Estados Unidos

No tribunal, Trump se diz inocente em caso de documentos secretos

Ex-presidente é fichado e formalmente denunciado por 37 acusações de retenção de documentos secretos, obstrução da Justiça e falso testemunho. Magnata republicano recebe apoio de centenas de eleitores, em Miami, e volta a denunciar "caça às bruxas"

Rodrigo Craveiro
postado em 14/06/2023 06:00
Trump acena enquanto deixa o prédio da Corte Federal, em Miami, protegido por homens do Serviço Secreto dos EUA  -  (crédito: Ricardo Arduengo/AFP)
Trump acena enquanto deixa o prédio da Corte Federal, em Miami, protegido por homens do Serviço Secreto dos EUA - (crédito: Ricardo Arduengo/AFP)

Nunca antes na história dos Estados Unidos um presidente tinha sido formalmente acusado de crimes federais. Até a tarde desta terça-feira, 13/6. Exatamente 70 dias depois de ser indiciado com 34 acusações criminais de falsificação de registros contábeis decorrentes de três casos de suborno antes das eleições, o ex-presidente Donald Trump, 76 anos, tornou a ser fichado. Dessa vez, ele foi formalmente denunciado pela "retenção ilegal de informações vinculadas à segurança nacional, obstrução da Justiça e falso testemunho". O magnata republicano declarou-se inocente ao comparecer a um prédio da Corte Federal em Miami. "Estamos, sem dúvida, entrando com uma declaração de inocência", declarou Todd Blanche, advogado de Trump.

À noite, durante discurso em Bedminster (Nova Jersey), Trump atacou a Justiça e o presidente Joe Biden. “Hoje, testemunhamos o mais maligno e hediondo abuso de poder da história de nosso país. Vemos um presidente corrupto parar seu rival político, detido com base em acusações falsas e fabricadas. Inúmeros  outros presidentes serão culpados”, advertiu. Mais cedo, em sua rede social Truth Social, ele chamou de  lunático” o procurador Jack Smith, responsável pela investigação que elenca 37 acusações de crimes federaisAssim que chegou ao tribunal, Trump foi temporariamente detido e teve as impressões digitais  colhidas eletronicamente. Não houve a necessidade de fazer a foto de réu, por ele ser facilmente  reconhecível. Depois, assistiu à leitura das acusações por parte do juiz Jonathan Goodman. Sentado, com  os braços curvados, tinha o semblante cerrado.

Nova audiência está marcada para 27 de junho. O republicano é acusado pela Procuradoria de ter armazenado, na sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida, dezenas de caixas com documentos confidenciais retirados da Casa Branca. Alguns desses dossiês continham informações secretas sobre armas nucleares. 

Caixas de dossiês confidenciais armazenadas em banheiro do resort privativo, na Flórida
Caixas de dossiês confidenciais armazenadas em banheiro do resort privativo, na Flórida (foto: Departamento de Justiça dos EUA/AFP)

"Comida para todos"

A apresentação na Corte Federal durou cerca de 45 minutos e ocorreu na véspera do 77º aniversário do ex-presidente. Além de Trump, o assessor Walt Nauta responderá por ocultar documentos solicitados pelo FBI, a polícia federal norte-americana. Goodman proibiu Trump e Nauta de se comunicarem nos próximos dias, mas não impôs restrições de viagem. Do tribunal, ele seguiu até um restaurante cubano Little Havana. "Vocês estão prontos? Vocês estão prontos?", perguntou aos funcionários do estabelecimento. "Comida para todo mundo", ordenou. Militantes republicanos oraram com ele e cantaram "Parabéns para você". "Estamos em um país corrupto", disse Trump aos apoiadores, referindo-se às acusações contra ele. "Um país em declínio como nunca antes. Acho que se trata de uma armação".

Para Mitchell Epner, ex-procurador federal para o Distrito de Nova Jersey, "este é o caso criminal mais importante da história dos EUA". "Ele carrega a possibilidade de definir se Donald Trump será eleito mais uma vez presidente ou não", explicou ao Correio, por e-mail. "Existe uma possibilidade real de que ele seja condenado e sentenciado a uma pena de prisão que não terá tempo de vida suficiente para cumprir. As Diretrizes de Sentença, neste caso, apontam entre 14 anos e 17 anos e meio de cadeia, na hipótese de condenação."

Professor de direito da Universidade Estadual da Geórgia, Anthony Michael Kreis lembrou à reportagem que, nos EUA, um dos mais importantes princípios constitucionais é o de que ninguém está acima da lei. "Poucas pessoas duvidam que, se qualquer outro cidadão fizesse o que Trump fez, teria sido processado. A formalização das acusações reflete a ideia de que a lei deve ser aplicada a todos, sem medo ou favor." 

Segundo Kreis, as alegações contra Trump são "muito sérias". "Os detalhes contidos na ata de acusação mostram-se condenatórios. Se provados, mostram que Trump violou intencionalmente a lei e arriscou a segurança nacional dos Estados Unidos", alertou. O estudioso explicou que o caso seguirá com questões processuais e diversas moções pré-julgamento. "Levará algum tempo até que qualquer julgamento seja agendado. No geral, serão algumas semanas tranquilas daqui para frente", previu. 

Osmany Estrada (E), opositor de Trump, exibe cabeça de corpo, ao lado de Gregg Donovan, eleitor do republicano, diante da Corte Federal de Miami
Osmany Estrada (E), opositor de Trump, exibe cabeça de corpo, ao lado de Gregg Donovan, eleitor do republicano, diante da Corte Federal de Miami (foto: Joe Raedle/Getty Images/AFP)

"Duplo padrão"

Uma cartola preta com a foto de Trump; uma grossa corrente de ouro no pescoço presa a um enorme crachá com a inscrição "Em Trump, nós confiamos"; óculos de aro e lente vermelhos; fraque vermelho e dois cartazes de campanha para as eleições de 2024. Gregg Donovan, 63 anos, tornou-se centro das atenções diante do prédio da Corte Federal, onde centenas de simpatizantes do ex-presidente se reuniram. "Trump é o maior presidente que tivemos. Há um duplo padrão neste país. Ninguém está seguro", desabafou ao Correio, por telefone, entre uma e outra foto, na tarde de ontem.

Ele comparou o fichamento do magnata republicano ao assassinato de Joh F. Kennedy como tragédias que se abateram sobre os Estados Unidos. "Trump foi, basicamente, condenado a uma pena perpétua", admitiu. 

Donovan tornou a afirmar que a Justiça norte-americana age com dois pesos, duas medidas. "Joe Biden também estava em posse de um punhado de documentos em sua garagem, em seu Corvette. Ninguém sabe o que Biden tinha de fato", disse. "Todos dizem que os documentos que Trump levou eram secretos. Para ser honesto, todo mundo comete erros. Isso vai fazer com que ele ganhe as eleições, o que é ótimo."

Ele descreveu a atmosfera em Miami como "muito positiva" e admitiu-se surpreso com a quantidade de eleitores de Trump. "Eu queria ter ido a Nova York, quando Trump compareceu à Corte, mas estava com medo. Aqui, as pessoas são amigáveis. Inclusive, brasileiros tiraram fotos minhas."

"Não consigo acreditar que Trump esteja passando por isso de novo", disse Lázaro Ezenar à AFP, referindo-se às acusações criminais de fraude contábil apresentadas contra Trump no começo de abril, no estado de Nova York. Trump teria pago suborno a Stormy Daniels, uma atriz de filmes pornôs com quem teria mantido uma relação extraconjugal, e declarou o dinheiro como "honorários advocatícios".

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    Osmany Estrada (E), opositor de Trump, exibe cabeça de corpo, ao lado de Gregg Donovan, eleitor do republicano, diante da Corte Federal de Miami Foto: Joe Raedle/Getty Images/AFP
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    Eleitor do ex-líder republicano segura um cruz do lado de fora da Corte Foto: Anna Moneymaker/Getty Images/AFP
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    Fantasiado de Tio Sam, norte-americano externa apoio ao ex-chefe de Estado Foto: Ricardo Arduengo/AFP
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    Caixas de dossiês confidenciais armazenadas em banheiro do resort privativo, na Flórida Foto: Departamento de Justiça dos EUA/AFP

Manifestante vestido de prisioneiro é preso ao tentar bloquear comitiva

 (crédito: Octavio Jones/Getty Images/AFP)
crédito: Octavio Jones/Getty Images/AFP

Manifestante vestido de prisioneiro é preso ao tentar bloquear comitiva

Dominic Santana resolveu protestar contra Donald Trump vestido de presidiário, uma forma de pedir a prisão do magnata republicano. Acabou preso de verdade. Com um cartaz nas mãos, em que aparecia a mensagem "tranquem-no", o manifestante colocou-se diante da comitiva do ex-presidente, no momento em que ele deixava o tribunal. Dois seguranças imediatamente retiraram Dominic do meio da rua. Ele foi derrubado no chão e, com o rosto prensado no solo, recebeu algemas. Fotógrafos e curiosos registraram a cena. 

 

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