Portugal

Primeiro-ministro de Portugal: saiba o que motivou a renúncia

O socialista António Costa entregou o cargo ao ser alvo de processo do Ministério Público pelo suposto favorecimento de empresas na exploração de lítio e de hidrogênio. Presidente Marcelo Rebelo de Souza pode convocar novas eleições

António Costa após anunciar a entrega do cargo, no Palácio São Bento, em Lisboa: acusado de interceder a favor de empresas para a exploração de lítio e de hidrogênio -  (crédito: Patricia de Melo Moreira/AFP)
António Costa após anunciar a entrega do cargo, no Palácio São Bento, em Lisboa: acusado de interceder a favor de empresas para a exploração de lítio e de hidrogênio - (crédito: Patricia de Melo Moreira/AFP)
Vicente Nunes / Correspondente
postado em 08/11/2023 06:00 / atualizado em 08/11/2023 06:16

Lisboa — Alvo de buscas e apreensão na manhã desta terça-feira (7/11) e de um processo aberto pelo Ministério Público, o socialista António Costa pediu demissão do cargo de primeiro-ministro de Portugal, que assumiu há oito anos. Ele entregou a carta de renúncia ao presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, que decidirá se dissolve o Parlamento e convoca eleições ou se mantém as portas abertas para que o Partido Socialista (PS), que tem maioria absoluta da Assembleia da República, indique novo chefe para o Executivo. O presidente convocou o Conselho de Estado e fará um pronunciamento à nação amanhã.

Costa é suspeito de corrupção, acusado de interceder a favor de empresas em projetos para a exploração de lítio e de hidrogênio. Cinco pessoas foram presas, entre elas, o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. O caso provocou um terremoto na política portuguesa. O país tem garantido uma estabilidade importante dentro de uma Europa em turbulência, com duas guerras nas suas franjas. A economia de Portugal é uma das que mais crescem na zona do euro e conseguiu, nos últimos anos, reduzir significativamente seu endividamento. O temor é de que a crise política empurre o país para uma convulsão, até porque o presidente da República também está sob suspeição, por favorecimento a duas gêmeas brasileiras em um tratamento de saúde que custou 4 milhões de euros (R$ 22 milhões) aos cofres públicos.

Em pronunciamento à nação, o agora primeiro-ministro demissionário disse que foi surpreendido com a informação de que será instaurado um processo-crime contra ele. "A dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com a suspeita de qualquer ato criminal. Obviamente, apresentei a demissão ao senhor Presidente da República", afirmou. "Quero dizer, olhos nos olhos, que não me pesa na consciência qualquer ato ilícito. Confio na Justiça. Encerro essa etapa com consciência tranquila. Foram quase oito anos aos quais me dediquei com toda a minha energia. Saio disponível para colaborar com a Justiça. Ninguém está acima da lei", acrescentou. Costa estava no comando de Portugal desde 2015 — a última eleição foi há pouco mais de um ano e meio.

Pelas regras, Costa será alvo de uma investigação por parte do Supremo Tribunal da Justiça, o correspondente ao Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), foram encontrados, no decurso das investigações a integrantes do governo, suspeitas de favorecimento a empresários em negócios relacionados à exploração de lítio em Montalegre. Em nota, a PGR declara que surgiu "o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido".

Ministros investigados

Foram realizadas buscas e apreensões nos ministérios de Infraestrutura e de Ambiente e da Ação Climática. Os titulares das pastas — João Galamba e Duarte Cordeiro, respectivamente — foram indiciados e responderão a processos. Além do chefe de gabinete de Costa, foram presos na operação, que contou com mais de 140 policiais, o empresário Diogo Lacerda Machado, o qual se apresenta publicamente como amigo do premiê demissionário; o presidente da Câmara de Sines, o socialista Nuno Mascarenhas; o CEO da empresa Start Campus, Afonso Salema; e o diretor Jurídico e de Sustentabilidade da companhia, Rui Oliveira Neves.

Segundo a PGR, as detenções foram necessárias diante dos "perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade pública". Assinalou, ainda, que os presos são suspeitos de "prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência".

As investigações apontam que o governo deu privilégios à empresa Lusorecursos na exploração da mina de lítio em Montalegre, mesmo ela não fazendo parte do grupo que obteve o direito de prospeção. Esse benefício foi concedido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que também está na mira do Ministério Público. O mesmo favorecimento teria sido dado à Start Campus para a exploração de hidrogênio verde no Porto de Sines. Em defesa de Costa, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos e Silva, destacou que o líder socialista é um grande administrador, capacitado para exercer qualquer função pública. Portugal, acredita ele, perde com a renúncia de Costa.

Assim que as operações de buscas e apreensões se tornaram públicas, a oposição tratou de pedir a demissão do primeiro-ministro. Presidente do Chega, o partido de extrema-direita, André Ventura, disse que o socialista não tinha mais condições de permanecer no cargo. O mesmo fez o presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, que pediu ao presidente da República que dissolva o Parlamento, onde o Partido Socialista, de Costa, tem maioria absoluta. O líder do PSD, Luís Montenegro, convocou uma reunião de urgência da Comissão Permanente para avaliar a gravidade da situação que envolve a base central do governo. Já a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, afirmou que a solução é caminhar para eleições antecipadas.

 

Temperatura política em alta

Lisboa — A demissão de António Costa elevou substancialmente a temperatura política em Portugal. A pergunta que todos estão se fazendo é se o presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, dissolverá ou não o Parlamento, convocando eleições. Há um temor generalizado no Palácio de Belém de que, com o escândalo que derrubou o principal líder do Partido Socialista (PS), a ultradireita acumule forças para formar maioria na Assembleia da República ou mesmo ganhe musculatura para ser atraída para futuras alianças.

Pesquisas mais recentes apontam que, desde o início do ano, o Chega, do extremista André Ventura, é o único partido, efetivamente, que tem conseguido ampliar o eleitorado. No levantamento divulgado no fim de outubro pelo Diário de Notícias, em parceria com o Instituto Aximage, a legenda de extrema-direita se consolidou como terceira força política, com 14,6% da preferência do eleitorado. É o dobro do observado em 2022, quando conquistou 7,2% dos votos. Na mesma base de comparação, o PS, de António Costa, caiu de 41,4%, o que, à época, lhe garantiu maioria absoluta na Assembleia da República, para 28,6%. O PSD recuou de 29,1% para 24,9%.

Analistas observam que, mesmo no caso de uma vitória isolada do PS, se as eleições fossem hoje, as forças mais à direita teriam capacidade de construir um bloco para assumir o governo. Isso implicaria unir o PSD de Luís Montenegro com o Chega e a Iniciativa Liberal, de Rui Rocha, que desponta com 6,7% da preferência. As três legendas teriam 46,2% dos votos. São esses números que o presidente levará em consideração para decidir ou não se convoca eleições, pouco mais de um ano e meio depois de os portugueses terem ido às urnas. Para isso, ele chamou o Conselho de Estado e deve fazer um pronunciamento à nação nesta quinta-feira (9/11). 

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