Entrevista

"Não temos escolha a não ser lutar", diz ucraniana que ganhou Nobel da Paz

Oleksandra Matviichuk afirma que seu país tem a obrigação moral de proteger a população das áreas ocupadas pela Rússia. A advogada cobra coragem de líderes internacionais, inclusive do presidente Lula, na pressão por julgamento de Putin

Rodrigo Craveiro
postado em 08/05/2023 06:00
Oleksandra Matviichuk -  (crédito: Divulgação)
Oleksandra Matviichuk - (crédito: Divulgação)

Chefe da organização não governamental ucraniana Centro pelas Liberdades Civis (CCL), uma das ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz em 2022, Oleksandra Matviichuk, 39 anos, alerta: "(O presidente russo Vladimir) Putin só vai parar quando for parado". Em entrevista ao Correio, por telefone, ela afirmou que a Ucrânia quer o fim da guerra mais do que ninguém. No entanto, advertiu: "A paz não virá em um país que, depois de ser invadido, parar de combater." A advogada e ativista dos direitos humanos cobrou bravura de líderes internacionais para apoiarem o Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, em um eventual julgamento de Putin por crimes de guerra. E enviou um recado ao presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que causou polêmica ao fazer declarações sobre a invasão à Ucrânia. "Esperamos dele coragem e responsabilidade histórica para apoiar a democracia ucraniana", afirmou Matviichuk. Ela denunciou a deportação de crianças ucranianas para a  Rússia e as violações sistemáticas, por parte das forças de Moscou, do direito humanitário internacional. 

Como a senhora vê as denúncias de que soldados invasores deportaram crianças ucranianas para a Rússia?

Quando falamos sobre a deportação ilegal de crianças ucranianas da Ucrânia para a Rússia, falamos de um número enorme. É difícil não saber o que está ocorrendo. Nós estamos cientes de vários casos e sabemos de cada um deles em detalhes. 

Com a iminência da contraofensiva da Ucrânia, a senhora espera muito mais violações dos direitos humanos no campo de batalha?

Nós estamos em uma fase importante da guerra. Mesmo sem a contraofensiva, a Rússia ataca — de forma frequente — cidades ucranianas e assassina civis. Os terroristas russos ainda ocupam nossos territórios. Mesmo antes da contraofensiva, o nível de violações dos direitos humanos é bastante alto. 

Em 438 dias de guerra, quais foram as violações mais graves registradas por sua ONG?

A Rússia abertamente violou o direito humanitário internacional ao ignorar as decisões das organizações internacionais. Eu citaria que, no ano passado, o Tribunal Penal Internacional ordenou que as tropas russas imediatamente abandonassem o território ucraniano. No entanto, a Rússia negligenciou essa decisão da Corte de Haia. Nós observamos que o sistema das Nações Unidas não pode deter as atrocidades da Rússia. É difícil dizer qual a violação dos direitos humanos mais grave. Isso porque a Rússia violou várias normas do direito humanitário internacional e é muito difícil aferir o nível de dor humana que ela infligiu. 

Na sua opinião, qual é o roteiro para a paz na Ucrânia?

Putin somente vai parar quando ele for parado. A Ucrânia quer a paz mais do que qualquer um. A paz não  virá em um país que, depois de ser invadido, parar de combater. Em tal cenário, não haverá paz, mas ocupação. Não temos outra escolha a não ser lutar. Nós estamos lutando pelas pessoas que vivem nos territórios sob ocupação. Não temos o direito moral de deixar essas pessoas sozinhas, à mercê da tortura e da morte. 

A senhora acredita que Putin realmente poderá responder pelos crimes em Haia?

Nós temos todas as provisões necessárias do direito internacional para processar Putin por crimes de guerra que ele e o Exército russo cometeram na Ucrânia. O que nós precisamos é de bravura e responsabilidade histórica. Precisamos que líderes de diferentes nações apoiem os esforços do Tribunal Penal Internacional. Precisamos de líderes que entendam que, em uma perspectiva de longo prazo, viver em um mundo onde países com forte poderio militar e nuclear ditam as normas para o restante da comunidade internacional será perigoso para todos, sem exceção. 

Que posicionamento a senhora espera do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva?

Esperamos dele coragem e responsabilidade histórica para apoiar a democracia ucraniana contra o autoritarismo russo. 

Lula deu declarações consideradas controversas sobre a invasão à Ucrânia... 

Essa não é uma guerra apenas entre Estados. É uma guerra entre dois sistemas: autoritarismo e democracia. Putin tenta convencer o mundo inteiro que a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos são valores falsos, porque eles não podem protegê-lo durante a guerra. Ele tenta convencer o mundo de que um Estado forte, com potencial militar e armas nucleares, pode ditar suas regras a toda a comunidade internacional e até mesmo forçosamente mudar as fronteiras internacionais. Isso não é um problema apenas para a Ucrânia, mas para todo o mundo. Se não formos capazes de restaurar, em um futuro próximo, a ordem internacional e defender a dignidade humana, enviaremos um mau sinal a outras partes do mundo. Nós nos encontraremos numa situação em que não poderemos defender a nossa população e fornecer a ela garantias de segurança e de defesa dos direitos humanos. Como eu disse, será um mundo dominado pela força, e esse mundo será perigoso para todos, sem exceção. Por isso, nós contamos com o apoio de todos os países que expressam os mesmos valores — solidariedade e respeito à dignidade humana. Valores não se limitam a fronteiras nacionais. A situação da guerra da Rússia contra a Ucrânia terá um impacto enorme sobre o mundo que gostamos. 

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