Uma mulher que já foi chamada de "a pior assassina em série da Austrália" foi perdoada depois que novas provas indicaram que ela pode não ter matado seus quatro filhos pequenos.
Kathleen Folbigg passou 20 anos na prisão depois que um júri concluiu que ela matou os filhos Caleb e Patrick e as filhas Sarah e Laura ao longo de uma década.
Mas uma investigação recente mostrou que cientistas acreditam que eles possam ter morrido naturalmente.
O caso envolvendo a mulher de 55 anos foi descrito como um dos maiores erros da Justiça da Austrália.
Folbigg sempre defendeu sua inocência. Ela foi condenada a 25 anos de prisão em 2003 pelos homicídios dolosos de três das crianças e pelo homicídio culposo de seu primeiro filho, Caleb.
As crianças morreram entre os anos de 1989 e 1999, com idades que variavam entre 19 dias e 19 meses nos momentos das mortes.
Durante o julgamento de Folbigg, promotores alegaram que elas foram sufocadas pela mãe.
Recursos anteriores e uma investigação separada de 2019 sobre as mortes não concluíram haver dúvidas razoáveis para o caso ser julgado novamente, dando maior peso às evidências circunstanciais apresentadas durante o julgamento.
Mas no novo inquérito, comandado pelo juiz aposentado Tom Bathurst, os promotores aceitaram que a pesquisa sobre mutações genéticas mudou a compreensão sobre a morte das crianças.
Nesta segunda-feira (5/6), o procurador-geral do Estado de Nova Gales do Sul, Michael Daley, disse que Bathurst havia concluído haver dúvidas razoáveis sobre a culpa de Folbigg.
Como resultado, o governador de NSW assinou um perdão total e ordenou a libertação imediata de Folbigg da prisão.
"Tem sido uma provação de 20 anos para ela. Desejo-lhe paz", disse Daley, acrescentando que seus pensamentos também estão com o pai das crianças, Craig Folbigg.
Na última investigação, os advogados de Folbigg apontaram para a "implausibilidade fundamental" de quatro crianças de uma família terem morrido de causas naturais com menos de dois anos.
O perdão incondicional não anula as condenações de Folbigg, disse Daley. Essa seria uma decisão para o Tribunal de Apelações Criminais, se Bathurst decidir encaminhar o caso à corte — um processo que pode levar até um ano.
Se suas condenações forem anuladas, ela poderá processar o governo australiano e reivindicar uma indenização multimilionária.
Seu caso foi comparado ao de Lindy Chamberlain, que em 1982 foi considerada culpada pelo assassinato de sua filha de nove semanas, apesar de sua alegação de que um cão selvagem havia levado o bebê. Ela recebeu 1,3 milhões de dólares australianos (R$ 4,24 milhões segundo a cotação atual) em 1992 por sua condenação injusta.
Mas alguns defensores dizem que o caso de Chamberlain, presa por três anos, é insignificante em comparação com o de Folbigg.
"É impossível dimensionar o dano infligido a Kathleen Folbigg — a dor de perder seus filhos [e] quase duas décadas trancadas em prisões de segurança máxima", disse sua advogada, Rhanee Rego.
Lei deve ser mais 'sensível à ciência'
O julgamento de Folbigg em 2003 centrou-se em evidências circunstanciais, principalmente diários que expressavam sua dificuldade com a maternidade.
Esses diários foram entregues à polícia em 1999 por seu então marido, Craig Folbigg, que com o tempo se convenceu de que sua esposa era culpada.
O casal se divorciou em 2000.
As anotações do diário — nas quais ela sofre com a morte de seus filhos e descreve como "a culpa por todos eles me assombra" — formariam a base da acusação feita pela promotoria.
Mas não havia nenhuma evidência física de sufocamento ou ferimentos nas crianças.
Uma campanha liderada por amigos de Folbigg levou a uma petição para revisar suas condenações com base em descobertas de patologia forense.
No recente inquérito, uma equipe de imunologistas descobriu que as filhas de Folbigg compartilhavam uma mutação genética — chamada CALM2 G114R — que pode causar morte súbita por parada cardíaca.
Também foram descobertas evidências de que seus filhos possuíam outra mutação genética, que já foi estudada em camundongos e estaria ligada à epilepsia de início súbito.
A professora Carola Vinuesa, da Universidade Nacional Australiana, que comandou a equipe de pesquisa, disse que uma sequência genética incomum ficou imediatamente óbvia no DNA de Folbigg.
"Fizemos o primeiro teste e encontramos uma variante [do gene] que parecia muito suspeita. Mesmo em novembro de 2018, pensávamos que havia uma probabilidade muito alta de que a mutação fosse a culpada, se encontrada nas crianças", disse ela à BBC.
Segundo Vinuesa, havia apenas 134 casos conhecidos em todo o mundo da doença cardíaca potencialmente mortal ligada à mutação genética.
Ela descreveu a decisão de perdoar Folbigg como um "momento bonito" que pode oferecer esperança a outras mulheres em situações semelhantes.
"Fomos abordados sobre mulheres que perderam filhos, ou que foram acusadas de infligir danos a eles, e os casos parecem ser também crianças com condições genéticas graves", disse ela.
A Academia Australiana de Ciências diz que o caso mostra a necessidade de uma reforma que torne o sistema jurídico mais "sensível à ciência", um apelo repetido pelo advogado de Folbigg.
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