MEDICINA

'Eu tinha o fígado de uma alcoólatra aos 10 anos de idade'

A estudante de medicina Megan McGillin foi diagnosticada com cirrose hepática há 11 anos

Megan McGillin diz que se manter fisicamente ativa manteve seu fígado funcionando -  (crédito: Megan McGillin)
Megan McGillin diz que se manter fisicamente ativa manteve seu fígado funcionando - (crédito: Megan McGillin)
BBC
Aileen Moynagh - BBC News NI
postado em 29/08/2023 15:32 / atualizado em 29/08/2023 20:31

Quando tinha apenas 10 anos de idade, Megan McGillin, hoje estudante de medicina, recebeu o diagnóstico de cirrose, uma condição muito rara em crianças e caracterizada por cicatrizes no fígado.

Apesar da pouca idade, o que Megan ouviu dos médicos foi surpreendente: seu fígado tinha danos que o tornavam semelhante ao de uma pessoa alcoólatra.

Um especialista em fígado afirmou que manter-se em forma e saudável desempenha um "papel crítico na manutenção do fígado em condições estáveis".

A cirrose não pode ser curada ou revertida, e muitos dos distúrbios hepáticos que causam cirrose em crianças não são preveníveis.

Em Megan, o quadro prejudica o funcionamento adequado dos órgãos há 11 anos.

No caso dela, os médicos não sabem como surgiu a doença, mas disseram que os danos eventualmente podem se tornar tão extensos que seu fígado pararia de funcionar.

Doenças hepáticas como a cirrose também podem resultar em hipertensão portal (aumento anormal da pressão sanguínea na veia que transporta o sangue do intestino ao fígado) e causar aumento do baço (o que aumenta o risco de problemas hematológicos).

No caso de Megan, isso a forçou a deixar de praticar esportes de contato, algo que ela valorizava profundamente, pelo risco da ruptura do baço (um quadro potencialmente fatal).

No entanto, mais tarde, ela encontrou uma paixão no remo e integrou a equipe de alto desempenho da Irlanda durante seus anos escolares.

Megan compartilhou que essa atividade manteve sua saúde em excelente estado, afirmando que, apesar dos desafios, praticar remo em alta intensidade contribuiu para sua vitalidade ao longo dos anos.

"[Os médicos] me disseram, inicialmente quando fui diagnosticada, que aos 18 anos eu precisaria um transplante, mas eu me mantive em forma e saudável", disse Megan.

"Depois, quando eu tinha 16 ou 17 anos, me disseram que, aos 21, eu definitivamente precisaria de um transplante. Quando fiz 21 anos em novembro, não fiz um transplante de aniversário. Continuei seguindo em frente, então eles pararam de falar em prazos."

"Doenças hepáticas são extremamente raras em crianças, o que explica por que muitos talvez não estejam familiarizados com casos de problemas hepáticos crônicos nesse grupo", diz Girish Gupte, especialista em fígado infantil no Birmingham Women's and Children's.

"A incidência de doenças hepáticas varia de um em 10 mil na população do Reino Unido, podendo chegar até a um em um milhão em alguns quadros ainda mais raros."

O especialista diz que identificou um aumento na ocorrência de doenças hepáticas crônicas nas últimas décadas, atribuindo isso, em parte, aos avanços nos métodos de diagnóstico.

Mas, segundo ele, fatores ambientais e escolhas de estilo de vida também desempenham um papel crucial no aumento da incidência de doenças hepáticas em crianças.

"Nem todas as crianças com doenças hepáticas precisam de um transplante de fígado", disse ele.

"A maioria dessas condições pode ser controlada com bons tratamentos médicos e um estilo de vida saudável", acrescentou.

"No entanto, quando há progressão da doença hepática para um estágio avançado, o transplante é necessário", disse ele.

Acredito que se manter em forma e ter uma dieta saudável - o que previne o acúmulo de gordura no fígado - desempenha um papel crítico na manutenção do fígado em condições estáveis a longo prazo e na tentativa de atrasar ou evitar a necessidade de um transplante."

'O fígado de uma alcoólatra'

As pessoas frequentemente associam a cirrose a uma doença causada pelo abuso de álcool a longo prazo.

Embora isso seja um fator importante para o quadro em adultos, a cirrose em crianças frequentemente é causada por uma ampla variedade de distúrbios hepáticos.

"Obviamente, eu nunca tinha bebido álcool antes [do diagnóstico], e minha mãe ficou chocada com a ideia de que um médico me diria que eu tinha o fígado de uma alcoólatra", ela disse à BBC News.

"Isso apenas mostra a correlação entre pessoas com doenças hepáticas e essa suposição de que isso vem do alcoolismo", acrescentou.

A jovem de 21 anos nunca bebeu álcool e não planeja fazê-lo por causa de como o hábito afeta o fígado.

'Oportunidade de educar algumas pessoas'

Megan disse que teve reações mistas ao contar às pessoas que ela não bebe álcool porque tem doença hepática.

A reação que ela não gosta é quando as pessoas dizem: 'Nossa, o que você fez? O que você estava fazendo há alguns anos?'; 'Quão cedo você começou a beber?'

A estudante de medicina disse que isso lhe dá uma "oportunidade de educar algumas pessoas sobre o fato de que ter doença hepática não necessariamente se correlaciona com beber álcool ou ter consumo abusivo de bebidas".

'Meu normal é diferente'

Ela disse que receber o diagnóstico foi "assustador", mas ela sabia que poderia viver com a condição, embora com limitações, já que o quadro a deixa extremamente cansada.

"Por fora, pareço normal, faço coisas normais", disse ela.

"Agora, o que chamo de normal é diferente do normal dos meus colegas. Tenho que impor limitações a mim mesma - em certas coisas que posso ou não posso fazer. É principalmente sobre gerenciar meus níveis de energia."

Embora ela seja positiva em relação ao futuro, ela disse que "não dá para ter um plano fixo" por conta da doença hepática.

"Eu poderia acordar amanhã e estar completamente amarela, com a pele ictérica, e saberia que meu fígado estava começando a falhar", ela disse.

"Isso acabaria eventualmente na necessidade de um transplante. Isso poderia ser amanhã, poderia ser na próxima semana, daqui a cinco anos, dez anos, simplesmente não sei", ela disse.

Megan disse que, se e quando chegar a hora, ela não hesitaria, porque "ter a oportunidade de receber um órgão de outra pessoa é simplesmente incrível".

Ela acrescentou: "A doação de órgãos realmente salva vidas, mas ainda pode ser uma decisão assustadora porque você não sabe o que vai acontecer. Você não sabe se ficará doente, se seu corpo vai aceitar ou se haverá doenças ou infecções secundárias após a cirurgia, porque é uma cirurgia grande.

"Meu fígado, como está, está funcionando. Não com capacidade total, mas o que quer que esteja fazendo, está dando certo. Você tem que esperar até que atinja um certo nível de função hepática, ou sua condição tenha afetado seu estilo de vida de tal maneira que você esteja extremamente doente, mas quanto mais meu fígado biológico, o fígado com o qual nasci, permanecer em mim, melhor será."

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