HISTÓRIA

Tratados de paz: os muitos fracassos e poucos sucessos das negociações entre Israel e palestinos

Todas negociações com os palestinos fracassaram em produzir uma solução duradoura — e a região hoje está mergulhada no conflito

Yitzhak Rabin, Bill Clinton e Yasser Arafat firmaram na Casa Branca o chamado Acordo de Oslo, visto como um marco nas negociações de paz entre israelenses e palestinos -  (crédito: Getty Images)
Yitzhak Rabin, Bill Clinton e Yasser Arafat firmaram na Casa Branca o chamado Acordo de Oslo, visto como um marco nas negociações de paz entre israelenses e palestinos - (crédito: Getty Images)
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postado em 16/10/2023 06:25 / atualizado em 16/10/2023 09:39

Ao longo dos 75 anos da existência do Estado de Israel, houve diversas tentativas de se chegar a um acordo de paz no Oriente Médio.

Algumas das tentativas foram bem-sucedidas, como no caso dos acordos de paz com Egito e Jordânia. Mas todas negociações com os palestinos fracassaram em produzir uma solução duradoura — e a região hoje está mergulhada no conflito.

Ao longo das décadas, os obstáculos para a paz não mudaram.

Historicamente, israelenses e palestinos não conseguem chegar a um consenso sobre alguns temas: o destino dos assentamentos israelenses em territórios palestinos que foram ocupados depois de 1967, o direito do retorno de refugiados palestinos, a renúncia à violência, a criação de um Estado palestino na região, a divisão de Jerusalém entre ambos e a delimitação das fronteiras de Israel — tanto com os territórios palestinos como com o Líbano e Síria.

Conheça algumas das principais iniciativas de paz das últimas décadas e saiba o que aconteceu com cada uma delas.

1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU

A Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU foi aprovada em 22 de novembro de 1967 e incorpora o princípio que orientou a maioria dos planos de paz que vieram depois: ceder terras em troca pela paz ("terra por paz").

A resolução fazia um apelo para a "retirada das Forças Armadas israelenses dos territórios ocupados no conflito recente" e ao "respeito e reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de todos os Estados da região".

A resolução ficou famosa pela falta de precisão no trecho que pedia a retirada israelense — que fala simplesmente em saída "dos territórios". Os israelenses disseram que o termo "dos territórios" não significava "todos os territórios", mas sim parte deles. A divisão exata seria negociada posteriormente, segundo esse entendimento.

Já para os árabes, a saída "dos territórios" implicava que Israel deveria se retirar de todas as áreas que havia ocupado.

Além disso, o texto foi escrito tendo como base o capítulo 6 da Carta das Nações Unidas, em que as resoluções do Conselho de Segurança são recomendações, e não ordens.

1978: Acordos de Camp David

O próximo grande esforço de paz só foi acontecer anos depois da guerra do Yom Kippur de 1973. Em novembro 1977, o presidente egípcio, Anwar Sadat, fez uma visita histórica a Jerusalém.

O presidente dos EUA, Jimmy Carter, aproveitou o novo clima de paz na região e convidou Sadat e o primeiro-ministro israelense, Menachem Begin, para negociações em Camp David, perto de Washington. As negociações duraram 12 dias e produziram dois acordos.

O primeiro chama-se Um Marco para a Paz no Médio Oriente. O texto estabelecia princípios para a paz (ampliando o que já estava na resolução 242), sugeria um tratado entre o Egito e Israel e fazia um apelo para que israelenses também firmassem acordos com seus vizinhos.

O ponto fraco desse texto era a seção que tratava dos palestinos. O plano visava criar "autoridades autônomas" na Cisjordânia e em Gaza, mas os palestinos não aceitaram.

O segundo acordo chamava-se Um Marco para a Conclusão de um Tratado de Paz entre o Egito e Israel.

Ele foi firmado em 1979, após a retirada israelense da península do Sinai, que havia sido ocupada durante a Guerra dos Seis Dias. Este foi o primeiro reconhecimento de Israel como Estado por um grande país árabe.

Essa parte do acordo de Camp David foi a mais bem-sucedida negociação da história da região. O tratado é respeitado até hoje e fortaleceu substancialmente a posição de Israel no Oriente Médio. No entanto, a paz entre o Egito e Israel não tem sido absoluta. O próprio presidente Sadat acabou sendo posteriormente assassinado por um extremista que se opunha aos acordos.

1991: Conferência de Madri

A conferência de Madri, promovida pelos EUA e pela União Soviética, foi concebida encorajar outros países árabes a assinarem acordos com Israel, nos moldes do que foi feito pelo Egito depois de Camp David.

Jordânia, Líbano e Síria foram convidados, bem como Israel e Egito. Os palestinos também estiveram representados, mas como parte de uma delegação conjunta com a Jordânia, e não pelo líder Yasser Arafat ou outras figuras importantes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Israel não aceitava a presença da OLP.

A conferência abriu caminho para um tratado de paz entre Israel e a Jordânia em 1994 — algo que, segundo alguns analistas, acabaria acontecendo mesmo que sem a realização da conferência.

Depois de Madri, Israel iniciou negociações com Síria e Líbano, mas elas nunca avançaram, complicadas pelas disputas fronteiriças e pela ação dos libaneses do Hezbollah.

As conversas com os palestinos deram início a negociações secretas que levaram ao acordo de Oslo.

1993: Acordos de Oslo

As negociações de Oslo tentaram resolver o elemento que faltava em todas as conversações anteriores – um acordo direto entre israelenses e palestinos, representados pela OLP.

A importância de Oslo é que finalmente houve reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP.

As negociações aconteceram em sigilo e o acordo foi assinado no pátio da Casa Branca em 13 de setembro de 1993, testemunhado pelo então presidente americano Bill Clinton. O líder da OLP, Yasser Arafat, e o primeiro-ministro israelense, Yitzhak Rabin, apertaram as mãos.

O Acordo de Oslo estipulou que as tropas israelenses se retirariam em etapas da Cisjordânia e de Gaza e que uma "Autoridade Autônoma Provisória Palestina" seria criada por um período de transição de cinco anos, levando a um acordo permanente baseado nas resoluções 242 e 338.

O acordo falava em pôr “fim a décadas de confrontos e conflitos” e em que cada parte reconhecesse "os seus direitos legítimos e políticos mútuos".

Embora não estivesse explicitamente declarado no texto, a implicação do acordo é que um dia um Estado da Palestina seria criado ao lado de Israel.

Houve uma troca de cartas nas quais Yasser Arafat afirmou: "A OLP reconhece o direito do Estado de Israel de existir em paz e segurança".

Yitzhak Rabin disse: "O governo de Israel decidiu reconhecer a OLP como representante do povo palestino".

O Acordo de Oslo foi apenas parcialmente implementado.

O Hamas e outros grupos palestinos não aceitaram o tratado e realizaram atentados suicidas contra Israel. Entre os israelenses, houve oposição por parte de grupos liderados por colonos. Rabin acabou assassinado por um israelense que se opunha ao acordo.

2000: Camp David

Várias novas tentativas de paz foram feitas (incluindo em Taba em 1995, Wye River em 1998 e Sharm el-Sheikh em 1999) para acelerar a retirada de Israel e a autonomia dos palestinos previstas no acordo de Oslo.

Em 2000, Bill Clinton procurou abordar questões como fronteiras, Jerusalém e refugiados – que Oslo tinha deixado para negociações posteriores.

As negociações aconteceram em julho entre o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, e o presidente da OLP, Yasser Arafat.

Não houve acordo. Analistas dizem que o problema fundamental foi que o máximo que Israel oferecia era menos do que o mínimo que os palestinos podiam aceitar.

Israel ofereceu a Faixa de Gaza, uma grande parte da Cisjordânia, além de terras extras do deserto de Negev, mantendo ao mesmo tempo grandes blocos de assentamentos e a maior parte de Jerusalém Oriental. Os israelenses propuseram a tutela islâmica de locais importantes na Cidade Velha de Jerusalém e contribuições financeiras para um fundo para refugiados palestinos.

Já os palestinos queriam voltar às fronteiras de 1967. Eles ofereceram aos israelenses direitos sobre o bairro judeu da Cidade Velha e queriam o reconhecimento do "direito de retorno" dos refugiados palestinos.

O fracasso em Camp David foi seguido por uma nova onda de violência entre os palestinos.

2001: Taba

Embora estivesse prestes a deixar o cargo, Clinton apresentou uma "proposta de transição" que estabelecia novas negociações em Washington, Cairo e Taba (no Egito).

Estas negociações não foram entre autoridades de alto escalão. Houve mais flexibilidade no território e observadores da União Europeia disseram que os negociadores israelenses aceitaram o conceito de Jerusalém Oriental ser a capital de um Estado palestino.

Posteriormente, um comunicado afirmou que "foi impossível chegar a entendimento sobre todas as questões".

O primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, em campanha eleitoral, disse que "nada está acordado até que tudo esteja acordado". Ele disse que não poderia comprometer um governo subsequente com apenas "ideias" resultantes das negociações.

Com a eleição de Ariel Sharon em fevereiro de 2001, a disposição de ambos os lados para se chegar a um acordo de paz diminuiu.

2002: Iniciativa Árabe de Paz

Após o fracasso das negociações bilaterais e o reinício do conflito, a Arábia Saudita apresentou um plano de paz em março de 2002, com uma abordagem multilateral.

Segundo o plano, batizado de Iniciativa Árabe de Paz, Israel deveria desocupar todos os territórios tomados em 1967. A proposta também previa um Estado palestino na Cisjordânia e em Gaza, com uma "solução justa" para a questão dos refugiados.

Em troca, os países árabes reconheceriam Israel. O plano voltou a ser endossado em outra cúpula árabe em Riad em 2007.

2003: Mapa do caminho

Em 2003 foi apresentado um plano chamado de "roadmap" ("mapa do caminho"), elaborado pelo "Quarteto" — os Estados Unidos, a Rússia, a União Europeia e as Nações Unidas.

O mapa do caminho não estabelecia os detalhes de um acordo final, mas sugeria como poderia se chegar a um acordo. Ele foi elaborado depois de uma visita do senador americano George Mitchell para a região, em 2001.

O plano foi precedido por uma importante declaração em junho de 2002 pelo presidente dos EUA George W Bush, que se tornou o primeiro líder americano a defender a criação de um Estado palestino.

O mapa do caminho propunha um calendário com diferentes fases.

Fase 1: Ambos os lados emitiriam declarações apoiando a solução de dois Estados.

Os palestinos acabariam com a violência, agiriam contra "todos os envolvidos no terrorismo", elaborariam uma constituição e realizariam eleições.

Os israelenses interromperiam as atividades de assentamento e agiriam com moderação militar

Fase 2: Criação, em uma conferência internacional, de um Estado palestino com "fronteiras provisórias".

Fase 3: Negociações do acordo final.

O mapa do caminho não foi implementado. O seu calendário previa que o acordo final fosse firmado até 2005. A proposta fracassou completamente, mas ela continua sendo um ponto de referência para as negociações.

2003: Acordo informal de Genebra

Enquanto esforços oficiais fracassavam, um acordo informal foi anunciado em dezembro de 2003 pelo israelense Yossi Beilin, um dos arquitetos do acordo de Oslo, e Yasser Abed Rabbo, antigo Ministro da Informação dos palestinos.

O Acordo de Genebra inverte o conceito de mapa do caminho, no qual o crescimento da segurança e da confiança precede um acordo político. A nova proposta colocava o acordo em primeiro lugar, que é concebido para produzir segurança e paz.

O seu principal compromisso é que os palestinos desistam do seu "direito de regresso" em troca de quase toda a Cisjordânia, embora possa haver um regresso simbólico por parte de alguns.

Israel desistiria de alguns assentamentos importantes, mas manteria outros mais próximos da fronteira.

Os palestinos teriam o direito de ter a sua capital em Jerusalém Oriental, embora com a soberania israelense sobre o Muro das Lamentações, na Cidade Velha.

Outro acordo não-oficial foi elaborado por um antigo chefe do serviço de segurança interna israelense Shin Bet, Ami Ayalon, e um antigo representante da OLP em Jerusalém, Sari Nusseibeh.

O acordo previa o regresso às fronteiras de 1967, uma cidade aberta de Jerusalém e o fim da reivindicação dos palestinos ao direito de regresso às antigas casas.

2007: Annapolis

No final do seu segundo mandato, George W. Bush organizou uma conferência na Academia Naval dos EUA, em Annapolis, com o objetivo de retomar o processo de paz.

Participaram do encontro o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, os responsáveis do Quarteto de paz e de mais de uma dezena de países árabes, incluindo a Arábia Saudita e a Síria.

A mera participação dos países foi considerada importante, já que eles não reconhecem oficialmente Israel.

Contudo, o grupo palestiniano Hamas, que havia vencido as eleições parlamentares e assumido o controle da Faixa de Gaza, não estava representado.

Um entendimento conjunto foi emitido pelos líderes israelenses e palestinos para iniciarem negociações com o objetivo de um acordo de paz completo até ao final de 2008. Ambos concordaram que a implementação de um acordo esperaria até que as medidas de criação de confiança do "mapa do caminho" fossem cumpridas.

Olmert e Abbas passaram a realizar reuniões frequentes, e houve muitas discussões sobre possíveis mapas para solucionar as questões fronteiriças, mas não se chegou a um acordo.

Olmert disse que a sua oferta era a mais generosa já feita aos palestinos: supervisão internacional dos locais sagrados de Jerusalém, o regresso simbólico de alguns milhares de refugiados e a retirada israelense de 93,7% da Cisjordânia. Abbas propôs um mapa que oferecia a permissão aos israelenses de manterem 1,9% da Cisjordânia em troca de terras em Israel.

As negociações foram interrompidas abruptamente com uma ofensiva militar de Israel em Gaza, em dezembro de 2008. Isto coincidiu com o fim do mandato de Olmert e a sua substituição por Benjamin Netanyahu, que só veio apoiar o conceito de um Estado palestino vários meses depois.

2010: Washington

Ao chegar no poder nos EUA, Barack Obama tentou retomar o processo de paz. Os contatos entre Israel e palestinos foram retomados em maio de 2009, após um hiato de 19 meses, através do enviado dos EUA para o Médio Oriente, George Mitchell.

Em novembro de 2009, Obama convenceu Netanyahu a aceitar o congelamento parcial de novas construções na Cisjordânia por 10 meses. O israelense saudou a ideia como "o primeiro passo significativo para a paz".

Depois de meses de muita diplomacia, a Secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, anunciou que Netanyahu e Abbas haviam concordado em "relançar negociações diretas para resolver todas as questões do estatuto final" e que acreditavam que o diálogo poderia "ser concluído dentro de um ano".

As negociações — nas quais também participaram o presidente Hosni Mubarak, do Egito, e o Rei Abdullah, da Jordânia — começaram em Washington em 2 de setembro de 2010. As expectativas eram baixas desde o começo; e em poucas semanas se chegou a um impasse.

Os líderes israelense e palestino reuniram-se apenas mais uma vez, em Sharm el-Sheikh, antes do fim do prazo de congelamento de novas construção. As negociações foram suspensas.

Os negociadores dos EUA não conseguiram convencer o governo de Netanyahu a renovar o congelamento de construções. Também não conseguiram persuadir Abbas a retomar as negociações de paz.

2013: Washington

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, tentou novamente retomar discussões de paz entre israelenses e palestinos, com negociações diretas entre ambos em 29 de julho de 2013.

No entanto, a divisão entre os palestinos dificultou a retomada dos processos de paz. Inicialmente o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, disse que Mahmoud Abbas, do Fatah na Cisjordânia, não representava a voz dos povos palestinos.

As negociações prosseguiram até abril de 2014, quando fracassaram por falta de consenso.

Durante esses meses, Fatah e Hamas se reaproximaram, o que despertou a ira de Israel, que disse que Abbas não poderia negociar ao mesmo tempo com Israel e com o Hamas, a quem os israelenses classificam como terroristas.

Além disso, Israel seguiu com um plano de novas construções de assentamentos, o que foi criticado por líderes palestinos.

2017-2020: Plano de Trump

Em 2017, o novo presidente americano Donald Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, provocando a ira de palestinos e do mundo árabe. A nova embaixada americana foi aberta na cidade no ano seguinte.

Em 2019, o governo Trump disse que já não considerava os assentamentos israelenses em território ocupado como violações do direito internacional.

Em janeiro de 2020, Trump apresentou seu plano, batizado de "Da Paz para a Prosperidade: Uma Visão para Melhorar a Vida do Povo Palestino e Israelense". O texto foi elaborado por seu genro e assessor Jared Kushner.

A cerimônia na Casa Branca contou com a presença de Benjamin Netanyahu. Os palestinos — que haviam rejeitado a proposta — não foram convidados.

O plano previa diversas concessões dos palestinos. O território palestino seria formado por diversos enclaves em meio a Israel. A maior parte de Jerusalém histórica ficaria sob controle dos israelenses. Não havia um sinal claro de quando os palestinos poderiam formar seu Estado. E o texto previa que colonos judeus não seriam obrigados a deixar suas casas.

“Dizemos mil vezes, não, não, não”, disse Abbas sobre a proposta de Trump. "Nós rejeitamos este acordo desde o início e a nossa posição foi correta."

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