Ciência

Por que olhos azuis não são realmente azuis

Cerca de 8% da população mundial têm olhos azuis. Mas, assim como o céu, eles não são azuis de verdade. Trata-se de um fenômeno da luz. Entenda.

Um exemplo incrível de coloração estrutural: as penas da arara não são azuis. -  (crédito: getty images)
Um exemplo incrível de coloração estrutural: as penas da arara não são azuis. - (crédito: getty images)
BBC
Redação - BBC News Mundo
postado em 30/08/2023 10:36 / atualizado em 30/08/2023 11:10

Quando se diz que alguém tem olhos azuis como o céu, é verdade: tanto o céu como os olhos não têm nada de azul.

Não há nada dessa cor no espaço onde flutuam as nuvens em um meio-dia de verão, nem na íris de cerca de 8% da população mundial — parcela conhecida por ter "olhos azuis".

O que existe, na verdade, é uma ausência da cor — e, dessa ausência, surge a ilusão do azul. Essa falta de pigmento, combinada com um fenômeno físico, faz com que pareça azul.

Para entender melhor, é preciso mergulhar na parte colorida do olho.

A íris é composta por duas camadas: o epitélio, na parte posterior, e o estroma na parte frontal.

O epitélio tem apenas duas células de espessura e, em quase todos os casos, mesmo em olhos azuis, contém pigmentos castanhos escuros.

Essas manchas escuras que algumas pessoas têm nos olhos são o epitélio aparente.

Contra esse fundo marrom está o estroma, um delicado entrelaçamento de fibras de colágeno incolores.

Frequentemente, o estroma contém melanina, a substância do corpo que também produz pigmentação na pele e no cabelo.

A abundância ou falta desse pigmento é um fator determinante na cor dos olhos.

Mas não o único.

Um 'gene interrompido'

A cor dos olhos é uma parte única nas características pessoais. Aparentemente, não há duas pessoas no mundo que tenham olhos exatamente da mesma cor.

Mas, generalizando, há sem dúvida uma cor que domina as outras.

Cerca de 80% da população mundial tem alguma variação de marrom ao redor das pupilas.

O estroma da sua íris contém uma alta concentração de melanina, que absorve a maior parte da luz e cria tons de marrom, que vão do chocolate ao âmbar e à avelã.

Os mais escuros são vistos com mais frequência no Sudeste Asiático, Leste Asiático e África, e os mais claros, na Ásia Ocidental, Europa e Américas.

O curioso é que, segundo especialistas, durante milhões de anos todos os humanos tiveram olhos castanhos.

Mas entre 6 mil e 10 mil anos atrás, “uma mutação genética que afetou o gene OCA2 (envolvido na produção de melanina) em nossos cromossomos ocorreu em um indivíduo”, explicou em 2008 o diretor do estudo original, Hans Eiberg, da Universidade de Copenhague.

Essa mutação criou um “interruptor genético” que desligou a capacidade do corpo daquele ancestral de produzir pigmento marrom nos olhos.

Portanto, todos os olhos azuis remontam a um antigo ancestral comum, do qual foi herdada a característica de não ter melanina no estroma.

Isso significa que a camada superior da íris é translúcida, mas ainda ficamos com a dúvida de que não há outro pigmento para lhe dar cor.

Então de onde vem o azul?

Azul... e até verde e cinza

A explicação do motivo pelo qual alguns olhos são azuis é a mesma do motivo pelo qual o céu é azul: um fenômeno conhecido como efeito Tyndall.

O efeito Tyndall é a dispersão da luz por pequenas partículas flutuando em uma solução líquida.

A estrutura de fibra do estroma dispersa a luz de maneira semelhante, tendendo a espalhar mais a luz de comprimento de onda curto do que a luz de comprimento de onda longo.

Quando a luz branca visível o atinge, o azul é mais espalhado do que as outras cores porque viaja em ondas mais curtas. É por isso que o mesmo par de olhos azuis pode parecer com uma coloração mais forte em determinados momentos do que em outros; sua cor depende da qualidade da luz do local onde se encontram.

A íris azul é um exemplo do que os cientistas chamam de coloração estrutural, em contraste com a coloração pigmentar.

É um fenômeno surpreendente em que o material parece ter uma determinada cor sem que haja qualquer pigmentação dessa cor.

Na verdade, muitas vezes quando você vê o azul no mundo natural, o que está acontecendo é justamente um uma coloração estrutural.

É o caso, por exemplo, da arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus), cujas penas não são azuis, embora pareçam assim porque os nanocanais presentes na estrutura das penas alteram suas propriedades refletoras de luz.

Assim, embora os olhos castanhos sejam uma maravilha evolutiva, já que a melanina nos protege do sol, os olhos azuis são o resultado de uma antiga mutação genética e de um fenômeno surpreendente.

E os olhos verdes?

Bom, ele tem um pouco dos dois fenômenos.

O estroma contém uma pequena quantidade de melanina que lhe confere uma tonalidade castanha clara, mas como existem partes translúcidas, o olho dispersa a luz que entra e a mistura de cores cria a tonalidade verde.

Os olhos verdes, apesar de serem muito comuns em lugares como Irlanda e Escócia, são os mais raros: estima-se que apenas 2% da população mundial os tenha.

Um pouco mais, 3%, têm olhos cinzentos, e também são um caso curioso.

Sabe-se que eles são semelhantes aos azuis porque não contêm melanina no estroma.

Acredita-se que eles sejam cinza e não azuis porque têm depósitos excessivos de colágeno no estroma que bloqueiam a tendência de Tyndall em direção à luz azul.

Isso faz com que todos os comprimentos de onda da luz que entra na íris sejam espalhados e refletidos igualmente, criando uma tonalidade cinza uniforme. Portanto, se os olhos azuis não são realmente azuis, os cinzentos também não são cinzentos.

Ver para crer? Nem sempre.

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