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Médicos mortos no Rio: por que polícia acha que vítimas podem ter sido confundidas com milicianos

Médicos estavam reunidos para um congresso científico; polícia trabalha com hipótese de que vítimas tenham sido executadas por 'engano'.

Marcos de Andrade Corsato (à esquerda), Perseu Ribeiro Almeida (centro) e Diego Ralf Bonfim (à direita) foram vítimas de um ataque na Barra da Tijuca -  (crédito: Reprodução)
Marcos de Andrade Corsato (à esquerda), Perseu Ribeiro Almeida (centro) e Diego Ralf Bonfim (à direita) foram vítimas de um ataque na Barra da Tijuca - (crédito: Reprodução)
BBC
BBC Geral
postado em 07/10/2023 11:03 / atualizado em 09/10/2023 22:08

Os três médicos mortos a tiros na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, foram confundidos com milicianos, afirma a Polícia Civil.

“Não resta mais dúvida alguma de que os médicos foram assassinados por engano”, declarou o secretário da Polícia Civil do Rio, Renato Torres, na manhã desta sexta-feira (6).

A ação, que teve 33 disparos e durou menos de um minuto, aconteceu na Avenida Lúcio Costa, que fica à beira-mar, após a meia noite de quinta-feira (05/10).

Imagens da câmera de segurança do quiosque, divulgadas pelo portal G1, mostram que os quatro médicos estavam sentados numa mesa quando um carro parou na avenida e três homens armados desceram.

Em menos de um minuto, os homens fizeram os disparos e fugiram com o mesmo veículo.

Duas vítimas, Marcos de Andrade Corsato, de 62 anos, e Perseu Ribeiro Almeida, de 33, morreram no local.

Diego Ralf Bonfim, de 35, foi socorrido ainda com vida e levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos. Ele era irmão da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e cunhado do também deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ).

Um quarto médico, que também foi alvo dos disparos, sobreviveu e foi encaminhado a uma unidade médica.

Segundo a TV Globo, a Polícia Civil do Rio encontrou posteriormente os corpos de pelo menos dois traficantes suspeitos de participação na execução dos médicos.

Outros dois corpos foram encontrados, totalizando quatro mortos — estes últimos não teriam envolvimento com o crime.

De acordo com a televisão, dentro da hipótese de execução dos médicos por engano, os traficantes estariam buscando um dos principais milicianos da zona Oeste carioca, Taillon de Alcântara Pereira Barbosa, que mora perto do quiosque que foi cenário dos disparos.

Segundo informações do portal G1, os principais suspeitos do crime vinham sendo monitorados pela força-tarefa Polícia Civil havia meses.

O portal de notícias afirmou que a Polícia Civil conseguiu remontar o trajeto do carro onde estavam os atiradores e descobriu que o veículo chegou à Cidade de Deus, em Jacarepaguá, também na zona oeste do Rio.

Ali seria uma base de uma organização criminosa que está disputando espaço com grupos milicianos.

Também foi obtida uma ligação interceptada onde criminosos indicariam que o alvo estava no "Posto 2" da orla.

A Delegacia de Homicídios (DH), ainda segundo o G1, tinha informações e tentava localizar um Fiat Pulse branco que foi usado no ataque contra os médicos. Conforme a investigação, um modelo da mesma cor havia sido utilizado em outros assassinatos na região.

Ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado federal Tarcísio Motta, afirmou que "nada indica" que tenha havido motivação política para os assassinatos.

Uma 'verdadeira máfia'

Ao comentar sobre o caso, o governador do Rio, Cláudio Castro, descreveu o ocorrido como "crime bárbaro" e prometeu que os assassinos não ficarão impunes.

Na manhã desta sexta, Castro afirmou que o caso demonstra a atual situação da criminalidade. “Não estamos falando mais de uma briga de milicianos e traficantes. Estamos falando de uma verdadeira máfia, uma máfia que tem entrado nas instituições, nos poderes, nos comércios, nos serviços e no sistema financeiro nacional”, disse durante coletiva de imprensa.

Castro afirmou que esses grupos possuem “seus próprios tribunais” e “vêm atuando nas mais diversas esferas”. Ele disse ainda que “essa máfia vem se expandindo no território nacional."

O governador se reuniu com o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, para discutir sobre medidas de apoio do governo federal contra a violência no Rio de Janeiro.

“Estamos aqui para falar de um problema que não é somente do estado do Rio de Janeiro, é um problema do Brasil”, declarou o governador.

Ele afirmou ainda que as investigações sobre o caso continuam e serão ampliadas, mesmo com a suspeita de que dois envolvidos no caso tenham sido mortos pelo “tribunal do crime”. "Não retrocederemos um milímetro sequer para essas máfias", disse.

Segundo ele, a inteligência da polícia planejava uma operação nesta quinta para prender os suspeitos do crime quando soube da localização dos corpos.

“Estávamos prontos para fazer incursões para prender esses suspeitos quando fomos surpreendidos com esse pseudo tribunal do tráfico tendo os punido.”

O secretário da Polícia Civil, José Renato Torres, afirmou que o caso está praticamente esclarecido após encontrar os corpos dos suspeitos do ataque. “A facção criminosa entrou em desespero com a repercussão do assassinato dos médicos por engano. E determinou a eliminação dos envolvidos na ação equivocada”, afirmou Torres nesta sexta.

O Secretário Executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, disse que, apesar de a Polícia Civil ter encontrado os corpos de alguns suspeitos de terem matado os três médicos no Rio de Janeiro, "(a situação) não é lei da selva, e o inquérito vai continuar".

O procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), Luciano Mattos, determinou que o Ministério Público abra um inquérito imediatamente. Normalmente, esses procedimentos ocorrem após a Promotoria receber o inquérito da Polícia Civil, porém o órgão também pode investigar em paralelo à delegacia.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que a Polícia Civil de São Paulo vai enviar uma equipe do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) ao Rio de Janeiro para ajudar na investigação dos fatos.

As vítimas

Os médicos mortos estavam hospedados no Hotel Windsor, também na Barra, onde acontece a partir desta quinta-feira o 6º Congresso Internacional de Cirurgia Minimamente Invasiva do Pé e Tornozelo. Eles foram homenageados no primeiro dia do evento, que fez um minuto de silêncio pelas vítimas.

Nesta sexta-feira (6/10), o sobrevivente ao ataque divulgou um vídeo gravado no hospital, após passar por uma cirurgia. No registro, ele disse que teve algumas fraturas, mas passa bem. "A gente vai sair dessa junto. Valeu pela preocupação", disse, no vídeo no hospital.

O ministro Flávio Dino prestou solidariedade à deputada Sâmia Bonfim e a Glauber Braga, além de anunciar que a Polícia Federal auxiliará nas investigações.

Dino, declarou que "em face da hipótese de relação com a atuação de dois parlamentares federais", a Polícia Federal acompanhará a investigação sobre o ataque.

"Após essas providências iniciais imediatas, analisaremos juridicamente o caso", escreveu Dino.

No X (antigo Twitter), Sâmia escreveu sobre a morte do irmão. "Eu e minha família agradecemos por todas as mensagens de solidariedade. Expresso também nossas condolências aos familiares de Marcos e Perseu. Meu irmão era um homem incrível, carinhoso, alegre, nosso orgulho. Que haja celeridade e seriedade na investigação. Estamos destroçados!"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou as redes sociais para se manifestar sobre o ocorrido.

"Recebi com grande tristeza e indignação a notícia da execução de Diego Ralf Bomfim, Marcos de Andrade Corsato e Perseu Ribeiro Almeida na orla da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, na madrugada desta quinta-feira. As vítimas estavam na cidade para um Congresso Internacional de Ortopedia. Minha solidariedade aos familiares dos médicos e a deputada Sâmia Bomfim e ao deputado Glauber Braga", compartilhou Lula.

Abaixo, as informações sobre as vítimas do crime.

Marcos de Andrade Corsato

Marcos de Andrade Corsato, de 62 anos, era médico do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT), do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ele tinha mestrado na área pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e era especializado em cirurgias de pé e tornozelo.

Além disso, ele também pertencia ao corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ele foi professor de ortopedia dos outros dois médicos que também foram mortos no crime.

Em ambos os hospitais, segundo o jornal O Globo, é lembrado como um médico alegre e carinhoso.

Em nota, o instituto do Hospital das Clínicas de São Paulo afirmou que recebeu "com consternação" a notícia do falecimento dos três médicos.

"O IOT estende as condolências aos familiares e amigos", diz o texto.

Perseu Ribeiro Almeida

Perseu Ribeiro Almeida era casado e tinha dois filhos, de 11 e dois anos, segundo o jornal O Globo. Ele trabalhava no Hospital Geral Prado Valadares, em Jequié, no interior da Bahia.

Segundo a família, ele nunca havia ido ao Rio de Janeiro e tinha pedido para trocar de plantão para que pudesse ir ao congresso.

Diego Ralf Bonfim

O ortopedista Diego Ralf Bomfim, de 35 anos, foi residente do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e era especialista em reconstrução óssea.

Ele era irmão da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), casada com o também deputado federal psolista Glauber Braga (RJ).

Após o anúncio das mortes, especulação sobre motivações políticas tomaram conta das redes sociais. A polícia diz que ainda não é possível confirmar ou descartar a tese.

Ele e Perseu Ribeiro fizeram residência médica no Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas de São Paulo.

O corpo de Diego foi velado na manhã desta sexta-feira em Presidente Prudente, no interior de São Paulo.

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