistério. Agora, contundo, com a idade avançada de muitos profissionais, as aposentadorias vão explodir. No ano passado, foram 2.401, sendo que menos de 1.200 pessoas foram preparadas para as vagas abertas. A previsão é de que, somente nos dois primeiros meses deste ano, 500 docentes se retirem das salas de aula. Não por acaso, especialistas temem por uma forte desestruturação do sistema educacional português, que, hoje, combina profissionais envelhecidos e alunos desmotivados.

Cobertura do Correio Braziliense

Quer ficar por dentro sobre as principais notícias do Brasil e do mundo? Siga o Correio Braziliense nas redes sociais. Estamos no Twitter, no Facebook, no Instagram, no TikTok e no YouTube. Acompanhe!

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

CONTINUE LENDO SOBRE