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China e Índia devem ser indenizadas por danos climáticos ou pagar por eles?

Apesar de os dois países asiáticos estarem entre os maiores emissores de gases do efeito de estufa do mundo, ambos argumentam que não deveriam ter de contribuir tanto com um fundo climático como as nações desenvolvidas.

Família tenta escapar de enchente na Índia; fundo de perdas e danos coloca em questão participação do país e da China  -  (crédito: Getty Images)
Família tenta escapar de enchente na Índia; fundo de perdas e danos coloca em questão participação do país e da China - (crédito: Getty Images)
BBC
Navin Singh Khadka - Repórter de meio ambiente do Serviço Mundial da BBC
postado em 29/11/2023 05:31 / atualizado em 29/11/2023 09:53

A China e a Índia estão entre os maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo — a China ocupa o primeiro lugar e a Índia, o terceiro.

Os dois países também têm grandes economias.

Então, por que há desacordo sobre se eles deveriam ou não contribuir com um fundo destinado a conter as perdas e danos globais devidos às mudanças climáticas?

Essa questão será debatida na COP28, a conferência das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas deste ano em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O que é o fundo de perdas e danos?

Os países em desenvolvimento precisarão de mais de US$ 300 bilhões (R$ 1,4 trilhão, na cotação atual) por ano até 2030 para se adaptarem às mudanças climáticas, segundo um relatório de 2022 da ONU.

Após anos de discordâncias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, um fundo de perdas e danos foi acordado durante a COP27 do ano passado, no Egito.

O fundo visa dar assistência financeira às nações mais pobres para lidarem com os impactos negativos das mudanças climáticas — por exemplo, na reconstrução após incêndios florestais e na realocação de comunidades desalojadas pela subida do nível do mar.

Mas sem qualquer dinheiro no fundo e sem quaisquer detalhes sobre seu funcionamento e quem irá financiá-lo, muitas questões continuam sem resposta.

Quem deve pagar por isso?

Os Estados Unidos, um país desenvolvido e o segundo maior emissor de gases do efeito de estufa do mundo, e outras nações desenvolvidas dizem que a China e a Índia deveriam juntar-se a eles não só no corte das emissões, mas também no financiamento do fundo.

Mas a China e a Índia discordam, argumentando que os seus elevados níveis de emissões são recentes quando comparados com o histórico de emissões de países como os EUA e o Reino Unido.

Ambas afirmam também que ainda são países em desenvolvimento, tal como estabelecido na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, assinada em 1992, e que, portanto, devem receber — e não gastar com — o fundo de perdas e danos.

Desde a COP27, as partes tiveram debates acalorados sobre o funcionamento do fundo e, finalmente, em outubro de 2023, chegaram a um conjunto de recomendações.

Agora, elas precisarão ser aprovadas na COP28. As recomendações "exortam" os países desenvolvidos a apoiarem o fundo de perdas e danos e "encorajam" outros a apoiá-lo voluntariamente.

As recomendações também deixam claro que todos os países em desenvolvimento são elegíveis para pedirem financiamento.

Mas os negociadores dizem que as recomendações não acabaram com as tensões entre os países desenvolvidos e as principais economias em desenvolvimento, como a China e a Índia, sobre quem deveria pagar pelo fundo e quem deveria recebê-lo.

"As fontes de financiamento continuam a ser uma questão controversa importante que está empacada por enquanto", disse um negociador de um país ocidental que pediu para não ser identificado.

Quem deveria recebê-lo?

A China ultrapassou os EUA como o maior emissor de dióxido de carbono (CO2) em 2006.

Mas tanto a China como a Índia argumentam que a crise climática foi causada pelas emissões dos países desenvolvidos já na década de 1850, quando começou o período industrial.

Os dois gigantes asiáticos também apontam para o princípio de "responsabilidades comuns, mas diferenciadas" da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

O princípio basicamente significa que todos os países têm a responsabilidade de reduzir as emissões de gases do efeito de estufa, mas a sua participação e responsabilidade dependem das suas necessidades para desenvolvimento.

Muitas organizações da sociedade civil e ambientalistas apoiaram o argumento.

"As enormes perdas e danos que estamos vendo neste momento são o resultado de 30 anos de grande lentidão por parte dos países desenvolvidos na redução mais rápida das suas emissões e no fornecimento de financiamento climático aos países em desenvolvimento", afirma Liane Schalatek, diretora associada da Fundação Heinrich Boll Stiftung nos EUA, que acompanha de perto as negociações.

"Pedir aos países em desenvolvimento que contribuam para o novo fundo em pé de igualdade com os países desenvolvidos é moralmente errado e desonesto", acrescenta ela.

Há nações, porém, que argumentam que a classificação do que são os "países desenvolvidos" está desatualizada e precisa de ser revista.

Os países foram rotulados como desenvolvidos ou em desenvolvimento em 1992. Os críticos dizem que muita coisa mudou desde então, especialmente em países como a China e a Índia, que são agora grandes economias e estão entre os principais emissores.

"Esperamos que não apenas a China e a Índia, mas também os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita — países em desenvolvimento, de acordo com a lista de 1992 — considerem-se mais como contribuintes do fundo do que como beneficiários", acrescentou o negociador anônimo.

'Responsabilidade moral'

Alguns pequenos países insulares também defendem essa posição.

Michai Robertson é o principal negociador sobre o financiamento de perdas e danos da Aliança dos Pequenos Estados Insulares.

Ele argumenta que há uma "responsabilidade moral de se envolver com o fundo" que precisa ser cumprida pelas principais economias como a China e a Índia.

"Ter as palavras 'incentivar outras partes a fornecerem verbas' na recomendação é um reconhecimento por parte de todo o comitê de que precisamos que os países desenvolvidos também estejam envolvidos e que outras partes também estejam envolvidas."

Mas não é a primeira vez que um fundo climático leva muito tempo para ser resolvido.

Ross Fitzpatrick, da organização Christian Aid, compara o debate sobre o fundo de perdas e danos a uma promessa anterior de financiamento climático que ainda não se concretizou.

"Não é surpreendente que muitos países em desenvolvimento vejam isto um pouco como uma tática de adiamento, dada a falta de confiança que perdura há uma década e que está no cerne das negociações climáticas da ONU", afirma.

"A falta de confiança é melhor exemplificada pelo fracasso das nações ricas em cumprir a sua promessa anterior de fornecer US$ 10 bilhões em financiamento climático anual a partir de 2020."

O compromisso a que Fitzpatrick se refere foi assumido pelos países desenvolvidos em Copenhagen, em 2009.

Enquanto essa promessa anterior não for cumprida, os países em desenvolvimento terão sempre uma desculpa para adiar a finalização dos detalhes do fundo de perdas e danos, na avaliação de Aarati Khosla, diretora da Climate Trends, uma organização sediada na Índia.

"Não é tão simples para a China e a Índia contribuir para o fundo sem que o mundo desenvolvido primeiro tenha cumprido a sua promessa anterior", argumenta Khosla.

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