Ucrânia

Xi Jinping e Putin: muita conversa e nenhum sinal de paz

Ao receber Xi Jinping, Vladimir Putin reconhece o plano chinês como possível base para um cessar-fogo, mas descarta uma trégua imediata. Líderes reforçam aliança contra o Ocidente e alertam para o risco de confronto nuclear

Rodrigo Craveiro
postado em 22/03/2023 06:00
Morador da cidade de Chasiv Yar, perto de Bakhmut, diante de casa em chamas depois de bombardeio: 391 dias de guerra  -  (crédito: Aris Messinis/AFP)
Morador da cidade de Chasiv Yar, perto de Bakhmut, diante de casa em chamas depois de bombardeio: 391 dias de guerra - (crédito: Aris Messinis/AFP)

Documentos de cooperação econômica; um acordo sobre o projeto de um gasoduto siberiano para fornecer gás russo à China, via Mongólia; um debate em torno de um pacto de defesa envolvendo Estados Unidos, Reino Unido e Austrália; e a preocupação comum com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Durante o segundo dia de reunião com Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, admitiu que o plano de paz de 12 pontos elaborado por Pequim poderia servir de base para interromper a guerra na Ucrânia. No entanto, advertiu que a iniciativa somente poderá ser levada adiante "quando o Ocidente e Kiev estiverem prontos". Em um dos comunicados conjuntos, Xi e Putin alertaram sobre o risco de uma guerra nuclear e instaram as potências atômicas a não colocarem suas armas fora de seus territórios. 

"As partes reiteram que não pode haver vencedores em uma guerra nuclear, e ela jamais deve ser desencadeada", afirma a declaração conjunta de China e Rússia. Também ontem, o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, alertou que "faltam cada vez menos passos" antes de uma "potencial colisão nuclear" entre Moscou e o Ocidente. O próprio Putin ameaçou uma "resposta", caso o Reino Unido envie à Ucrânia munições com urânio empobrecido. "Hoje soubemos que o Reino Unido (anunciou) não apenas a entrega de tanques à Ucrânia, mas também de mísseis com urânio empobrecido (...). Se isso ocorrer, a Rússia se verá obrigada a responder, avisou. "Parece que o Ocidente realmente decidiu combater a Rússia até o último ucraniano, não com palavras, mas com atos."

Enquanto Putin e Xi reforçaram a aliança contra potências ocidentais, o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, desembarcou na Ucrânia e mostrou indignação ao visitar a cidade de Bucha, símbolo das atrocidades da ocupação russa. Depois, reuniu-se com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no Palácio Mariinsky, em Kiev.

"É muito importante quando lideranças mundiais demonstram coragem visitando a Ucrânia, apesar de todos os riscos, e mostram respeito pelo nosso povo, o qual luta não apenas pela nossa independência, mas também pela preservação e pelo funcionamento das normas e da vida civilizada", disse Zelensky, em vídeo divulgado pelo Twitter. "Nossas conversas com o senhor Kishida foram bem produtivas. Essa visita ocorre no momento em que o Japão ocupa a presidência do G7, o grupo dos sete Estados democráticos." O presidente ucraniano relatou que debateu com o japonês temas como segurança, política, sanções econômicas e questões humanitárias. 

Yun Sun, codiretora do Programa Leste da Ásia e diretor do Programa China do think tank Stimson Center (em Washington D.C.), afirmou ao Correio que uma guerra nuclear não parece provável em um futuro próximo. "Não é como se a Rússia estivesse ficando sem opções de armas. Ela poderia usar bombas termobáricas", explicou. Esse armamento, também conhecido como bomba a vácuo, suga o oxigênio circundante do ar para gerar uma explosão de alta temperatura, o que potencializa a destruição. 

Ceticismo

Para a especialista, a importância da visita de Xi a Moscou está no apoio da China à Rússia, quase 13 meses depois do início da guerra. "Isso é um tipo de aval internacional que os russos têm buscado", pontuou. Sun vê argumentos razoáveis contra e a favor do fim da guerra na Ucrânia, sob o ponto de vista da China. "A questão é que Pequim não conseguirá fazer o conflito parar. A oportunidade não está madura. Não haverá um acordo entre Xi e Putin sobre um cessar-fogo", advertiu. 

Sun vê a declaração de Putin de que o plano de paz de Xi Jinping poderia parar a guerra como uma "generalização muito ampla". "É uma forma de os russos dizerem 'não', sem fechar a porta completamente e constranger a China. Talvez chegue o dia em que a Rússia precise de diálogos de paz muito mais do que hoje. Por que fechar a porta?", acrescentou. 

"Vladimir Putin utiliza um sabre nuclear enquanto ataca cidades ucranianas, supervisiona crimes de guerra e tenta subjugar uma nação soberana. Enquanto isso, Xi fornece cobertura para que o presidente russo se comporte de forma tão grotesca, enquanto lidera seu próprio país em uma expansão massiva de armas nucleares e ameaça uma agressão contra Taiwan", disse ao Correio Rebbecca L. Heinrichs, especialista em controle de armas  e não proliferação nuclear pelo Hudson Institute, também em Washington. 

Segundo Heinrichs, Putin faz muitas "ameaças exageradas" para tentar impedir os Estados Unidos e aliados de fornecerem armas à Ucrânia. "O Reino Unido repassou a Kiev armas inteiramente aceitáveis à defesa da Ucrânia. Tudo o que o Reino Unido deu aos ucranianos foi com o objetivo de repelir os invasores russos e defender a soberania da Ucrânia e a segurança da Otan. Putin teria muito menos que reclamar se planejasse a retirada de suas tropas da ex-república soviética."

  • O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, recebe o premiê japonês, Fumio Kishida, no Palácio Mariinsky, em Kiev
    O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, recebe o premiê japonês, Fumio Kishida, no Palácio Mariinsky, em Kiev Foto: Presidência da Ucrânia/AFP
  • Xi Jinping e Vladimir Putin participam de cerimônia de assinatura de acordos, em Moscou: cooperação econômica
    Xi Jinping e Vladimir Putin participam de cerimônia de assinatura de acordos, em Moscou: cooperação econômica Foto: Mikhail Tereshchenko/Sputnik/AFP
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação