Estados Unidos

EUA temem caos na fronteira com o México por política migratória

Fim do Título 42, norma que permitia expulsão automática do país, leva migrantes ilegais em cifras recordes à fronteira com o México. Autoridades se preparam para uma catástrofe humanitária e mobilizam 24 mil agentes. Especialistas explicam mudanças na política migratória

Rodrigo Craveiro
postado em 12/05/2023 06:00
 (crédito: Alfredo Estrella/AFP)
(crédito: Alfredo Estrella/AFP)

A poucas horas de o Título 42 — norma implementada pelo ex-presidente Donald Trump durante a pandemia da covid-19 que permitia a expulsão automática de migrantes ilegais — deixar de vigorar, na madrugada desta sexta-feira (12/5), os Estados Unidos registraram índices recordes de travessias na fronteira sul, com o México. Desde o início da semana, uma média de 10 mil estrangeiros não documentados entraram diariamente em território norte-americano. Agentes da Patrulha de Fronteiras dos EUA, soldados e autoridades de cidades posicionadas ao longo dos 3.200km de divisa tentaram manter a ordem.

À 0h59 desta sexta-feira (12/5, no horário de Brasília), o Título 42 expirou e reorientou a política migratória a uma postura mais inflexível em relação aos estrangeiros irregulares, com a retomada do Título 8. No mesmo horário, entrou em vigor a regra de presunção da "inelegibilidade" ao asilo, que fica condicionado a duas exigências: ter seguido as "vias legais" ou ter sido solicitado em um país de trânsito e sido negado. 

"Nossas fronteiras não estão abertas", avisou Alejandro Mayorkas, secretário de Segurança Interna dos EUA. "As pessoas que cruzarem nossas fronteiras ilegalmente e sem base legal para permanecerem serão processadas e deportadas", avisou. Ainda segundo Mayorkas, um indivíduo deportado sob o Título 8 estará sujeito a uma proibição de reentrada nos EUA por um período de cinco anos e poderá enfrentar processo criminal, caso tente ingressar no país novamente. Ele acusou os "coiotes" — traficantes de migrantes ilegais — de espalharem informações falsas sobre uma suposta abertura das fronteiras. "Estão mentindo. Para as pessoas que pensam em fazer a jornada até nossa fronteira sul, saibam disso: traficantes apenas se importam com o seu lucro, não com as pessoas." Ele prevê a rápida transição do Título 42 para o Título 8, com o apoio de 24 mil agentes e oficiais da Patrulha da Fronteira. 

Em El Paso, no Texas, fronteira com o México, Irineo Mujica Arzate — diretor da ONG Pueblos Sin Fronteras — contou à reportagem que os migrantes estão "bastante perplexos". "Alguns estão esgotados por causa da espera pelo processamento do asilo e outros demonstram desespero. A situação mais grave está no lado mexicano da fronteira. Para os migrantes que estão em El Paso, creio que o governo de Joe Biden atuará de maneira favorável para a grande maioria. Mas o aplicativo CBP One — para agendamento de entrevistas de asilo nos portos de entrada — não oferece uma solução a muitos dele."

Em entrevista ao Correio, o sociólogo Ernesto Castañeda, diretor do Centro para Estudos Latinos e Americanos da American University (em Washington), explicou que, com a expiração do Título 42, uma nova tentativa de entrar nos Estados Unidos, por parte de migrantes ilegais, será menos casual. "O Título 42 permitia um retorno mais informal, sem a criação de registros administrativos ou criminais. Com o fim dessa política associada à pandemia, os EUA tornarão a deter pessoas não documentadas, mesmo que se entreguem à Imigração. As autoridades norte-americanas também ficharão essas pessoas, registrando seus nomes, fotografias e impressões digitais. Novas tentativas de entrada no país poderiam surtir em penalidades e em proibições de ingresso por cinco anos ou mais", disse. Durante o tempo em que vigorou, o Título 42 foi usado para expulsar migrantes 2,8 milhões de vezes.

Mais difícil

Ao mesmo tempo, Castañeda alerta que pedir asilo na fronteira para migrantes provenientes de países e regiões, como Brasil, Peru e América Central, será mais difícil. "Os estrangeiros ilegais precisarão usar o aplicativo CBP One, que tem limite de mil atendimentos por dia. As pessoas deverão ter solicitado e negado o asilo em outra nação, no caminho para os EUA. Outras serão enviadas aos centros regionais, a fim de se inscreverem lá. Por isso, continuará a existir pressão não apenas durante a espera de processamento no México, mas também mais ao sul", afirmou.

Professor de antropologia na Universidade do Texas em El Paso, Josiah Heyman admitiu à reportagem que existe uma catástrofe humanitária na fronteira. "Muitas dezenas de milhares de pessoas estão retidas nas cidades ao norte do México. Essas localidades carecem de abrigo e de serviços suficientes, e têm altos índices de violência e criminalidade. As novas políticas continuarão com isso", comentou o estudioso, também diretor do Centro de Estudos Interamericanos e de Fronteiras. Por sua vez, Castañeda vê o risco de catástrofe como algo real, independentemente da expiração do Título 42. "O problema está em quantas pessoas abandonam suas casas por situações de força maior, tanto na América Latina quanto no Caribe", avaliou o professor da American University. 

Para Heyman, a decisão dos Estados Unidos representa o abandono explícito da lei de asilo dos EUA, seguindo o direito internacional, a qual permite a qualquer pessoa que entrar em um país, de qualquer maneira, apresentar o seu pedido de asilo. "Os Estados Unidos violarão sua própria lei. Disso, não há dúvida. Não apenas os EUA, mas os países e regiões ricas de todo o mundo abandonaram a ideia de asilo, de humanidade compartilhada, em favor de impedir a entrada de novas pessoas", explicou. "É uma tentativa de fechamento do mundo, dos prósperos contra os mais pobres. Isso pode ser observado também no Mediterrâneo."

De acordo com Elizabeth Vaquera, diretora executiva do Instituto de Liderança Hispânica Cisneros da Universidade George Washington (em Washington), o fim do Título 42 representa um retorno ao Título 8. "O direito a buscar asilo nos portos de entrada e entre eles pode ser encontrado no Título 8. Com ênfase na dissuasão, a Casa Branca continuará a devolver à força cidadãos não mexicanos ao México após o fim do Título 42, sob ordens formais de deportação", advertiu ao Correio.

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  • Homem escala o muro na fronteira, depois de coletar mantimentos para outros migrantes, em Tijuana
    Homem escala o muro na fronteira, depois de coletar mantimentos para outros migrantes, em Tijuana Foto: Guillermo Arias/AFP
  •  WASHINGTON, DC - MAY 10: Secretary of Homeland Security Alejandro Mayorkas speaks during a press conference May 10, 2023 in Washington, DC. During the press conference, Mayorkas provided an update on planning and operations in advance of the cessation of the Title 42 public health order.   Win McNamee/Getty Images/AFP (Photo by WIN MCNAMEE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
    WASHINGTON, DC - MAY 10: Secretary of Homeland Security Alejandro Mayorkas speaks during a press conference May 10, 2023 in Washington, DC. During the press conference, Mayorkas provided an update on planning and operations in advance of the cessation of the Title 42 public health order. Win McNamee/Getty Images/AFP (Photo by WIN MCNAMEE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP) Foto: Win McNamee/Getty Images/AFP

EU ACHO

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"Podemos chamar o Título 8 de 'norma Biden', que será mais difícil do que o Título 42. Isso porque o Título 42 imediatamente deportou as pessoas, mas elas poderiam retornar sem penalidades e seriam capazes de solicitar asilo, caso isso fosse adequado. A 'norma Biden' proíbe a solicitação de asilo, a menos que ele seja liberado com antecedência ou em circunstâncias extremas. As pessoas devem pedir asilo em nações antes de chegarem aos Estados Unidos, como o México, que, muitas vezes, é perigoso. As pessoas que chegarem sem permissão prévia para pedir asilo serão deportadas e não poderão voltar por cinco anos."

Josiah Heyman, professor de antropologia na Universidade do Texas em El Paso

  • Ernesto Castañeda, diretor do Centro para Estudos Latinos e Americanos da American University (em Washington)
    Ernesto Castañeda, diretor do Centro para Estudos Latinos e Americanos da American University (em Washington) Foto: American University
  • Elizabeth Vaquera, diretora executiva do Instituto de Liderança Hispânica Cisneros da Universidade George Washington (em Washington)
    Elizabeth Vaquera, diretora executiva do Instituto de Liderança Hispânica Cisneros da Universidade George Washington (em Washington) Foto: Arquivo pessoal

Trump ainda não reconhece derrota

 (crédito: CNN/Reprodução)
crédito: CNN/Reprodução

Um Donald Trump combativo fez uma rara aparição ao vivo na emissora CNN, na quarta-feira (10/5). No ar, repetiu suas falsas alegações de fraude na eleição de 2020 e disparou insultos. Também zombou de uma ex-colunista de revista, que o acusou de abuso sexual e de difamação, em um processo no qual o republicano foi declarado culpado.

Trump participou do CNN Town Hall, um programa que ele denunciava como "fake news" ("notícias falsas") durante seu mandato na Casa Branca. No episódio, o republicano respondeu a um amplo leque de perguntas, com temas que abrangeram a guerra na Ucrânia, o limite da dívida, a imigração e os seus inúmeros desafios na Justiça.

Esse "town hall", como é conhecido na política americana esse debate com os eleitores, significou o retorno do republicano à emissora, da qual esteve ausente desde 2016. "A maioria das pessoas entende que o que aconteceu foi uma eleição fraudada", afirmou.

Se reeleito, ele disse que perdoará uma "grande parte" das centenas de seus apoiadores presos por envolvimento no ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio, em Washington. "Eles estavam lá com amor em seus corações", acrescentou o republicano.

Favorito para a indicação republicana na corrida presidencial de 2024, Trump se recusou a assumir o compromisso de aceitar, sem reservas, os resultados da próxima disputa pela Casa Branca, ao ser pressionado pela âncora da CNN Kaitlin Collins, mediadora do evento. "Se eu achar que é uma eleição honesta, com certeza eu aceitaria", disse Trump.

Depois de uma enxurrada de críticas de que o ex-presidente usou o espaço para repetir mentiras e lançar insultos, a CNN se defendeu, ontem. Em nota transmitida aos demais veículos da imprensa, o canal afirmou que Collins "ilustrou o que é ser uma jornalista de primeira linha".

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