Ciência

Peça-chave para entender surgimento do Universo, a misteriosa antimatéria tem novos segredos revelados

Cientistas baseados no Cern, na Suíça, conseguiram fazer experimentos com a antimatéria, difícil de encontrar e controlar.

Engenheiros adicionam hélio líquido ao sistema para manter a antimatéria a -270°C, perto da temperatura mais baixa possível, o zero absoluto -  (crédito: BBC)
Engenheiros adicionam hélio líquido ao sistema para manter a antimatéria a -270°C, perto da temperatura mais baixa possível, o zero absoluto - (crédito: BBC)
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Pallab Ghosh - Repórter de ciência
postado em 27/09/2023 14:35 / atualizado em 28/09/2023 00:46

Cientistas fizeram uma descoberta importante sobre a antimatéria, uma substância misteriosa que existia em abundância quando o Universo começou.

A antimatéria é o oposto da matéria — da qual são feitos as estrelas e os planetas.

Ambas foram criadas em quantidades iguais no Big Bang que formou o nosso Universo. Embora a matéria esteja em toda parte, seu oposto é terrivelmente difícil de encontrar.

Um estudo publicado na revista científica Nature revela que ambas, matéria e antimatéria, respondem à gravidade da mesma maneira.

Há anos, os físicos têm lutado para descobrir suas diferenças e semelhanças, de forma a explicar como o Universo surgiu.

Descobrir que a antimatéria subiria por conta da gravidade, ao invés de cair, teria destruído o que sabemos sobre a física.

Mas cientistas confirmaram, pela primeira vez, que os átomos de antimatéria caem. Isto abre as portas para novas perguntas e experimentos. Ela cai na mesma velocidade, por exemplo?

Durante o Big Bang, matéria e antimatéria deveriam ter se combinado e se anulado, deixando apenas luz. Por que não o fizeram é um dos grandes mistérios da física, e descobrir as diferenças entre as duas é uma chave para resolvê-lo.

De alguma forma, a matéria superou a antimatéria naqueles primeiros momentos da criação. A forma como ela responde à gravidade pode ser a resposta para a incógnita, de acordo com Danielle Hodgkinson, membro da equipe do Cern (ou Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), na Suíça, o maior laboratório de física de partículas do mundo.

"Não compreendemos como nosso Universo se tornou dominado pela matéria, então isso é que motiva nossos experimentos", disse à BBC.

A maior parte da antimatéria existe de forma fugaz no Universo, por frações de segundos. Portanto, para realizar experimentos, a equipe do Cern precisou torná-la estável e duradoura.

O professor Jeffrey Hangst passou 30 anos construindo uma instalação para produzir meticulosamente milhares de átomos de antimatéria a partir de partículas subatômicas, prendê-los e depois fazê-los cair.

“A antimatéria é a coisa mais legal e misteriosa que você pode imaginar”, afirmou o cientista, animado.

“Até onde entendemos, você poderia construir um universo como o nosso, com você e eu, feito apenas de antimatéria.”

"É simplesmente inspirador lidar com isso; é uma das questões abertas mais fundamentais sobre o que é esse material e como ele se comporta."

O que é a antimatéria?

Vamos começar explicando o que é a matéria: tudo em nosso mundo é feito dela, de minúsculas partículas chamadas átomos.

O átomo mais simples é o hidrogênio. É disso que o Sol é feito principalmente. Um átomo de hidrogênio é composto de um próton carregado positivamente no meio e um elétron carregado negativamente que o orbita.

Com a antimatéria, as cargas elétricas são inversas.

Tomemos como exemplo o anti-hidrogênio, que é a versão antimatéria do hidrogênio, usado nos experimentos do Cern. Ele tem um próton carregado negativamente (antipróton) no meio e uma versão positiva do elétron (pósitron) que o orbita.

No Cern, esses antiprótons são produzidos pela colisão de partículas nos aceleradores. Eles chegam ao laboratório de antimatéria por meio de tubos com velocidades próximas à velocidade da luz. Isso é rápido demais para que sejam controlados pelos pesquisadores.

O primeiro passo é desacelerá-los, o que os pesquisadores fazem colocando-os ao redor de um anel. Isso consome sua energia, até que eles se movam em um ritmo mais controlável.

Os antiprótons e pósitrons são então enviados para um ímã gigante, onde se misturam para formar milhares de átomos de anti-hidrogênio.

O ímã cria um campo que retém o anti-hidrogênio. Se algo tocasse a lateral do recipiente, seria destruído instantaneamente, porque a antimatéria não sobrevive ao contato com o nosso mundo.

Quando o campo é desligado, os átomos de anti-hidrogênio são liberados. Os sensores detectam então se eles subiram ou caíram.

Alguns teóricos acreditavam anteriormente que a antimatéria poderia subir, embora a maioria — notavelmente Albert Einstein na sua Teoria da Relatividade Geral, há mais de cem anos — dissesse que ela provavelmente se comportava como a matéria, caindo.

Os investigadores do Cern confirmaram agora, com o maior grau de certeza até o momento, que Einstein estava certo.

Mas só porque a antimatéria não sobe, isso não significa que ela caia exatamente como a matéria.

Nos próximos passos da investigação, a equipe quer qualificar o seu experimento para torná-lo mais sensível, para ver se há uma ligeira diferença na taxa de queda da antimatéria.

Se assim acontecer, poderá haver mais elementos para responder a uma das maiores questões de todas: como o Universo surgiu.

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