ELEIÇÕES

Equador: o resultado da votação histórica que impacta no futuro da exploração de petróleo na Amazônia

Eleitores do país sul-americano escolherão novo presidente e se pronunciarão em plebiscito ambiental histórico neste domingo.

Plebiscito sobre desenvolvimento econômico versus proteção ambiental nos pulmões do mundo -  (crédito: AFP)
Plebiscito sobre desenvolvimento econômico versus proteção ambiental nos pulmões do mundo - (crédito: AFP)
BBC
Alejandro Millán Valencia e Fernando Duarte - Serviço Mundial da BBC
postado em 21/08/2023 14:55 / atualizado em 21/08/2023 16:36

Os equatorianos foram às urnas no último domingo (20/8) para escolher um novo presidente, mas também para ganhar voz nas políticas ambientais de seu país, em meio a um pleito marcado por violência política.

Além de escolher entre oito candidatos que concorrem à Presidência, elegendo Luisa González e Daniel Noboa para o segundo turno, os eleitores votaram sobre o futuro de uma polêmica operação de perfuração de petróleo na floresta amazônica.

O plebiscito era sobre o destino do "Bloco 43", um grupo de campos de exploração de petróleo localizados no Parque Nacional Yasuni, uma das áreas ambientais mais ricas do mundo.

Segundo o Conselho Nacional Eleitoral, 59% das pessoas responderam "Sim" para acabar com a exploração no Bloco 43.

O Yasuni cobre mais de 1 milhão de hectares e abriga pelo menos 2 mil espécies de árvores e arbustos, 204 espécies de mamíferos, 610 espécies de pássaros, 121 espécies de répteis, 150 espécies de anfíbios e 250 espécies de peixes.

É também o lar de várias populações indígenas — incluindo pelo menos duas das últimas tribos "isoladas" do mundo — aqueles que voluntariamente recusaram a interação com o mundo exterior.

A perfuração ocorre no 'Bloco 43' desde 2016. Isso ocorreu após a tentativa fracassada do presidente Rafael Correa de garantir um pacote de compensação global para manter o petróleo no solo.

Segundo estimativas do governo, o 'Bloco 43' fornece 12% dos 466 mil barris de petróleo produzidos por dia pelo Equador.

Um em cada quatro equatorianos vive na pobreza, segundo dados do Banco Mundial.

E não foi a única consulta ambiental realizada naquele dia.

Os cidadãos da cidde de Quito expressaram sua discordância com o avanço da exploração mineral em uma área de grande importância devido à sua biodiversidade: o Chocó Andino.

Localizada a cerca de 40 quilômetros do centro da cidade, esta região é uma rica reserva ecológica e, ao mesmo tempo, contém depósitos minerais como ouro e cobre.

Por essa razão, ao longo dos últimos anos, ativistas do coletivo "Quito sem mineração" têm impulsionado uma consulta popular com quatro questões para que os moradores da área pudessem indicar se concordavam em proibir a exploração mineral em âmbito artesanal, de pequena, média e grande escala.

A resposta nesta consulta regional foi mais contundente: 67% dos eleitores se declararam a favor da proibição.

“Conseguimos o maior consenso nacional. Ou seja, o que os políticos nos dividem, conseguimos unir na natureza", disse à BBC Mundo Pedro Bermeo, um dos líderes da iniciativa cidadã.

“Não se trata de acabar com a exploração de petróleo. É uma mensagem de que as comunidades têm o direito de decidir o que acontece em seus ambientes. No caso, os indígenas", afirmou.

Bloco 43

O governo do atual presidente Guillermo Lasso, que desencadeou uma eleição antecipada em maio em uma tentativa de evitar processos de impeachment, diz que o fechamento das operações custará ao país US$ 1,2 bilhão (R$ 6 bilhões) por ano em receitas perdidas.

Mas organizações ambientais e de direitos indígenas dizem ser um pequeno preço a pagar.

Para a líder indígena Alicia Cahuiya, da tribo Waorani, um dos povos indígenas que vivem em Yasuni, a reserva natural desempenha um papel crucial no combate às mudanças climáticas, ajudando a capturar o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera.

"O Yasuni tem sido como uma mãe para o mundo... Precisamos levantar nossas vozes e mãos para que nossa mãe se recupere, para que não se machuque, não seja espancada", disse ela à agência de notícias AFP.

Os cientistas também alertaram que a destruição da Amazônia, que se estende por oito países sul-americanos, inclusive o Brasil, está comprometendo sua capacidade de atuar como um "sumidouro de carbono", absorvendo mais carbono do que liberando.

Luisa Gonzalez, a favorita na corrida presidencial, evitou tocar na polêmica durante a maior parte de sua campanha, mas quebrou o silêncio no início de agosto com uma declaração que deixou o campo anti-petróleo preocupado.

"Por que você não pede aos países que mais poluem que depositem US$ 1,2 bilhão em um fundo para nós?", tuitou ela, antes de sugerir que aqueles que propuseram o plebiscito deveriam oferecer alternativas para gerar renda para o país.

Um debate entre natureza e exploração

Embora a violência sofrida pelo país tenha atraído mais atenção durante a campanha eleitoral, o futuro dessas regiões ganhou importância dentro e fora do país.

A mídia internacional lembrou que esta consulta foi a conclusão de uma iniciativa antiga.

Em 2007, o então presidente Rafael Correa lançou uma proposta inédita para a época: não extrair cerca de 850 milhões de barris de petróleo em troca de uma compensação financeira.

No entanto, seis anos depois, a iniciativa foi cancelada porque o dinheiro esperado não foi arrecadado. O governo então autorizou o início da exploração do campo.

Contudo, naquele período, um grupo de ativistas deu início a um processo para permitir que os cidadãos decidissem sobre a viabilidade da exploração. Um esforço que demandou uma década.

Com a vitória do "Sim", conforme anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral e confirmado pela Corte Constitucional ao aprovar a consulta em maio deste ano, o governo equatoriano não estará autorizado a celebrar mais contratos de exploração de petróleo nessa região.

Ademais, o governo terá um prazo de um ano para proceder à remoção gradual e organizada das infraestruturas petrolíferas localizadas no parque nacional.

"Para nós, ficou cristalino que a riqueza desse território transcende o aspecto material: reside em sua população e em sua biodiversidade", expressou Bermeo.

Quanto ao Chocó Andino, a aprovação do "Sim" não possui efeitos retroativos. Ela simplesmente determina que o governo equatoriano não pode emitir novas licenças de mineração nessa região.

"Essa é uma mensagem para o governo, indicando que desejamos progredir de maneira distinta: uma economia fundamentada na biodiversidade e não na exploração de recursos naturais", comunicou à BBC Mundo Inti Arcos, um dos líderes do movimento "Quito sem mineração".

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